03 Agosto 2023
Teria sido uma típica manhã de verão na zona Oeste, com direito a chuva e tudo, não fossem as centenas de jovens que, pouco depois das nove, percorriam já as ruas de Torres Vedras em direção ao pavilhão da Expotorres. Ao vê-los passar, alguns locais, curiosos, perguntavam aos voluntários que lhes indicavam a direção: “Vão para Lisboa, receber o Papa?”. “Não, vão para a catequese”, esclarecia uma das jovens de camisola amarela. Só não explicou que aquela também não seria uma típica catequese: estava prestes a começar o primeiro de três “Rise up”. A expressão que, em português, significa “Erguer-se”, foi a escolhida para designar o novo modelo de catequeses da Jornada Mundial da Juventude, inaugurado esta quarta-feira, 2 de agosto, em Lisboa.
A reportagem é publicada por 7 Margens, 02-08-2023.
Eram 9h30 e já os dois mil peregrinos italianos que estão a ser acolhidos naquela cidade, a 50 km da capital, enchiam o grande pavilhão onde habitualmente se realizam as maiores feiras e exposições da região. Pouco depois de todos terem atravessado a porta em que uma faixa gigante dizia “Questa é la gioventú del Papa” (“Esta é a juventude do Papa”), soavam os primeiros acordes de Emmanuel, o hino da JMJ Roma 2000, e cantavam em uníssono o refrão, agitando as bandeiras do seu país e dioceses. Logo a seguir, a música dava lugar ao silêncio: iam escutar, não um bispo (como acontecia nas antigas catequeses), não um padre ou uma religiosa, mas um jovem leigo como eles.
Stefano Ghidini, 23 anos, estudante de Ciências Pedagógicas, subiu ao palco e tomou a palavra para falar aos restantes jovens leigos (e aos diversos padres e dois bispos italianos presentes) de um tema que, até há bem pouco tempo, também não era típico de uma catequese: a Ecologia Integral.
“Quase todos os que estamos aqui dizemo-nos cristãos, mas temos consciência de que isso implica que nos convertamos também ecologicamente?”, questionou o jovem peregrino vindo da diocese de Lodi. “Sim, fazer a reciclagem é importante, fechar a torneira enquanto lavo os dentes é muito bom, mas não devemos achar que, porque já fazemos tudo isso, chegámos à meta e podemos ficar tranquilos”, alertou. “Isso, para mim, não é a conversão. Numa verdadeira conversão, estamos sempre a caminho e nunca chegamos realmente”.
Todos o escutavam atentamente, o que – sejamos honestos – não é assim tão comum nas catequeses. “Precisamos de entender que o oxigênio que respiramos ou a comida que ingerimos não aparecem por magia, são-nos dados pelo planeta e pelas pessoas que nele habitam e não são garantidos”, continuava Stefano. “O nosso objetivo, como cristãos, é que todos possam desfrutar no bem comum. E isso depende diretamente das nossas decisões, das mais pequenas do dia a dia às grandes escolhas da vida”.
Consciente da importância de dar exemplos concretos, Stefano assinalou como a escolha do local onde se vive, da profissão que se exerce, dos alimentos que se ingerem e desperdiçam ou daquilo em que se gasta o dinheiro (roupas, gadgets, viagens) podem fazer a diferença no cuidado da “casa comum”. E depois comparou a pegada de carbono (total de emissões causadas, calculado em toneladas de CO2) de um jovem queniano, italiano e norte-americano. Em 2021, a média do primeiro era de 0,37, a do segundo de 5,55, e a do último de 14,6. “Como podemos resolver o problema, se todos acharem que o objetivo é sermos como os americanos?”, atirou.
Lembrando que a encíclica Laudato Si’ “foi escrita pelo Papa Francisco há oito anos, mas continua a ser atual”, Stefano citou-a: “deve-se manter claramente a consciência de que a mudança climática tem responsabilidades diversificadas e, como disseram os bispos dos Estados Unidos, é oportuno concentrar-se "especialmente sobre as necessidades dos pobres, fracos e vulneráveis, num debate muitas vezes dominado pelos interesses mais poderosos'”.
Estava dado o mote das reuniões em pequenos grupos que se seguiu na meia hora seguinte. Só no final um dos bispos – o de Trento, Lauro Tisi – tomou a palavra, para agradecer a participação dos jovens e incentivá-los a serem ecológicos. “O segredo é, em vez de simplesmente ocupar espaço, criar espaço… um espaço de acolhimento em que o outro não é um inimigo, um concorrente, mas sempre uma oportunidade, e em que os problemas não são apenas de um, mas de ambos”, explicou. “E não desistam de provocar a Igreja a ser cada vez mais ecológica”, acrescentou ainda.
Foi o que Stefano fez, e, no final, disse ao 7MARGENS estar feliz e grato pela oportunidade de partilhar com dois mil jovens as suas preocupações e anseios. Ele, que já tinha estado na JMJ Cracóvia 2016, viu neste novo modelo de catequeses “um progresso” e “um sinal de sinodalidade”. “É absolutamente importante esta novidade. Não há muitos anos, o normal era serem os bispos e os padres a fazerem tudo, mas os leigos têm de ser mais ativos, incluindo os jovens. Não podemos estar satisfeitos com uma Fé em que nós não somos os protagonistas”, concluiu.
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A JMJ em que um jovem deu catequese aos bispos e explicou que não há cristãos sem conversão ecológica - Instituto Humanitas Unisinos - IHU