11 Mai 2023
"Em todo caso, os tradicionalistas, aos quais não faltarão cuidados institucionais, não voltarão ao centro da atenção eclesial. Se tivessem aceitado a oferta de Bento XVI de uma prelazia pessoal e o 'preâmbulo doutrinário' em 2012, a solução do 'cisma' teria condicionado o conclave subsequente. A recusa mostrou, com muitos outros elementos, a impermeabilidade de uma hermenêutica defensiva do Vaticano II, propiciando a eleição de Francisco", escreve Lorenzo Prezzi, teólogo italiano e padre dehoniano, em artigo publicado por Settimana News, 10-05-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Após a exclusão do bispo Richard Williamson (2012), a Fraternidade São Pio X encontrou seu quarto bispo? Ao lado dos três ordenados por D. Marcel Lefebvre (1988) – Bernard Fellay, Bernard Tissier de Mallerais e Alfonso de Galarreta – apresentar-se-á o bispo emérito de Chur, Suíça, Vito Huonder?
É a legítima pergunta que surge depois das duras críticas de Huonder ao rumo atual da Igreja e seu pleno compartilhamento das orientações expressas, na época, por D. Lefebvre.
Em vídeo, em dois episódios, exibido pelo canal Certamen, o octogenário bispo emérito oferece uma retractatio, uma "nova avaliação da situação da fé desde o Concílio até hoje".
Ao término de seu ministério (2019), a convite do então prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, card. Gerhard Müller, Huonder retirou-se para uma escola da Fraternidade (Wangs) com o objetivo de manter o diálogo aberto em vista de um possível reconhecimento canônico.
Quatro anos depois, o efeito parece ser de plena pertença ao tradicionalismo lefebvriano.
No vídeo, ele afirma ter aprofundado as questões teológicas levantadas pela Fraternidade, tendo que concluir sobre o abandono da tradição pela Igreja. Seu sinal é o novo rito da celebração litúrgica e da Eucaristia em particular: "Foi extremamente mudado, com uma teologia da Missa igualmente mudada".
Sendo a liturgia a forma pela qual se exprime a fé, “não pode ser modificada na sua substância e muito menos pode ser proibida”. O concílio impôs aos fiéis reformas totalmente questionáveis (diálogo ecumênico, liberdade de consciência, legitimidade das religiões), faltando de pietas, estima e respeito pela doutrina e pela moral tradicionais.
Em uma panorâmica sobre os papas de sua vida, Huonder faz grandes elogios a Pio XII e a João XXIII. Considera Paulo VI um conservador com demasiados amigos liberais e progressistas. É dele a introdução da nova liturgia ("Nas últimas décadas, nada levou à dissolução da unidade da Igreja tanto quanto a nova ordo litúrgica").
João Paulo II seguiu o mesmo caminho com o Catecismo e o Código de Direito Canônico e provocou um enorme choque com o encontro das religiões em Assis (1986). Bento XVI tentou conter os danos restituindo legitimidade à tradicional liturgia romana (Summorum pontificum, 2007) e revogando “a injusta excomunhão de D. Lefebvre e os bispos da Fraternidade".
Mas o desastre vem com o Papa Francisco. Podemos chamar seu pontificado, como está se delineando até agora, um pontificado de ruptura. A ruptura da Tradição. Isso traduz-se no fato de nunca cessar de reprimir a Tradição e os fiéis a ela ligados.
Por outro lado, pratica atos que vão claramente contra a Tradição (por exemplo, atos de culto sincréticos, como no Canadá). Essa vontade de ruptura manifesta-se em particular nas duas cartas apostólicas Traditionis custodes (16 de julho de 2021) e Desiderio desideravi (29 de junho de 2022). Com essas cartas, o papa quer erradicar a liturgia romana tradicional. Ele também se mostra um ardoroso defensor da chamada religião universal. Para muitos fiéis, isso é um obstáculo.
Finalmente, no que diz respeito à Fraternidade, foi importante a sua decisão sobre a jurisdição da confissão e sobre o poder de celebrar os matrimônios”. Atesta compartilhar com Lefebvre a aceitação do concílio "no sentido da tradição" e, como ele, afirma que a raiz da gravíssima crise da Igreja atual está em ter sucumbido às instâncias modernistas a que o Papa Pio X havia ferozmente se oposto.
Considerado tradicionalista já como bispo, com as posições atuais parece ter abraçado plenamente as referências da Fraternidade. Nos últimos meses, dentro dela vem sendo debatida a possibilidade de uma quarta ordenação episcopal, após a saída de Williamson, acusado de desobediência.
Problema, o das ordenações episcopais, que, na galáxia dos movimentos em torno da Fraternidade, é facilmente superado. Williamson já ordenou quatro. A Fraternidade São Pio V outros quatro e, no instituto Mater boni consilii, mais três.
O comportamento da Fraternidade a esse respeito é diferente. Entende-se, portanto, a atenção dispensada a Huonder que, no início, era malvisto por aqueles que o consideravam um “lobo no rebanho”, uma cabeça de ponte para condicionar a Fraternidade. Mas, aos poucos, especialmente no âmbito linguístico alemão, ele foi chamado para celebrações, crismas e ordenações.
Dentro da Fraternidade, alguns acreditam que suas últimas falas lhe foram sugeridas para uma aceitação plena de sua figura. Muito útil agora, devido à possível ordenação.
As de 1988 foram indicadas por D. Lefevbre, uma figura indiscutível para os tradicionalistas. Agora seria decidida pelo superior geral, um simples padre, dom Davide Pagliarani, juntamente com os outros três bispos. Ter um quarto com todas as consagrações da pertença católica é considerado uma vantagem. Mesmo que, após a remissão da excomunhão, a sua ordenação seja considerada válida, fica em questão a legitimidade do seu apostolado. Não é assim para Huonder, que poderia operar também nos grupos que se referiam à comissão Ecclesia Dei (agora dentro do dicastério da doutrina da fé).
Em todo caso, os tradicionalistas, aos quais não faltarão cuidados institucionais, não voltarão ao centro da atenção eclesial. Se tivessem aceitado a oferta de Bento XVI de uma prelazia pessoal e o "preâmbulo doutrinário" em 2012, a solução do "cisma" teria condicionado o conclave subsequente. A recusa mostrou, com muitos outros elementos, a impermeabilidade de uma hermenêutica defensiva do Vaticano II, propiciando a eleição de Francisco.
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Lefebvrianos: o quarto bispo. Artigo de Lorenzo Prezzi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU