20 Julho 2023
Enquanto em Bruxelas os 60 representantes da União Europeia e da CELAC teciam louvores à transição ecológica a que abriria caminho a cooperação birregional no campo do abastecimento de lítio e outras matérias-primas essenciais, a população da província argentina de Jujuy teria muito a dizer sobre os custos concretos dessa suposta transição verde.
A reportagem é de Claudia Fanti, publicada por Il Manifesto, 19-07-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Mais de um mês se passou desde o início da revolta dos povos indígenas e das organizações sociais, na última província da fronteira norte da Argentina, contra a reforma relâmpago da Constituição local encaminhada pelo governador Gerardo Morales e aprovado em menos de um mês – com os votos também do Peronismo – em 16 de junho último.
Uma reforma que, além de criminalizar o direito de protesto, impondo a proibição de bloqueios estradais e qualquer "alteração à livre circulação de pessoas", ignora a voz dos povos nativos contra a extração de lítio por multinacionais nas Salinas Grandes e da lagoa Guayatayoc, apesar da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho prever claramente a obrigação de “consulta prévia, livre e informada” sobre qualquer atividade que os afete.
E a partir da aprovação da reforma, a repressão, desencadeada com extrema violência já a partir do dia seguinte, só aumentou – sem conseguir deter os protestos – combinando-se com uma perseguição judicial que não está poupando ninguém: manifestantes, representantes dos povos indígenas, sindicalistas, professores, advogados.
"Tudo isso é pelo lítio", denunciam as comunidades indígenas em resistência contra o modelo extrativista perseguido pelo governador Morales, em plena disputa pelas primárias da direita em dupla com o chefe de governo de Buenos Aires Horacio Rodríguez Larreta, que o quis como seu vice.
Mas se para as comunidades a água vale mais que qualquer mineral, é fato que no chamado triângulo do lítio (entre Chile, Bolívia e Argentina), onde se concentram quase 65% das reservas mundiais, a extração do novo “ouro branco”, componente essencial das baterias dos veículos elétricos, ocorre através da evaporação da salmoura: um processo com altíssimo consumo de água que arrisca secar cursos fluviais e zonas húmidas.
Mas o lítio é uma tentação muito difícil de resistir, se for verdade que, diante do crescimento da demanda de tecnologias necessárias para a mitigação do clima, se prevê a produção global de minerais como grafite, lítio e cobalto aumente em até 500% até 2050. A ponto dos governos do Chile, Bolívia e Argentina, com o acréscimo do Brasil (sétimo no ranking mundial de produtores) chegaram a evocar a possibilidade de criação de uma espécie de "cartel" entre produtores, "uma espécie de OPEP do lítio", segundo as palavras recentemente proferidas pelo Presidente boliviano Luis Arce.
Enquanto isso, no entanto, Estados Unidos e China estão apostando no lítio. Novo capítulo da disputa entre as duas potências em solo latino-americano no qual, entretanto, a União Europeia agora também tenta entrar, como ficou claro na cúpula UE-CELAC.
A China apostou na Bolívia, país que, com 21 milhões de toneladas, detém a mais alta cota do mundo, contra 18,3 na Argentina e 9,6 no Chile: é aqui que, em janeiro passado, o presidente Luis Arce participou da assinatura de um acordo entre a empresa chinesa Catl, especializada na produção de baterias de íon-lítio para veículos elétricos, e a Yacimientos de Litio Bolivianos (YLB) para o desenvolvimento de dois complexos industriais para extração direta de lítio nas salinas de Uyuni e Coipasa.
Quanto aos Estados Unidos, a chefe do Comando Sul, Laura Richardson, que já havia sido muito clara ao identificar o lítio latino-americano como uma das prioridades estratégicas para os interesses estadunidenses, foi duas vezes ao Chile em menos de um ano, a última vez entre 18 e 21 de abril, justamente no momento em que Boric anunciava sua estratégia nacional para o lítio, na qual a extração do mineral só será possível por meio de parcerias público-privadas sob controle direto do Estado chileno. E justamente no momento em que Juan Gabriel Valdés, embaixador do Chile nos Estados Unidos, manifestava o desejo de investimentos de países ocidentais "com os quais compartilhamos valores", causando a irritação chinesa.
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Repressão, direitos indígenas pisoteados e rios secos: “É tudo pelo lítio” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU