Clima. A que serviu o último alarme?

(Foto: Kelly Sikkema | Unsplash)

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24 Abril 2023

Mais uma vez foi ressaltado o risco que a espécie humana corre devido ao aquecimento global. O alarme lançado pelo secretário da ONU foi claro, mas recebeu pouca atenção.

O artigo é de Vittorio Marletto, publicado por Il Mulino, 20-04-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.

Eis o artigo.

Quem, digamos no dia 24 de março, consultou os sites dos principais jornais italianos encontrou, infelizmente além de algumas atualizações sobre a guerra na Ucrânia, especialmente notícias gerais, algumas atualidades, as queixas sobre insetos nos alimentos e pouco mais. No entanto, no dia 20 de março, a ONU soltou o enésimo alarme sobre o estado de saúde do nosso planeta e as responsabilidades do homem. Nas palavras do secretário-geral Guterres, "a humanidade deve enfrentar uma verdade difícil: a mudança climática está tornando o nosso planeta inabitável [...] , Enquanto os Países rumam a ultrapassar o limite de + 1,5. oC, a mudança climática está intensificando as ondas de calor, as secas, as inundações, os incêndios e as carestias, ao mesmo tempo que ameaça submergir os Países e cidades mais baixas no nível do mar e levar mais espécies à extinção”.

Palavras que têm, infelizmente, cada vez mais consequências. Aqui na Itália estamos, em meados de abril, em plena crise hídrica em algumas importantes regiões subalpinas, enquanto se reclama sobre aquedutos a serem reparados, mar a ser dessalinizado, bacias a serem escavadas, barragens móveis a serem fechadas em Veneza: tudo de forma muito solta, pela pressão de alguma matéria televisiva ou do dia mundial da água. O deputado Angelo Bonelli traz ao Parlamento pedras que recolheu ao caminhar no leito do rio Adige, onde em março costuma haver dois metros de água; mas o chefe do governo apenas ri e tudo degenera em polêmica e gritaria.

Em uma escala mais ampla, assistimos consternados no verão passado à maior enchente já registrada no Paquistão, com mais de 1.700 mortos, 2 milhões de deslocados e imensas áreas agrícolas destruídas (85 mil km quadrados, uma área igual a todo o Vale do Pó). No mesmo período acontecia na China a mais forte onda de calor que possivelmente já ocorreu no mundo, com temperaturas recordes (até 45 graus) e uma extrema estiagem na colossal bacia do Yangtze. Também na Itália, 2022 foi de longe o ano mais quente já registrado, confirmando uma tendência inquietante que começou na década de 1980, tendência que piorou significativamente com o novo século.

Dito tudo isso, o que deveria ser feito para evitar que a situação degenere e se torne completamente irreversível, ou seja, tornando o nosso planeta (e, portanto, também a Itália) inabitável? Os cientistas sabem que essa crise foi desencadeada pelos enormes consumos de energia fóssil que, principalmente a partir do segundo pós-guerra, acompanharam o vertiginoso crescimento econômico do planeta. De fato, a queima de carvão, petróleo e gás gera três quartos das emissões que alteram o clima. Os cientistas sabem que essas emissões devem parar de crescer, ou melhor, devem cair imediata e vertiginosamente. No entanto, isso não acontece. Basta pensar que a pandemia de 2020 gerou uma diminuição mínima nas emissões de CO2, que foram imediatamente recuperadas a partir do ano seguinte.

Como muitos já devem saber, com base em alguns dados e não em especulações, a chave para interromper a corrida pelas emissões e pelo aquecimento global está no uso de energia renovável, em particular aquela solar e eólica. Como resulta explicitamente do texto (e dos gráficos que o acompanham) do relatório de síntese sobre o clima elaborado pelo IPCC (o comité científico da ONU que há mais de trinta anos estuda e prevê as alterações climáticas), divulgado por Guterres. Mas, como destaca o Relatório Irena recém-divulgado (abril de 2023), seriam necessárias instalações gigantescas para permitir reduzir o uso de combustíveis fósseis na geração de eletricidade, responsável sozinha por um quarto das emissões, e substituir o petróleo usado para os meios de transporte, responsável por mais um quarto abundante das emissões, com a energia renovável de emissão zero.

Ao mesmo tempo, no entanto, deveriam ser interrompidos os desmatamentos selvagens que caracterizaram os últimos trinta anos na Amazônia e na Indonésia, apenas para sinalizar os casos mais graves, enquanto a agricultura deveria se esforçar para absorver carbono em vez de emiti-lo: agricultura de conservação e cultivo mínimo são as palavras-chave da nova agronomia amiga do clima.

No entanto, há dez anos na Itália as energias renováveis estão quase paradas: 3.000 megawatts de novos sistemas fotovoltaicos instalados em 2022, enquanto pelo menos 10.000 seriam necessários todos os anos para atender as metas europeias, que preveem uma enorme quantia (42,5%) de energia renovável até 2030, com objetivos específicos também para residências, indústrias e transportes (de acordo com as disposições da Diretriz Red III). Tudo isso enquanto todo projeto de estrutura eólica encontra todos os tipos de oposição possíveis (em Taranto, 14 anos após a proposta inicial, o primeiro parque eólico marítimo italiano foi finalmente construído no ano passado).

