06 Junho 2023
Sempre pensamos erroneamente que as mulheres na Bíblia desempenham um papel marginal. Nada poderia estar mais errado, porque elas representam o grande pano de fundo dentro do qual a história da salvação realmente se torna possível.
A reportagem é de Sant’Alessandro, 25-03-2023. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Quem fala sobre isso é o Pe. Luigi Maria Epicoco, filósofo e teólogo, um dos mais apreciados autores de espiritualidade, professor de Filosofia na Pontifícia Universidade Lateranense e no ISSR “Fides et Ratio”, de L’Aquila, do qual também é reitor, no livro “Le affidabili. Storie di donne nella Bibbia” [As confiáveis. Histórias de mulheres na Bíblia] (Tau Editrice 2023, 132 páginas).
O texto reúne algumas reflexões que o Pe. Epicoco, assistente eclesiástico do Dicastério para a Comunicação, por nós entrevistado, ao longo dos últimos anos, soube dedicar a algumas personagens femininas entre o Antigo e o Novo Testamento.
Por que motivo a confiabilidade é a característica mais comum das mulheres presentes na Bíblia?
Porque é a característica que as mulheres têm em comum, pois, ao contrário dos homens, elas parecem conseguir permanecer dentro das relações mesmo quando começam a se tornar cansativas e não conviria permanecer mais em tal relação. Em toda a Bíblia, as mulheres nunca dão um passo atrás em relação às histórias contadas. Nesse sentido, elas são mais confiáveis do que os homens.
Você dedicou o livro “a Maria de Nazaré, a mais confiável entre todas as criaturas”. Pode nos falar sobre isso?
Pareceu-me justo dizer que Maria é a bendita entre todas as mulheres e é a mais confiável. Justamente para voltar ao que eu dizia antes, Maria sabe permanecer em uma relação mesmo nas situações difíceis. Por exemplo, debaixo da Cruz, todos os discípulos fogem, mas Maria permanece ali, debaixo da Cruz de seu Filho. Esse é o testemunho de que, mesmo depois dos fatos da Paixão e da Ressurreição, Maria é aquela que reúne os pedaços da primeira comunidade cristã. No Cenáculo, é Maria quem reúne os discípulos e os prepara para o dom do Pentecostes.
O que a história da adúltera e a da samaritana nos ensinam?
Em primeiro lugar, que nunca somos os nossos pecados e nunca somos os rótulos que os outros colocam sobre nós. Jesus tem a capacidade de saber escavar por trás dos preconceitos e dos pecados dessas pessoas e as restaura em sua dignidade. Mas também é verdade que Jesus encontra do outro lado pessoas que se deixam alcançar por essa relação, por esse vínculo. É como se tanto a adúltera quanto a samaritana tivessem um desejo de vida espiritual não expressado, que Jesus intercepta e desperta em cada uma delas.
Pode resumir brevemente a figura de Judite, muito mais conhecida pela história da arte do que pela sua história bíblica?
Judite é uma daquelas personagens que talvez nós possamos considerar menores, simplesmente porque não tiveram muito espaço na pregação cristã. Em vez disso, ao contrário de seus contemporâneos que eram tomados pelo pânico de um cerco de guerra, Judite consegue com astúcia, criatividade e com uma obstinação tipicamente feminina confiar em Deus contra tudo e todos. Conseguindo finalmente trazer uma vitória para seu povo, que deve reconhecer que encontrou a vitória graças a uma mulher, e não por meio de um general ou de um capitão.
Fala-se muito sobre o papel que as mulheres devem ter na Igreja, mas não pensamos que a contribuição delas já é bastante evidente em toda a sua história, a começar pelas muitas santas que foram figuras-chave em passagens históricas difíceis. O que você pensa sobre isso?
A grande polêmica sobre o papel das mulheres na Igreja me incomoda muito, porque é como se tivéssemos que dar espaço para aquelas que têm todo o direito de considerar que já têm esse espaço e o conquistaram por meio dessa confiabilidade de que eu falava antes. No livro, eu usei uma imagem. No fundo, quando olhamos para um quadro, somos atraídos pelas figuras que estão na primeira fila, mas na realidade essas figuras só são compreensíveis porque há um pano de fundo às suas costas, que dá significado aos personagens da primeira fila. Pois bem, as mulheres são o grande pano de fundo de sentido dentro do qual nenhum personagem que está na primeira fila poderia encontrar significado, senão por meio delas. Atrás dos grandes homens da Bíblia, sempre há grandes mulheres.
Na Igreja, os acontecimentos mais importantes sempre tiveram figuras sábias como pano de fundo. Santa Clara, Santa Catarina de Siena... Esquecemos que, durante o cativeiro de Avignon, foi justamente Santa Catarina quem “obrigou” o Papa Gregório XI a voltar para Roma. O amor que essa mulher tinha pela Igreja provocou uma revolução dentro da própria Igreja. No século XVI, em plena Inquisição, uma grande mulher, Santa Teresa d’Ávila, reformou a Ordem Carmelita, repensando a vida espiritual do zero. São todas mulheres que, em cada século e em cada época histórica, deixaram uma marca que condicionou fortemente a vida da Igreja. Portanto, não somos nós que temos que dar um papel às mulheres, mas devemos reconhecer lealmente que elas já têm esse papel. E não permitir que elas recuem em relação a isso.
É verdade que sua vida sacerdotal está repleta de figuras femininas confiáveis e essenciais?
Absolutamente sim, a começar pelas minhas avós, pela minha mãe e pelas minhas irmãs. Toda a minha vida sacerdotal foi marcada por figuras femininas, que me humanizaram, me ajudaram a ser fiel às coisas, a voltar ao essencial. Sobretudo nos momentos de grande fadiga, sempre encontrei nelas um forte apoio para poder recomeçar.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
As mulheres da Bíblia? Muito “confiáveis” e “capazes de permanecer mesmo em situações difíceis”. Entrevista com Luigi Maria Epicoco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU