29 Setembro 2023
O sociólogo eslovaco Michal Vašečka analisa a situação do país às vésperas das eleições parlamentares que serão realizadas neste sábado, 30 de setembro.
A entrevista é de Javier Biosca Azcoiti, publicada por El Diario, 28-09-2023. A tradução é do Cepat.
Sobre a luxuosa mesa com motivos decorativos dourados, um milhão de euros em espécie. Ao lado dela, escoltado pelo chefe da polícia e pelo ministro do Interior, o primeiro-ministro Robert Fico anuncia, em 28 de fevereiro de 2018, a polpuda recompensa em troca de informações sobre o assassinato do jornalista investigativo Jan Kuciak e sua companheira, Martina Kusnirova. Tinha se passado uma semana desde o homicídio, as pessoas saíram às ruas em massa para protestar contra a corrupção e Fico tentou resistir à tempestade. Mas ele acabaria renunciando dias depois.
“O assassinato mudou o país”, disse Michal Vašečka, sociólogo e presidente do Bratislava Policy Institute, ao elDiario.es. “Para uma parte da sociedade foi a gota d’água que fez perder a paciência com um governo oligárquico”, acrescenta. A queda do governo de Fico e a pressão da sociedade civil mudaram o rumo do país.
“Hoje existe corrupção, mas é incomparável com o que havia naquela época”. Várias investigações revelaram ligações entre a máfia, os oligarcas e a política – inclusive o último artigo de Kuciak, que assinalava a nomeação como conselheira por parte de Fico de uma modelo que tinha sido parceira de uma pessoa acusada de fazer parte da 'Ndrangueta, a máfia calabresa –, e o sistema de justiça iniciou vários processos judiciais que abalaram o país.
Cinco anos depois de tudo isto, embora o resultado seja imprevisível, Robert Fico lidera com uma margem estreita de votos a média das pesquisas de intenção de votos para as eleições gerais deste sábado e tem opções de voltar ao poder, devolvendo-o ao caminho anterior. O que aconteceu neste período?
“Depois do governo de Fico, Igor Matovic, um populista incapaz de dirigir o país que se supõe deveria representar as forças democráticas, ganhou as eleições. Muitas pessoas perderam todas as esperanças e começaram a pensar que, embora Fico fosse ruim, pelo menos comandava a corja”, disse Vašečka. “A novidade destas eleições é que depois do governo Matovic todos estão indignados, já não é mais apenas uma parte da sociedade e isso nunca nos aconteceu”.
O sociólogo dá alguns dados sobre este descontentamento, que, por sua vez, diz que é anterior ao assassinato de Kuciak e que tem a ver com a complicada transformação do país do modelo soviético para o europeu. “Apenas 48% dos eslovacos acreditam que vivemos melhor agora do que na era comunista e apenas 52% dizem que a Eslováquia se beneficia por ser membro da União Europeia”, afirma. “Em suma, o país provou ser menos moderno do que pensávamos”.
“Não esqueçamos que essas pessoas que podem chegar ao poder agora são politicamente, embora não fisicamente, as mesmas que chegaram ao poder em 1992. O caminho de transformação da Eslováquia foi muito diferente daquele de outros países da Europa Central porque a contrarrevolução da Vladimir Mečiar chegou pouco depois da revolução de 1989. Eram forças que iam diretamente contra essa transformação em direção a um Estado Europeu. Foi por isso que a Tchecoslováquia entrou em colapso”, afirma o especialista.
“Durante seis anos, a Eslováquia seguiu na direção oposta”, disse Vašečka. “Depois de 1998, tentou mudar de rumo, mas as dúvidas sobre se era capaz de se tornar um país europeu liberal existem desde o início da década de 1990 e a diferença em relação à Polônia, Hungria ou República Tcheca é que nunca houve realmente um consenso sobre o caminho dessa transformação. Os inimigos deste modelo europeu estiveram no poder 65% do tempo desde 1989”, acrescenta.
Vašečka diz ter uma sensação de “déjà vu”. “Já vivemos isso no início dos anos 90, mas é verdade que há cinco anos parecia que o movimento da sociedade civil tinha conseguido expulsar o governo de Fico, a corrupção e a oligarquia”. Neste sentido, estas eleições podem ser um “ponto de não retorno”, afirma. “Nós as comparamos com as eleições de 1998, que derrotaram [a contrarrevolução] de Mečiar. Naquela altura, a Eslováquia estava totalmente desqualificada: não era convidada para a OTAN nem para a União Europeia. [A ex-secretária de Estado dos EUA] Madeleine Albright disse em 1997 que a Eslováquia era um buraco negro no mapa da Europa Central. Foi brutal, mas estava certa”.
O sociólogo descarta a possibilidade de abandonar a OTAN ou a União Europeia em caso de vitória de Fico, mas “vai tornar-se pouco a pouco um parceiro pouco confiável”. “E o mais importante: Fico pode juntar-se a Orbán e Kaczynski na destruição do consenso europeu. Fico aumentará a pressão sobre a sociedade civil, os meios de comunicação independentes e até algumas empresas, mas ainda terá muito mais problemas do que Orbán na Hungria porque os nossos meios de comunicação social e a sociedade civil estão muito melhor preparados para os autocratas. A Hungria não estava preparada para Orbán”.
Durante o governo de Fico, Vašečka era uma das vozes que apelaram à UE para congelar os fundos da Eslováquia. Como a Eslováquia tem uma imprensa livre e um forte movimento da sociedade civil, “em Bruxelas não entendiam quando lhes dissemos que vivíamos num estado sequestrado. Não queriam aceitar que todo o jogo era uma farsa”.
“A UE acreditava que a imprensa independente e a sociedade civil, ao longo de gerações, substituiriam lenta e sistematicamente a velha elite comunista corrupta. E é verdade: as novas gerações pedem mais liberdades e transparência na política”, afirma o sociólogo. “É por isso que Bruxelas nunca quis entrar no assunto com força, porque sabia que essas pessoas não estão do seu lado, não são pró-europeias e não se importam. Só querem estar lá para fortalecer o seu poder e roubar fundos europeus”.
“Entendo uma certa paciência de Bruxelas, mas o problema é que investir no país com fundos da UE e colocá-los nas mãos dos oligarcas só fortalece essas pessoas. Ano após ano, estes oligarcas tornaram-se mais poderosos e fortes e sua origem estava no dinheiro da Europa”, afirmou.
O partido de Fico, o Smer [Direção Democracia-Social], incluído na família social-democrata no Parlamento Europeu, foi criado em 1999. “Foi um partido criado pelos oligarcas eslovacos que saíram vitoriosos da selvagem privatização dos anos 90. Eram os mais ricos do país e criaram um partido que representasse os seus interesses”, diz Vašečka. “Eles o financiavam e se beneficiavam com isso. Não é do tipo de corrupção que se tem na Espanha; a corrupção sob o mandato de Fico era sistemática e o principal sentido de governar. O ex-primeiro-ministro criou um Estado sequestrado que fingia trabalhar para o povo, mas na realidade o fazia para seis oligarcas”.
“Aquele polvo que controlava tudo agora se decompôs. Se Fico voltar ao poder, não será tão provocador contra Bruxelas como Orbán porque gostaria de seguir o caminho que seguiu antes. Não atacava a imprensa ou a sociedade civil porque não era necessário. Sua gente ocupava e paralisava o Tribunal Constitucional, o Supremo Tribunal, a Polícia, o Ministério Público... Eles podiam se permitir que os meios de comunicação escrevessem o que quisessem. Por isso Bruxelas não entendeu o jogo, porque com Fico a Eslováquia era um país relativamente livre”, disse. Isso mudará se ele vencer novamente as eleições: “Fico voltará com sede de vingança e radicalizará seus eleitores”.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
O assassinato de um jornalista revelou uma Eslováquia “sequestrada” por oligarcas: cinco anos depois, a velha elite é novamente favorita - Instituto Humanitas Unisinos - IHU