03 Outubro 2023
Ainda é possível limitar o aquecimento global em 1,5° Celsius acima do patamar do período pré-industrial se a demanda por combustíveis fósseis cair em um quarto até 2030, segundo afirmou a Agência Internacional de Energia (IEA na sigla em inglês).
O comentário é de José Eustáquio Diniz Alves, doutor em Demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE, em artigo publicado por EcoDebate, 02-10-2023.
O relatório “Net Zero Roadmap. A Global Pathway to Keep the 1.5 °C Goal in Reach” (IEA, 09/2023) mostra que as emissões globais do setor energético foram de 37 gigatoneladas (Gt) em 2022, um aumento de 5% a partir de 2015. No entanto, o progresso desde o Acordo de Paris de 2015 significa que a perspectiva no STEPS previa que as emissões atingiriam o pico em meados desta década e caiam para cerca de 35 Gt até 2030, o que está bem abaixo do nível de cerca de 43 Gt projetado no Cenário de Linha de Base (Figura 1.3), no Pré-Paris.
Para colocar isto em perspectiva, esta diferença de 7,5 Gt é igual às atuais emissões combinadas do setor energético dos Estados Unidos e da União Europeia. Três tecnologias contribuem com a maior parte das reduções de emissões no STEPS em relação ao cenário de base pré-Paris: energia solar fotovoltaica, eólica e veículos elétricos. A energia solar fotovoltaica deverá reduzir emissões em cerca de 3 Gt até 2030. A energia eólica deve reduzir as emissões em cerca de 2 Gt até 2030. E os Veículos Elétricos em cerca de 1 Gt. A AIE defendeu “políticas rigorosas e eficazes” para impulsionar a implantação de energias limpas.
Evidentemente, novos campos de petróleo e gás enfrentariam grandes riscos comerciais na medida em que a crise climática requerer mais cortes de emissões. Por isto, a IEA alertou que o fornecimento de energia limpa precisa se expandir de acordo com a redução do fornecimento de combustíveis fósseis, para evitar escassez de energia e aumentos de preços.
Porém, a transição energética e a expansão das energias renováveis (principalmente solar e eólica) não estão livres de emissões de gases de efeito estufa e, principalmente, requerem grande quantidade de minerais e de água, com forte impacto ambiental.
Artigo de Gary Horvitz (Resilience, 28/09/2023) mostra que os projetos de mineração provocam grandes danos ambientais e provocam estresse hídrico. Há uma coincidência de elevadas concentrações de minerais energéticos, incluindo cobre, lítio e terras raras, com o aumento da procura de água, o abastecimento futuro incerto e os elevados níveis de demanda hídrica em algumas regiões geográficas importantes, conforme mostra o gráfico abaixo.
Sessenta e cinco por cento dos recursos conhecidos de lítio estão em áreas de pressão hídrica média a muito alta. Austrália, Chile, Argentina, China e sudoeste dos EUA são áreas com depósitos significativos. O Chile, com mais de 4.000 minas em operação nas regiões centro e norte, e com a maior produção mundial de cobre e lítio, consome mais de 50% de todo o abastecimento de água regional disponível, entrando em concorrência direta com a agricultura. Por lei, o Chile agora bombeia água dessalinizada do nível do mar para minas de cobre a 9.000 pés de altitude para novos projetos.
Embora a mineração seja geralmente considerada favoravelmente pelos seus benefícios econômicos, há uma oposição crescente aos danos ambientais, tanto dentro como fora da indústria, por parte de credores, governos e comunidades locais afetadas.
O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) prevê que cerca de 60% da população mundial viverá em países definidos como “com escassez de água” até 2025. Até 2050, quando mais de 40% da população mundial viverá em países com grave escassez de água, bacias hidrográficas, estima-se que o uso de água proveniente da indústria aumente mais de 400%. A situação atual significará que o mundo não cumprirá os ODS das Nações Unidas relacionados com a água por uma ampla margem.
O sol e o vento são recursos naturais abundantes e renováveis, mas, indubitavelmente, não podem fazer milagres e nem evitar o imperativo do metabolismo entrópico, como ensina a escola da economia ecológica.
A humanidade já ultrapassou a capacidade de carga do Planeta. Como alertou o ambientalista Ted Trainer (2007), as energias renováveis não são suficientes para manter a expectativa do número crescente de pessoas por um alto padrão de consumo conspícuo.
Ted Trainer prega um mundo mais frugal, com decrescimento demoeconômico, onde as pessoas adotem um estilo de vida com base nos princípios da Simplicidade Voluntária.
EA. Net Zero Roadmap. A Global Pathway to Keep the 1.5 °C Goal in Reach, IEA, September 2023. Disponível no link.
Gary Horvitz. The Global Energy Transition: Critical Minerals & Water Scarcity, Resilience, 28/09/2023. Disponível no link.
Ted Trainer. Renewable Energy Cannot Sustain a Consumer Society, Springer, 2007. Mais informações disponíveis no link 1 e no link 2.
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Para evitar o colapso ambiental não basta uma transição energética. Artigo de José Eustáquio Diniz Alves - Instituto Humanitas Unisinos - IHU