26 Mai 2023
Tenente-coronel Zucco recebeu doação do fazendeiro Bruno Pires Xavier, condenado por manter 23 trabalhadores em condições degradantes em Mato Grosso; ele é apoiado pela Farsul, que minimizou trabalho escravo em vinícolas e quer punições mais brandas para trabalho infantil.
A reportagem é de Katarina Moraes, Bruno Stankevicius Bassi e Tonsk Fialho, publicada por De Olho nos Ruralistas, 24-05-2023.
Antes de ser escolhido para presidir a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o deputado Tenente-coronel Zucco (Republicanos-RS) era uma figura desconhecida na política nacional. Eleito em 2022 com apoio do movimento armamentista Proarmas — na mesma chapa do ex-vice-presidente e atual senador Hamilton Mourão —, o militar gaúcho havia estreado na política quatro anos antes, ao conquistar uma vaga no legislativo estadual em 2018.
Amizade com Bolsonaro garantiu acesso de Zucco aos agronegócio gaúcho.
(Foto: Divulgação | De Olho nos Ruralistas)
Ex-chefe de segurança de Lula e Dilma, Luciano Zucco foi o deputado estadual mais votado no Rio Grande do Sul, em grande parte pelo engajamento direto de Mourão e de Jair Bolsonaro — com quem acompanhou a apuração de 2018, em sua casa no Rio de Janeiro. Mas sua ascensão política também contou com um personagem mais obscuro.
Um dos principais financiadores de Zucco naquele ano foi Bruno Pires Xavier. Segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o fazendeiro doou R$ 10 mil para a campanha do militar. Dona do Frigorífico Quatro Marcos, a família Xavier é alvo de diversas denúncias de crimes ambientais e trabalhistas. Ao todo, 324 trabalhadores foram resgatados de condições análogas à escravidão em imóveis rurais do grupo, durante cinco operações do Ministério Público do Trabalho (MPT).
Na Câmara, Zucco tenta honrar os compromissos com seus fiadores políticos. Em março de 2023, em meio ao escândalo de trabalho escravo nas vinícolas gaúchas, Zucco votou a favor da tramitação de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que visa extinguir o MPT e a Justiça do Trabalho no Brasil. De autoria do “príncipe” Luiz Philippe de Orléans e Bragança (PL-SP), o projeto contava com 66 assinaturas.
O projeto envolveu também a Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul (Farsul), aliada de primeira hora do deputado bolsonarista.
Confira abaixo, em vídeo, quem são os parlamentares que, junto do presidente da CPI do MST, compõem a “bancada do trabalho escravo”:
Em 2017, o Ministério Público do Trabalho (MPT) flagrou 23 trabalhadores em condições análogas à escravidão na fazenda Santa Laura Vicuña/Fazendas Reunidas, no município Nova Santa Helena, a 600 km de Cuiabá. Tratava-se de uma reincidência.
Fundado pelo paranaense Sebastião Bueno Xavier, o Grupo Quatro Marcos fizera parte da “lista suja” do trabalho escravo outras duas vezes, após o resgate de trabalhadores em outra unidade da empresa, na Fazenda Santa Luzia, em Nova Bandeirante (MT). Na relação, foram incluídos os nomes de Rosana Sorge Xavier e Sebastião Douglas Sorge Xavier — filhos de Bueno, como era conhecido.
Trabalhadores resgatados na Fazenda Santa Laura Vicuña/Reunidas, em 2017.
(Foto: Ascom | MPT)
Após seu falecimento, em março de 2016, Bueno Xavier foi homenageado pelo então senador Blairo Maggi que, durante seu período como governador, chegou a participar da inauguração de uma das plantas do grupo.
No ano seguinte à última autuação trabalhista, uma ação civil pública pediu a condenação de sete parentes e sócios do Grupo Quatro Marcos ao pagamento de indenização de R$ 100 milhões por danos morais coletivos — entre eles, Bruno Pires Xavier, financiador de Luciano Zucco em 2018.
O processo atingia outras três empresas da família: a Agropecuária Princesa do Aripuanã Ltda, a SSB-Administração e Participações Ltda e a BX Empreendimentos e Participações. Pela reincidência do crime, o MPT pediu que a fazenda e os imóveis do clã Xavier fossem expropriados sem qualquer indenização aos donos e sem prejuízo das demais sanções administrativas, civis e penais cabíveis.
Em 2018, o grupo foi condenado pela Justiça do Trabalho a pagar uma indenização de R$ 6 milhões por danos morais coletivos. O pedido de expropriação para fins de reforma agrária foi enviado à Advocacia Geral da União (AGU) e ao Ministério do Desenvolvimento Agrário e Desenvolvimento Social, que seria extinto no ano seguinte por Bolsonaro, travando o processo.
Em 2022, o Tribunal Regional do Trabalho da 23ª Região (TRT-23) reformou a sentença, descaracterizando a classificação como trabalho análogo a escravidão — o que elimina a chance de expropriação — e reduzindo a indenização para R$ 160 mil, além de limitar a responsabilização pelas irregularidades à empresa Santa Laura Vicuña – Fazendas Reunidas Ltda. Cabe recurso ao MPT.
O desrespeito se estende também ao ambiente: em 2008, Rosana foi apontada, em ranking do Ministério do Meio Ambiente (MMA), como a a segunda pessoa física que mais desmatou no país, com mais de 9 mil hectares de floresta derrubadas — o equivalente a metade da área urbana de Cuiabá. No ano passado, a família voltou a figurar em relatórios de desmatamento, desta vez através da Brusqui Agropecuária, segundo dados da Aidenvironment.
O financiamento de campanha não é a única ponta que liga Luciano Zucco ao universo agrário e a violações trabalhistas. Durante a campanha para a Câmara, em 2022, o representante da “bancada da bala” se aproximou da ala ruralista através da Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul (Farsul).
Autor do requerimento da CPI do MST promoveu live com presidente da Farsul.
(Imagem: Divulgação | De Olho nos Ruralistas)
A relação teve início ainda em 2019, graças à proximidade de Zucco com Jair Bolsonaro. Em 2021, em meio à pandemia de Covid-19, o militar participou da comitiva do ex-presidente à feira Expointer, em Esteio (RS), onde Bolsonaro recebeu a Medalha do Mérito Farroupilha.
Em 2020, quando Zucco ainda era deputado estadual, a Farsul emitiu uma nota conjunta com outras entidades patronais atacando um projeto da deputada Luciana Genro (PSOL-RS) que previa impedir as atividades de empresas flagradas com trabalho infantil. Segundo o empresariado gaúcho, a punição traria reflexos negativos para o “ambiente de negócios”. O projeto foi rejeitado pela Assembleia Legislativa, por 20 votos contrários contra 14 favoráveis. Zucco se absteve.
Em 2023, em 03 de abril, Zucco participou de um encontro dos parlamentares gaúchos na sede da Farsul. Ali, os dirigentes da federação demonstraram apoio total ao requerimento para instalação da CPI do MST e pediram urgência na votação do Projeto de Lei (PL) 490/2009, do Marco Temporal.
No mesmo evento, o diretor da Comissão de Assuntos Jurídicos da entidade, Nestor Hein, pediu aos deputados e senadores que apressassem a flexibilização da NR 31, do Ministério do Trabalho, que estabelece as normas de segurança e saúde para trabalhadores rurais, incluindo as condições de alojamento e alimentação.
Um mês antes, Hein se notabilizou por sair em defesa de arrozeiros de Uruguaiana (RS), flagrados com mão de obra escrava. Em entrevista à Rádio Gaúcha, o diretor da Farsul negou a existência de condições degradantes e atribuiu a denúncia à “lacração” nas redes sociais.
