28 Setembro 2023
"A baixa taxa de fecundidade da China não é necessariamente um sinal negativo e nem levará necessariamente ao colapso econômico", escreve José Eustáquio Diniz Alves, doutor em Demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE, em artigo publicado por EcoDebate, 27-09-2023.
Alguns demógrafos e economistas dizem que a China enfrentará uma grande crise demográfica ao longo do século XXI, pois a população chinesa já começou a decrescer em 2022, foi ultrapassada pela Índia em 2023 e deve perder cerca de 650 milhões de habitantes até 2100.
Dizem também que os Estados Unidos da América (EUA) terão uma grande vantagem demográfica, pois o fluxo imigratório possibilitará garantir uma população em crescimento e uma estrutura etária mais rejuvenescida (ou menos envelhecida) em relação à pirâmide etária chinesa.
Até fim do século passado, os 6 países mais populosos do mundo eram, na ordem decrescente: China, Índia, EUA, Indonésia, Brasil e Rússia. Para analisar a dinâmica demográfica no fim do atual século, o gráfico abaixo mostra os 6 países que serão os mais populosos do mundo em 2100, de acordo com a projeção média da Divisão de População de ONU.
Contudo, esta lista sofrerá alterações internas nas próximas décadas. Em 2023, a Índia ultrapassou a China e, na segunda metade do século XXI, os EUA serão ultrapassados pela Nigéria, Paquistão e República Democrática do Congo. Em 2100, o tamanho da população da China será algo como metade da população da Índia e o dobro da população americana. A China se manterá em segundo lugar e os EUA cairão para o sexto lugar no ranking dos países mais populosos.
(Foto: Reprodução)
Portanto, o decrescimento demográfico da China não impedirá ao país do leste asiático se manter na segunda colocação entre os países mais populosos, enquanto o crescimento demográfico dos EUA não evitará ao país norte-americano cair da 3ª para a 6ª colocação no ranking internacional.
Os defensores do pronatalismo argumentam que as diferentes dinâmicas demográficas da China e dos EUA vão levar a uma estrutura etária muito envelhecida na população chinesa, quando comparada com a população americana.
A tabela abaixo mostra a população total do mundo e dos 6 países e alguns indicadores de mudança da estrutura etária, em 2100, de acordo com a projeção média da ONU. Nota-se que a China será o país mais envelhecido, com a população idosa (de 60 anos e mais de idade) representando 47,2% da população total, quando a média global será de 29,8 anos. Os EUA e a Índia terão, aproximadamente, a mesma proporção de idosos, em torno de 36%. O Paquistão terá 23,1%, a Nigéria 17,7% e a República Democrática do Congo com somente 15,4% de idosos.
A mesma proporção entre os países ocorre com o Índice de Envelhecimento, com a China alcançando 483,5 idosos para cada 100 jovens de 0-14 anos, os EUA e a Índia com IE de 259, o mundo com 181, o Paquistão com 125 e a Nigéria e a RD Congo com IE abaixo de 100 (ou seja, com mais jovens de 0-14 anos do que idosos). A idade mediana será de 56,8 anos na China, de cerca de 47 anos nos EUA e Índia, de 42,3 anos no mundo e algo entre 32 anos e 38 anos no Paquistão, Nigéria e RD do Congo.
A densidade demográfica média do mundo deve ficar em torno de 79 habitantes por quilômetro quadrado (km2) em 2100 e a China ficará com a mesma densidade demográfica. Os EUA terão uma densidade abaixo da média internacional, de 43 hab/ km2. A RD Congo terá uma densidade de 191 hab/ km2. A densidade da Índia deve ficar em 515 hab/ km2. E a Nigéria e o Paquistão terão densidade demográfica acima de 600 hab/ km2.
(Foto: Reprodução)
Portanto, sem dúvida, a China será o país mais envelhecido entre as nações mais populosas do mundo, mas não terá uma densidade demográfica acima da média mundial. Porém, resta saber até que ponto o envelhecimento será uma desvantagem decisiva. É uma questão em aberto, pois se a China aproveitar o segundo bônus demográfico (bônus da produtividade) – investindo em infraestrutura, em educação e em novas tecnologias – pode ter uma população menor, porém mais produtiva. Desta forma, pode se preparar para fazer mais com menos. Além disto, pode aproveitar o 3º bônus demográfico (bônus da longevidade) para aproveitar o potencial da população da terceira idade. Além disto, o meio ambiente tende a se beneficiar de uma população menor.