A invasão da Ucrânia expôs a colossal dependência da Itália em relação à energia da Rússia, não apenas no gás, mas também no carvão e petróleo. A reação do governo Draghi não foi uma virada poderosa em direção às energias renováveis e à produção elétrica, como havia sido sugerido pelo grupo científico Energia per l’Italia, mas a corrida para encontrar mais gás na África e no resto do mundo (novos campos, gasodutos e gás liquefeito para regaseificar nos nossos portos) e a utilização maciça de carvão e óleo na produção de eletricidade, resultando em um aumento nas emissões de CO2.

A corrida pelo gás também continuou com o governo Meloni, que, aliás, também se opôs às propostas europeias de abolição dos motores de combustão interna a partir de 2035. A transição para os motores elétricos é naturalmente inevitável e crucial para se obter a redução das emissões nos transportes, que perfazem um quarto do total. E também para melhorar a qualidade do ar que respiramos e, consequentemente, a saúde, como demonstram as análises científicas recentes relativas à Califórnia, onde o transporte movido por motor elétrico existe há pelo menos dez anos. Sobre o clima as informações chegam apenas de vez em quando, encaixotadas em complexos relatórios técnicos que dão origem a uma breve e efêmera onda de comentários.

Resumindo, retomando a mensagem da ONU e parafraseando-a: se não mudarmos tudo hoje, jogaremos tudo amanhã, e temos que fazer isso bem rápido. Então, por que um alarme desse tipo, que exigiria a ativação de um estado de crise, não foi acolhido pelos principais meios de comunicação italianos? A questão diz respeito à forma e ao método pelo qual são divulgados os dados e indicadores relacionados ao clima. Se nos interessamos por esporte, estão disponíveis diariamente os rankings dos vários torneios e informações atualizadíssimas sobre as equipes e os atletas; se nos preocupamos com poupança e finanças, encontramos valores de mercado de ações e preços de commodities em todos os lugares. Ao contrário, para o clima (e em geral para o meio ambiente) as informações chegam apenas de vem em quando, encaixotadas em complexos relatórios técnicos que dão origem a uma breve onda de matérias jornalísticas que depois encalham e desaparecem sob a pressão das atualidades que enchem jornais e sites (sobre a crise climática na mídia italiana se pode ler esse relatório com base nos dados do Observatório de Pavia). Isso acontece em particular desde que está em atividade o IPCC, estrutura científica cooperativa global sob a égide da ONU, que de fato produz relatórios técnicos volumosos com lentidão solene a cada 5 ou 6 anos, mas que não fornece nada semelhante a um indicador atualizado em continuidade, que informe à mídia todos os dias para onde estamos indo e a que distância estamos do objetivo, possivelmente desagregando os dados por país e setor.

Há tentativas de fornecer informações atualizadas com certa continuidade: por exemplo, o site Climate Action Tracker fornece uma estimativa do aquecimento previsível com base nas ações positivas efetivamente em andamento no mundo (não há dados para a Itália porque o site analisa toda a União Europeia como um único bloco). No que diz respeito aos danos causados pelo novo clima, pode-se fazer referência ao Índice de risco climático global, que o Germanwatch atualiza uma vez por ano. Essa instituição também atualiza o Índice de desempenho das mudanças climáticas todos os anos (para a Itália CCPI). Assim como são divulgados apenas uma vez por ano os dados italianos do Ispra (Instituto Superior de Proteção e Pesquisa Ambiental), tanto sobre o clima quanto sobre as emissões.

Durante o meu trabalho, muitos anos atrás, desenvolvi pessoalmente um indicador térmico baseado nas anomalias de calor e frio registradas todos os dias pela rede Arpae: o indicador fornecia continuamente a evolução térmica previsível para a região da Emilia-Romagna até o final do século. Infelizmente, exceto algum feedback técnico positivo, o cálculo não encontrou interesse na mídia e foi suspenso. No site Arpae, mesmo assim, podem ser verificadas todos os dias as anomalias térmicas e pluviométricas em curso para a Emilia-Romagna (temas ambientais "Clima" e "Estiagem e desertificação") e também o nível hídrico do fluxo do rio no , mas não me parece ter notado um impacto significativo desses indicadores nem mesmo na mídia local (basicamente são dados ignorados pela mídia ou resultam incompreensíveis).

O maior problema que temos – a crise climática global e a necessária gigantesca transição energética – portanto, por sua vez, tem um grande problema de comunicação e tende a desaparecer da atenção do público também devido à periodicidade ocasional das informações a seu respeito, e provavelmente também devido à ausência de uma sólida tradição de jornalismo baseado em dados no País. Seria apropriado focar esse assunto, de forma rápida, antes da próxima e inevitável distração de massa.

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