23 Setembro 2023
A Igreja precisa da mídia para transmitir a energia e o impulso sinodais, e para criar um mínimo de informação comummente aceita sobre o que está ocorrendo dentro da assembleia sinodal. Para ser credível, isso não pode vir apenas da mídia controlada pelo Vaticano.
O comentário é do historiador italiano Massimo Faggioli, professor da Villanova University, nos Estados Unidos. O artigo foi publicado por La Croix Internacional, 21-09-2023. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Foi relatado que os regulamentos relativos ao acesso da mídia às discussões na próxima assembleia sinodal em Roma – a primeira das duas sessões que ocorrerão ao longo dos próximos 12 meses – ainda não foram aprovados. Os jornalistas só podem esperar que a hipótese de impor o sigilo pontifício (o mais alto tipo de confidencialidade na Igreja) sobre as deliberações seja rejeitado.
Essa é uma questão muito importante para quem cobre o Vaticano, mas também para todos aqueles – católicos e não católicos – que acompanharão, mais ou menos intencionalmente, a sessão dos dias 4 a 29 de outubro dessa assembleia sinodal sobre o futuro da Igreja.
Esse é um evento muito importante que não tem precedentes na história do Sínodo dos Bispos, instituído por Paulo VI em 1965. De fato, em alguns aspectos, ele se assemelha ao Concílio Vaticano II (1962-1965), que durou quatro sessões.
Se o Concílio Vaticano I (1869-1970) foi o concílio dos jornais e da fotografia, e os pontificados entre a Primeira Guerra Mundial e a Segunda Guerra Mundial ocorreram na era da rádio e do cinema, o Vaticano II foi o concílio da televisão.
João XXIII foi o primeiro papa a aparecer regularmente na televisão: quando visitava as paróquias de Roma e a prisão perto do Vaticano, quando viajou para Loreto e Assis, e quando assinou – ao vivo diante das câmeras – sua última encíclica, Pacem in terris.
Naquele tempo, o único meio de comunicação de massa na Itália era a RAI (Radiotelevisione Italiana), a rede nacional de rádio e televisão financiada pelos contribuintes e sob o controle dos partidos políticos do país. Foi o início de uma aliança entre democrata-cristãos e socialistas – a chamada “abertura à esquerda”, que os católicos de direita e os responsáveis vaticanos detestavam, mas que João XXIII na verdade acolheu de bom grado. A RAI detinha o monopólio das imagens do Vaticano na época do Vaticano II e manteve-o até 1983, quando a Santa Sé criou o Centro Televisivo Vaticano (CTV).
A RAI tinha uma postura muito pró-Vaticano II. Ela oferecia muitos programas especiais e documentários explicando o concílio para um público amplo. Ela não só apresentava entrevistas com os Padres conciliares, os peritos teológicos (periti) e os observadores ecumênicos de todo o mundo, mas também apresentava historiadores, artistas, cineastas e pensadores jurídicos. Ela era visivelmente diferente da Rádio Vaticano, que entrevistava apenas os bispos.
A televisão tornou-se parte da história do Vaticano II desde o início, transmitindo a procissão do episcopado mundial e dos Padres conciliares durante a cerimônia de abertura de outubro de 1962 e o “discurso da lua” de João XXIII naquela mesma noite. A comunicação dos eventos conciliares pela mídia, especialmente por meio da televisão e das filmagens, tornou-se parte da experiência do Vaticano II. Certamente, mais pessoas viram essas extensas filmagens do que aquelas que leram os documentos, a história ou os comentários do concílio.
Graças aos meios de comunicação de massa, a recepção do Vaticano II começou não no fim, mas logo no início do concílio. E, entre a primeira (1962) e a segunda sessão (1963) do concílio, ficou claro que a tentativa do Vaticano de controlar o acesso aos meios de comunicação não poderia funcionar. As coisas inevitavelmente se tornaram mais transparentes.
Quando ver (na TV) não era mais crer
Era uma época de ouro para a colaboração entre a Igreja Católica e a mídia: não apenas porque a maioria ou muitos dos decisores da RAI (que fornecia a outras empresas de radiodifusão todo o tipo de conteúdos) eram católicos. Era uma época em que a televisão ainda desempenhava um papel educativo e professoral para um público dócil e confiante; quando os canais de comunicação de massa eram poucos e atuavam como guardiões, com uma atitude de deferência para com a instituição e o clero; quando a Igreja ainda não estava dividida em diferentes partidos em torno de questões polêmicas; e quando o Vaticano e o sistema midiático católico tinham um grande grau de controle sobre a narrativa da Igreja.
Havia uma dinâmica eclesial diferente, mas também uma relação diferente entre a mídia e os eventos sociopolíticos no início dos anos 1960. Então, no fim da década de 1960, pouco depois do fim do concílio, algo rompeu. A guerra no Vietnã tornou-se a primeira a ser exibida na televisão, e as pessoas começaram a questionar até que ponto a mídia estava cobrindo esse e outros eventos disruptivos da época, como a política radical que se abateu sobre Chicago na Convenção Democrática Nacional de 1968, os protestos estudantis nos campi europeus e estadunidenses, ou a saudação do Black Power nos Jogos Olímpicos da Cidade do México.
Diferentemente de alguns anos antes na época do Vaticano II, ver (na TV) não era mais crer; ou pelo menos significava ver e crer em algo diferente ou oposto à narrativa institucional. Era o início da crença generalizada de que não se podia confiar na mídia ou de que só se podia confiar nos meios de comunicação com os quais já se concordava.
De uma forma ou de outra, a mídia fará parte do processo sinodal
Voltemos à assembleia do Sínodo de outubro de 2023. Ninguém espera algo como a Convenção Democrática Nacional de 1968 em Chicago em termos de manifestações públicas e violência (como uma lembrança para o próximo conclave: aquele ano terminou com a eleição de Richard Nixon a presidente dos Estados Unidos).
Mas as mudanças na relação entre a mídia, as instituições e a confiança pública são uma lição que a Igreja Católica está aprendendo da maneira mais difícil, também devido à crise dos abusos. Esta é a era das redes sociais e das mídias digitais, em que a internet permite a qualquer pessoa transmitir sua opinião para o mundo inteiro em tempo real, e, quanto mais divisiva, melhor para uma certa mentalidade militante. A dinâmica das narrativas midiáticas orientadas pela identidade é essencialmente contrária à ideia de uma experiência eclesial compartilhada.
De uma forma ou de outra, a mídia fará parte do processo sinodal. Isso porque a Igreja Católica vive da tradição, mas também da história e da memória. Quantos participantes manterão um diário de sua experiência sinodal ou escreverão cartas que os futuros estudiosos do catolicismo poderão estudar no futuro?
Uma assembleia sinodal que as mídias independentes não possam cobrir ou ter acesso a seus participantes não alcançará muitos católicos, sem falar do restante do mundo. Além disso, como disse o historiador francês Pierre Nora há quase 50 anos, ao refletir sobre os turbulentos eventos de 1968, “a imprensa, o rádio, as imagens não agem apenas como meios dos quais os eventos são relativamente independentes, mas também como a própria condição de sua existência”. Em outras palavras, fazer um exercício de discernimento sinodal envolto em sigilo é tão bom quanto não fazê-lo – ou até pior.
Uma questão de credibilidade
O Sínodo está em uma encruzilhada. Por um lado, existe a necessidade de evitar uma cobertura midiática que amplie a polarização existente, em que parece haver apenas dois lados ou dois partidos (e apenas dois) para cada questão.
Há também o risco para a Igreja daquilo que Nora chamou de “evento monstro”, em que o sistema midiático tende a tornar tudo sensacional ou fabricar novidades permanentemente, alimentando a fome de eventos.
Por outro lado, a Igreja também precisa da mídia para transmitir a energia e o impulso sinodais, e para criar um mínimo de informação comumente aceita sobre o que está ocorrendo dentro da assembleia sinodal. Para ser credível, isso não pode vir apenas da mídia controlada pelo Vaticano.
O papel dos meios de comunicação no Vaticano II foi crucial, porque ajudou católicos e não católicos a descobrirem – e em muitos casos a verem pela primeira vez – a catolicidade do catolicismo. A colorida procissão na cerimônia de abertura em 11 de outubro de 1962 – com todos os bispos em Roma provenientes das Igrejas Católicas orientais e das Igrejas Católicas nas Américas, África e Ásia – representou visualmente o fim de séculos de romanização, latinização e eurocentrismo.
A sinodalidade também tem a ver com uma reformulação da catolicidade do catolicismo em uma Igreja global. A assembleia sinodal de 2023-2024 é um teste sobre como fazer isso, ao mesmo tempo que lida com um sistema midiático do século XXI.
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O Sínodo e a mídia. Artigo de Massimo Faggioli - Instituto Humanitas Unisinos - IHU