06 Setembro 2023
“A atual reconfiguração da ordem global exibe formas heterogêneas de beligerância. Algumas delas estão focadas na ciência e na tecnologia. Uma das áreas de maior conflito é observada no território dos microprocessadores (chips) que funcionam como os circuitos básicos dos dispositivos que usamos diariamente: celulares, computadores, mas também automóveis e aviões”.
A reflexão é de Jorge Elbaum, sociólogo argentino e doutor em Ciências Econômicas, em artigo publicado por Página|12, 02-09-2023. A tradução é do Cepat.
A atual reconfiguração da ordem global exibe formas heterogêneas de beligerância. Algumas delas estão focadas na ciência e na tecnologia. Uma das áreas de maior conflito é observada no território dos microprocessadores (chips) que funcionam como os circuitos básicos dos dispositivos que usamos diariamente: celulares, computadores, mas também automóveis e aviões.
Estes diminutos artefatos são uma parte central da disputa estratégica sobre a produção e circulação de bens e serviços, que coloca os Estados Unidos e a China no centro da competição global. Os chips compartilham com a Inteligência Artificial (IA) e os protocolos de transmissão móvel (5G e 6G) o espectro central da guerra geoeconômica.
Em agosto de 2022, o governo de Joe Biden promulgou a Lei de Chips e Ciência, que fornece quase 60 bilhões de dólares em créditos fiscais, incentivos e subsídios a empresas que se estabeleçam nos Estados Unidos. Um ano antes, em junho de 2021, o presidente dos EUA assinou um decreto presidencial proibindo todos os investimentos em 59 empresas chinesas – incluindo Huawei e SMIC – por serem consideradas colaboradoras das forças armadas de Pequim.
Além disso, nos últimos dois anos, o Departamento de Estado promoveu a Chip Four Alliance para promover, juntamente com o Japão, a Coreia do Sul e Taiwan, a pesquisa e inovação na tecnologia de microprocessadores, em detrimento da República Popular da China. Uma das últimas medidas promovidas por Washington foi sancionar as empresas que exportam para Pequim as “wafers” desenhadas com Litografia Ultravioleta Extrema (UVE), tecnologia necessária para produzir microprocessadores de última geração, com tamanhos inferiores a 5 nanômetros. A empresa holandesa ASML – que restringiu as remessas da China continental – é considerada a única empresa capaz de fabricar tais “wafers” minúsculos utilizando a tecnologia UVE, cuja procura aumenta consistentemente a uma taxa de 8% ao ano.
O presidente Xi Jinping respondeu energicamente à guerra híbrida declarada em Washington. No programa concebido para o atual mandato de seis anos, foi assegurado um investimento de 1,4 bilhão de dólares para serem destinados à inovação nanotecnológica, e o vice-primeiro-ministro Liu He – formado pela Universidade de Harvard – foi nomeado responsável pela execução do referido programa, considerado prioritário no planejamento estratégico.
Setenta e cinco porcento dos microprocessadores de nova geração – com dimensões inferiores a 6 nanômetros – são produzidos no Sudeste Asiático, na China, em Taiwan e na Coreia do Sul. Há trinta anos, os Estados Unidos controlavam um terço de toda a produção global. Atualmente, participa apenas com 12% dessa fabricação. O Japão também apresenta esta curva descendente: na década de 1990, exportava metade de todos os chips. Hoje contribui apenas com um décimo do mercado.
Aquela fortaleza japonesa do último terço do século XX foi a origem da primeira disputa estratégica sobre semicondutores e microprocessadores: esta competitividade de Tóquio foi a base da primeira guerra geoeconômica, promovida por Washington, contra o desenvolvimento de microprocessadores. O Departamento de Estado promoveu o desenvolvimento na Coreia do Sul e em Taiwan para limitar a hegemonia japonesa. À medida que Pequim surge como um produtor cada vez mais dinâmico e criativo, os governos dos EUA procuram recriar as políticas que tiveram sucesso em sufocar a ascensão tecnológica do Japão.
O atual capítulo de beligerância – que visa limitar, cercear e frustrar o desenvolvimento chinês – baseia-se, segundo as autoridades dos EUA, na necessidade de forjar uma “cadeia de abastecimento democrática de semicondutores”, um eufemismo que visa bloquear Pequim sob o pretexto de ser uma autocracia controlada pelo Partido Comunista. Neste quadro, Biden tem promovido controles e proibições para que Japão, Coreia do Sul e Taiwan interrompam as suas exportações para a China, gerando duros debates dentro das empresas que têm os seus clientes mais importantes no gigante asiático.
As empresas japonesas de semicondutores vendem quase um terço da sua produção a empresas chinesas. Em 2022, cerca de 40% das exportações coreanas de chips foram para o país governado por Xi Jinping. No entanto, o caso mais relevante é o de Taiwan, que Washington utiliza como recurso geopolítico para enfraquecer Pequim e desintegrar o seu território. Em Hsinchu e Taipei está localizada a matriz da Taiwan Semiconductor Manufacturing Company (TSMC), a corporação mais avançada do mundo na fabricação de chips, fundada na década de 1980 pelo engenheiro mecânico Morris Chang, formado na Harvard e no Massachusetts Institute of Technology (MIT) na década de 1950.
A TSMC é uma das dez empresas mais poderosas do mundo: exporta quase dois terços de todos os chips de alta tecnologia que medem entre 3 e 7 nanômetros. A sua capitalização de mercado atinge os 600 bilhões de dólares, o dobro do preço da Intel, a empresa americana mais valiosa. O governo dos EUA procura controlar e manipular a TSMC como ferramenta na sua ofensiva contra Pequim. Com esta tarefa, foi promovida a instalação de uma de suas fábricas em Phoenix, no Arizona, com um investimento de quase 53 bilhões de dólares. A referida instalação já está em funcionamento, mas as autoridades taiwanesas deixaram claras as repetidas dificuldades em empregar força de trabalho qualificada.
Por seu lado, os trabalhadores norte-americanos denunciaram a TSMC pelas suas exigências organizacionais e pela alegação da empresa de transferir cerca de 500 técnicos taiwaneses para Phoenix, dado que os custos de produção reportados no início de 2023 são cerca de 500 por cento mais onerosos do que na sua sede em Taiwan. Seu presidente, Morris Chang, anunciou no início deste ano a construção de uma fábrica no sul de Taiwan com um investimento de 60,7 bilhões de dólares, 50% mais do que o investido no Arizona, uma vez que seus clientes mais relevantes ainda estão instalados no Sudeste Asiático. Chang anunciou também que não pretende limitar a produção de microprocessadores básicos que industrializa em Nanquim, capital da província de Jiangsu, na China continental.
A hostilidade dos Estados Unidos contra a China é um dos diferentes campos de batalha em que se desenrola uma guerra híbrida que visa impedir a formação de um mundo multipolar com hegemonias dispersas e maior autonomia das soberanias nacionais.
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Guerra pelos microprocessadores entre Estados Unidos e China - Instituto Humanitas Unisinos - IHU