Muitos analistas internacionais consideram que a China está entrando na fase do “inverno demográfico”. Até o economista keynesiano desenvolvimentista, Paul Krugman, prêmio Nobel de Economia, em artigo reproduzido na Folha de São Paulo (26-07-2023) considera que o declínio populacional da China será mais prejudicial para a economia na China do que o decrescimento populacional japonês para o Japão. Todavia, a ideia de colapso demográfico pode estar exagerada, assim como podem estar fora de foco as estimativas das vantagens dos EUA.
De fato, as ditas vantagens da estrutura etária norte-americana não se sustentam em relação à situação da Índia e dos outros 3 países. Em 2100, a Índia terá uma população quase 4 vezes superior à população dos EUA e terá uma força de trabalho, numericamente bem superior. Já a Nigéria, o Paquistão e República Democrática do Congo terão não só uma população superior, mas também uma estrutura etária menos envelhecida.
Por conseguinte, as supostas vantagens da população dos EUA sobre a população da China se tornariam uma desvantagem em relação à Índia, Nigéria, Paquistão e RD Congo. Ou seja, o menor tamanho populacional e o envelhecimento da estrutura etária são elementos de análise, mas não são necessariamente um empecilho ao avanço do bem-estar humano e ambiental. Crescimento demográfico não garante necessariamente crescimento econômico e bem-estar social. E o crescimento demográfico dificulta o combate à crise climática e ambiental.
Todos estes 6 países vão enfrentar um grande desafio ambiental e climático, pois as condições ecológicas vão piorar bastante ao longo do século XXI. Enormes populações podem representar mais um passivo do que um ativo, uma vez que tende a aumentar enormemente os desastres ambientais. A China terá a segunda maior população em 2100, mas terá uma população em decrescimento e isto pode facilitar o processo de aumento da renda per capita e de adaptação diante das condições naturais. Já a Nigéria, o Paquistão e a RD Congo vão ter uma estrutura etária mais rejuvenescida, porém terão uma alta densidade demográfica e terão dificuldades para lidar com os desastres ambientais e climáticos.
São muitas as variáveis para analisar o cenário demográfico, econômico e ambiental no final do século XXI. A Índia se consolidará com a nação mais populosa do mundo. A China permanecerá como a 2ª maior população e os EUA cairão do 3º para o 6º lugar. Três países, que não estavam na lista dos 10 maiores países até recentemente, ocuparão do 3º a 5º lugar.
Neste segundo semestre de 2023 se fala muito sobre as perspectivas econômicas da China e há analistas prevendo o pico econômico chinês. Mas há analistas também que dão destaque para as fragilidades da economia americana. Com a dinâmica demográfica vai afetar a dinâmica econômica é um assunto muito complexo especialmente numa perspectiva de longo prazo.
Mas, sem dúvida, a baixa taxa de fecundidade da China não é necessariamente um sinal negativo e nem levará necessariamente ao colapso econômico. O que se vê é que a dinâmica demográfica dos 6 países mais populosos será bastante contrastante. Como as nações vão lidar com os diversos desafios ainda é uma questão em aberto e dependerá dos desdobramentos da crise climática e ambiental.
ALVES, JED. A ascensão da China, a disputa pela Eurásia e a Armadilha de Tucídides, IHU, 21/06/2018. Disponível aqui.
ALVES, JED. A China deve perder 654 milhões de habitantes entre 2022 e 2100, Ecodebate, 03/08/2022. Disponível aqui.
ALVES, JED. Europa, China e EUA: as grandes economias sofrem com a crise climática, Ecodebate, 05/12/2022. Disponível aqui.
Paul Krugman. O que aconteceu com a economia do Japão? FSP, 26/07/2023. Disponível aqui.
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A China terá o dobro da população dos EUA em 2100. Artigo de José Eustáquio Diniz Alves - Instituto Humanitas Unisinos - IHU