Ainda em março, o presidente da federação, Gedeão Pereira, justificou o resgate de 207 trabalhadores em alojamentos precários de empresas ligadas às vinícolas Aurora, Garibaldi e Salton pela “falta de mão de obra”. Uma semana depois da declaração, ele reafirmou a defesa aos produtores de vinho gaúchos durante uma livre promovida pelo próprio tenente-coronel Zucco, intitulada “MST: Movimento Social ou Organização Criminosa?”. O encontro virtual ocorreu três dias antes do gaúcho protocolar o pedido para criação da CPI.
Durante a live, Zucco convidou Pedro Pôncio, um suposto ex-integrante do MST, adiantando que deverá convidá-lo a depor na CPI. Figura frequente nas redes bolsonaristas, Pôncio afirma ter crescido em um assentamento do MST no Mato Grosso do Sul. O jovem chegou a gravar um vídeo ao lado de Jair Bolsonaro, elogiando o programa Titula Brasil, que estaria salvando famílias “escravizadas pelo PT”. A Direção Nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) afirma que Pôncio nunca pertenceu ao movimento.
Em 2022, De Olho nos Ruralistas mostrou que, durante o governo Bolsonaro, a Farsul passou a comandar as indicações políticas para a superintendência do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) no Rio Grande do Sul. Com apoio do senador Luis Carlos Heinze (PP-RS) e do deputado Alceu Moreira (MDB-RS), tomou posse como superintendente regional, em junho de 2019, o médico veterinário Tarso Teixeira, um opositor histórico da reforma agrária no estado.
Suplente na CPI do MST, Alceu Moreira referendou indicações da Farsul ao Incra-RS.
(Foto: Divulgação | De Olho nos Ruralistas)
Vice-presidente da Farsul à época, Teixeira anunciou que passaria um “pente-fino” nos assentamentos gaúchos, que ocupam cerca de 294 mil hectares, distribuídos por 98 municípios. Tanto Moreira como Heinze presidiram a Frente Parlamentar da Agropecuária — fiadora da indicação de Luciano Zucco à presidência da CPI do MST — e são defensores de um modelo individualizado de “regularização fundiária”, com o fim de isolar os movimentos de luta pela terra. Alceu Moreira também é membro da CPI do MST, como suplente.
Em 2021, Heinze atuou junto à Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA) do Senado para a aprovação de emendas ao Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2022, destinando recursos ao Incra para a regularização fundiária e consolidação de assentamentos. Moreira apoia a ampliação das medidas relacionadas à regularização fundiária, tendo sido um dos principais negociadores por trás do Projeto de Lei (PL) nº 2633/2020, apelidado de PL da Grilagem.
Teixeira faleceu de Covid em janeiro de 2021, sendo homenageado tanto por Moreira como por Heinze. Quatro meses após sua morte, foi nomeado um novo superintendente, o servidor aposentado do Banco do Brasil Gilmar Tietböhl Rodrigues, ligado à Farsul há pelo menos vinte anos. Sua relação com Heinze é também partidária: em 2006, ele foi candidato a deputado federal pelo antigo PP, hoje Progressistas, mesmo partido do senador.
Durante a cerimônia de posse na superintendência regional do estado, Rodrigues afirmou que o foco principal de sua gestão era incrementar a entrega de títulos definitivos de propriedade aos assentados, “atingindo o maior número possível de beneficiários”. Ele enfatizou esse item como uma importante diretriz do Incra e da gestão de seu antecessor, Tarso Teixeira. Rodrigues foi secretário de Agricultura do Rio Grande do Sul em 2010 e superintendente estadual do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar).
Confira mais detalhes sobre o uso político do Incra-RS no dossiê “Incra Vira Máquina de Votos”.
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Condenado por trabalho escravo financiou presidente da CPI do MST - Instituto Humanitas Unisinos - IHU