19 Abril 2023
"Como a China considera a OTAN central para a luta na Ucrânia, a insistência de Jens Stoltenberg de que a OTAN pretende se inserir no Indo-Pacífico (que significa a Ásia menos a China) levou os chineses a ver a OTAN manobrando para usar Taiwan como um instrumento (proxy) para pressionar a China militarmente, já que usou a Ucrânia da mesma forma (proxy) contra a Rússia. Nesse contexto, Pequim viu a oportunidade de utilizar suas boas relações com Riad e Teerã para entrar no cenário global - como fez em 1955 em Bandung entre as guerras da Coréia e do Vietnã - e colocar os EUA e a OTAN de lado como uma ameaça à paz", escreve Moss Roberts, professor de Estudos Asiáticos da Universidade de Nova York, em artigo publicado por Settimana News, 17-04-2023.
Muitos fatores decidiram que sauditas e iranianos abandonassem sua hostilidade de longa data e entrassem em negociações de paz sob os auspícios chineses, uma mudança regional anunciada em 10 de março de 2023. Mas o que levou Riad a rejeitar Washington e desistir da iminente negociação com Tel Aviv que, desde que assumiu o cargo, o primeiro-ministro Netanyahu tem insistido que era a chave israelense para a paz - com os palestinos, o mundo árabe e (aliás) para garantir sua posição precária em um Israel fortemente dividido?
“A aliança tradicional (dos EUA) com a Arábia Saudita e outros países”, disse Netanyahu, “deve ser reafirmada. Não deve haver oscilações periódicas, nem mesmo oscilações bruscas nesta relação, porque penso que a aliança... é a âncora da estabilidade na nossa região.” Assim, Netanyahu expressa sua séria preocupação de que Washington tenha alienado Riad quando Netanyahu vê a reconciliação com Riad como indispensável para Israel.
Washington tem criticado Riad sobre o marketing de petróleo, a guerra do Iêmen e o incidente de Kashoggi. Tel Aviv tem instado Washington a fazer as pazes com os sauditas e conduzi-los aos Acordos de Abraão, que incluem Emirados Árabes Unidos, Bahrein, Marrocos e Sudão. Os Acordos foram feitos para construir uma coalizão contra o Irã.
A situação é bem descrita por James Traub na edição de 08/02/23 da Foreign Policy: “Netanyahu traçou um roteiro saudita-americano (mas Joe Biden não deveria entrar no jogo).” Diferentemente de Netanyahu, Traub pediu a Biden que não concedesse nenhum fundamento aos sauditas por causa de seus crimes, confiante de que a hostilidade ao Irã era um vínculo inquebrável EUA-Saudita-Israelense e anulava as simpatias declaradas de Riad pela causa palestina ou a irritação com os insultos de Washington.
Alguém se pergunta se Netanyahu, mais perspicaz do que os Sábios do Beltway, sentiu que Riad poderia reverter o curso? No caso, Traub superestimou os Acordos e a influência de Washington.
A démarche chinesa leva a um repensar. Teria a decisão de Riad sido gestada silenciosamente ou foi uma resposta surpresa às draconianas reformas governamentais de Netanyahu e à crise que elas criaram interna e externamente? Parece que Riad pretendia embaraçar Netanyahu no momento em que ele expressava confiança em entregar Riad aos Acordos? Os crescentes conflitos de Israel com o Irã e a Síria também influenciaram Riad?
E onde os chineses se encaixam? Assim como o momento da démarche parece taticamente significativo para Teerã e Riad, também é significativo para Pequim, que considera Taiwan sua principal questão de segurança, agora que as críticas a Xinjiang e Hong Kong se transformaram em rituais na propaganda dos EUA.
Aqui entra o comentário russo de que Washington não é “capaz de fazer acordos”. Tendo visto Washington renegar os acordos de armas com o Irã e a Rússia, bem como os acordos originais do presidente Nixon com Pequim sobre Taiwan, Pequim decidiu desafiar a política americana onde é beligerante. se uma contribuição para a paz pode ser feita. Embora o mundo inteiro reconheça Taiwan como território chinês soberano, os EUA e outros meios de comunicação afirmam ritualmente (conforme exigido) que Pequim “reivindica” autoridade sobre Taiwan. Há um grande potencial de guerra neste óbvio empurrão em direção à independência e negação dos fatos que o mundo reconhece.
Os parceiros regionais de Washington, Japão, Coréia do Sul e Austrália, têm relações vitais com a China e são ambivalentes sobre a militância de Washington, que foi intensificada pela OTAN, cujo bombardeio “defensivo” da Líbia, Iraque, Afeganistão, etc. é pouco apreciado no mundo árabe. Embora um pouco mais silenciosas ultimamente, as afirmações da OTAN de que ela tem um papel a desempenhar no Extremo Oriente são tão provocativas quanto foram na Europa Oriental.
Como a China considera a OTAN central para a luta na Ucrânia, a insistência de Jens Stoltenberg de que a OTAN pretende se inserir no Indo-Pacífico (que significa a Ásia menos a China) levou os chineses a ver a OTAN manobrando para usar Taiwan como um instrumento (proxy) para pressionar a China militarmente, já que usou a Ucrânia da mesma forma (proxy) contra a Rússia. Nesse contexto, Pequim viu a oportunidade de utilizar suas boas relações com Riad e Teerã para entrar no cenário global - como fez em 1955 em Bandung entre as guerras da Coréia e do Vietnã - e colocar os EUA e a OTAN de lado como uma ameaça à paz.
A iniciativa da China na Ásia Ocidental abriu as portas para seu Plano de Paz de doze pontos para a Ucrânia, oferecendo serviços em negociação e reconstrução. Com pressa indignada, Washington ridicularizou o plano, mas ao fazê-lo reafirmou a impressão generalizada de que Washington pretende manter a luta em andamento. A sabedoria do plano chinês é que pode levar forças externas para chegar a um acordo com a Ucrânia e a Rússia presas em posições absolutamente não negociáveis, uma ameaça crescente à segurança econômica e militar da Europa. Nesse contexto, França, Alemanha e Espanha se recusaram a seguir Washington na China, já que Macron visitou a China e explicitamente adotou uma linha do neutralismo da Índia para dizer que a Europa não precisa participar do conflito da China com Taiwan. O Japão e a Coreia do Sul concordarão silenciosamente.
O que parece ter escapado aos diplomatas de Washington, cujo ponto fraco é a diplomacia, é o significado sutil do plano chinês. O que suas vagas sugestões benignas implicam nas entrelinhas é que Washington deveria descer de seu pedestal, impressionar o mundo (cuja confiança diminuiu) com uma demonstração de humildade cristã e estender a mão aos chineses para providenciar o fim da guerra na Ucrânia. Isso se a Montanha estiver disposta a dar as boas-vindas a Maomé.
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China e Ásia: Ocidente e Oriente. Artigo de Moss Roberts - Instituto Humanitas Unisinos - IHU