17 Agosto 2018
“No futuro próximo, a Igreja universal deverá avaliar e discernir à luz do Espírito Santo qual papel e, acima de tudo, qual consideração deve atribuir às mulheres discípulas do único mestre e senhor. Se o ministério da ordem é considerado exclusivo dos apóstolos, o que reservamos para os discípulos e, particularmente, para as discípulas?”
A opinião é de Beatrice Rizzato, doutoranda em Teologia Espiritual na Faculdade Teológica do Triveneto, na Itália, em artigo publicado na revista Confronti, de julho-agosto de 2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Sabe-se que é difícil mudar as tradições milenares, mas duas breves notas ao artigo de Dom Ladaria Ferrer são oportunas. A Igreja Católica reitera a definitividade, através das palavras do atual prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, do pronunciamento do Papa Wojtyla de 1994, feito no dia da memória de Santa Rita (mulher casada e mãe), que, apelando-se à Traditio, sancionou – na Ordinatio sacerdotalis – a impossibilidade de estender a ordem sacerdotal às mulheres.
De fato, a Igreja – afirma ele –exclui desde o início toda referência a um ministério da Ordem aberto às mulheres. Tudo verdade, se lermos a história em favor da única interpretação considerada legítima pela Igreja. No entanto...
Primeira objeção: a tradição eclesial se fundamenta no testemunho apostólico e nos Evangelhos. Os escritos canônicos e ainda mais os apócrifos falam das mulheres que estão no seguimento de Jesus durante o seu ministério e, após a ressurreição, são encarregadas por ele mesmo de anunciar a boa notícia.
Sem recorrer aos Evangelhos gnósticos, que falam do papel fundamental de Madalena dentro das primeiras comunidades cristãs, é preciso se perguntar onde foi enterrada nos séculos aquela tradição que vê as duas Marias (a Mãe e Madalena) junto com o apóstolo João debaixo da cruz, primeiro, e em Anatólia depois.
Se o princípio da tradição vale sempre e em todo o caso, qual é o papel reconhecido a essas mulheres ao longo dos séculos? E onde se perdeu o ministério das diaconisas, de que falam Paulo (Romanos 16, 1) e, mais tarde, também João Damasceno (†749)?
Basta apenas dizer, para responder, que a Igreja hierárquica, tradicionalmente, foi sempre e apenas masculina, e ressaltar que ela dificilmente conseguiu ir além do imaginário de um feminino virgem e santo a ser protegido em cima da cama ou, na melhor das hipóteses, a ser levado em procissão; é o espaço celeste e não encarnado no qual o feminino foi frequentemente trancado.
Mas a Igreja também é terrena, afirmou o Concílio Vaticano II, e se manter um low profile era apropriado à natureza unicamente materna reconhecida à mulher medieval, que sempre permanecia em uma ordem subalterna ao gênio masculino, essa posição hoje não se sustenta mais diante do feminino que se pensa e se sente emancipado e que reivindica esse seu status dentro da Igreja.
Segunda objeção: não é absolutamente verdade que Jesus, durante a última ceia, falou e comungou apenas com os Apóstolos e, portanto, transmitiu apenas a eles o encargo do memorial e do lava-pés. É claro que os Doze estavam todos na ceia (também foi a última ceia para Judas) e eles eram os escolhidos para ajudar no ministério público de Jesus; no entanto, os Evangelhos sinóticos e o quarto Evangelho falam, todos os quatro, de discípulos, mathétai, não apenas de Apóstolos.
Os discípulos perguntam a Jesus onde devem preparar a Páscoa, e os Doze (em Mateus e Marcos) e os Apóstolos (em Lucas) se sentam à mesa com Ele. E sabemos que, entre os discípulos que seguem Jesus, há muito mais do que 12. Portanto, por que o primeiro Evangelho, o da Igreja de Mateus (26, 17-30) e os outros evangelistas tiveram que escrever “discípulos” e não “apóstolos”?
Podemos, talvez, levantar a hipótese de que também estavam junto deles a sua mãe e as outras discípulas que os seguiam e outros discípulos que não eram apóstolos? Por outro lado, se algumas mulheres estavam entre os discípulos no seguimento de Jesus, por que não deveriam ter participado da festa mais importante do ano para os judeus, a Páscoa?
Eis, portanto, que, entre os apóstolos (enviados) e os discípulos (aqueles que creem e seguem a Jesus), haveria uma abertura significativa para aqueles que, como a mulher, até agora não foram considerados. Se, naquela ceia, instituiu-se o maior sacramento do amor cristão, como é possível considerá-lo um mandato exclusivo apenas para o gênero masculino?
No futuro próximo, a Igreja universal deverá avaliar e discernir à luz do Espírito Santo qual papel e, acima de tudo, qual consideração deve atribuir às mulheres discípulas do único mestre e senhor. Se o ministério da ordem é considerado exclusivo dos apóstolos, o que reservamos para os discípulos e, particularmente, para as discípulas?
No Evangelho (Jo 13, 16), está escrito com extrema clareza: um servo não é maior do que o seu senhor, e um Apóstolo não é maior do que aquele que o enviou. A mesma dignidade entre seres humanos de que gozamos perante o Criador não pode ser obscurecida por ninguém, porque ela se conforma à mais alta palavra do Mestre.
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Arame farpado ao redor da mulher-padre - Instituto Humanitas Unisinos - IHU