10 Abril 2023
"Nosso tempo não concede mais espaço ao evento irrepetível do encontro que pode tornar a vida nova. O evento da ressurreição, por outro lado, nos convida a pensar que ainda é possível dizer, como nos lembrou Gabriel Marcel, a alguém que se ama profundamente: "Você não morrerá!". É a lição mais profunda da Páscoa cristã: contra a impiedosa evidência do nada, o Ressuscitado nos lembra que algo pode permanecer, que nem tudo o que foi está destinado a se tornar nada", escreve Massimo Recalcati, psicanalista italiano e professor das universidades de Pávia e de Verona, em artigo publicado por La Stampa, 09-04-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Na tradição cristã, a Páscoa celebra a ressurreição de Jesus Cristo. A experiência da morte na cruz é redimida pela vida que volta à vida depois do fim, dando morte definitiva à morte. Que lição leiga podemos tirar dessa história? Em primeiro lugar, a Páscoa cristã pressupõe a experiência do abandono absoluto: a noite do Getsêmani e o suplício da crucificação precede o advento da ressurreição.
Esta é uma primeira grande lição: a experiência da queda e da derrota – da qual a morte é a figura mais definitiva e escabrosa – não pode ser contornada, embora não seja a última palavra possível sobre a vida. É a leitura que Walter Benjamin dá do Anjo da história: o movimento inexorável do tempo histórico que deixa às suas costas escombros e destruição não pode deixar de levar em conta a necessidade de dar aos derrotados e a todos aqueles que foram vítimas da injustiça uma possibilidade de redenção e esperança. Por isso o olhar do Angelus Novus permanece voltado para trás: o progresso irreversível da história não pode jamais esquecer os últimos, os excluídos, os danados da terra.
Se tomarmos literalmente a narração evangélica da ressurreição, encontraremos no centro o mistério pascoal a descoberta do sepulcro vazio. Para Michel de Certeau é a figura mais fundamental do cristianismo: a ausência do corpo de Cristo descreve uma forma radical da presença, uma espécie de imã que gera desejo, palavra, escrita, vida. O vazio do sepulcro obriga-nos a procurar Jesus entre os vivos e não entre os mortos.
Esta é outra lição fundamental da Páscoa cristã: existe sempre um resto indestrutível – eternamente vivo – em cada morte. Sempre, algo de quem não é mais conosco, fica conosco. Um grande filósofo, recentemente falecido, deixou a seus entes queridos um bilhete de despedida com estas palavras: "Levem-me convosco". Não pede para ser lamentado como um morto entre os mortos, mas para ser carregado como vivo pelos que ainda estão vivos.
Lição essencial que se combina com outra igualmente decisiva: como permanecer fiéis ao evento que mudou nossa vida? Para os seus discípulos, Jesus foi, de fato, esse evento. Sua morte impõe o problema de sua herança. Acontece com cada um de nós: fui fiel ao encontro que mudou a minha vida? O encontro com um amor, com um mestre, com um ideal, com uma vocação? Vivi coerentemente aquele encontro, com a decisão necessária, assumindo plenamente o risco? Ou trai, virei as costas, repudiei aquele evento? Nosso tempo não acredita mais no inaudito do encontro. Mais que um episódio sobrenatural - a reanimação de um morto - a ressurreição é um evento que rompe com a nossa representação ordinária da vida e da morte. É possível que algo permaneça indestrutível, que nem mesmo o poder da morte possa destruir? É possível que um vazio – aquele do sepulcro na história cristã – se torne o motor de um desejo, de uma vida nova?
Na imagem de Benjamin do anjo da história, os inúmeros mortos caídos na injustiça e no esquecimento ainda esperam para ser redimidos. Seus restos continuam ardendo como brasas que nunca se apagam. Acontece com todos os nossos incontáveis mortos, aqueles que amamos e perdemos. A ressurreição de Jesus mostra o caráter indestrutível do que resta. É um grande tema bíblico que une a Torá aos Evangelhos: é somente no que resta - na pedra de descarte - que devemos ver a possibilidade de um novo começo. As aparições de Jesus após sua morte diante de seus discípulos abatidos pela perda de seu mestre, têm o poder de reativar seu desejo tornando sua fé mais forte.
Essas aparições não devem ser lidas como sugestões psicológicas ou fenômenos sobrenaturais, porque são o retorno daqueles que partiram desta vida, mas continuam a estar conosco. Podemos lê-las como um apelo a permanecer fiéis ao que foi para nós o evento do encontro. Trata-se de um apelo que deve ser respondido para não deixar a última palavra para a morte. É por isso que Paulo de Tarso podia afirmar que "se Cristo não ressuscitou, então é vã a nossa pregação e também é vã a nossa fé". É apenas a fé ao evento que torna o evento ainda vivo.
Todo encontro digno desse nome é o nome de algo que não cessa de ressurgir, de vir à luz, de arder, de estar sempre conosco. A ressurreição cristã não é, portanto, a projeção de um desejo ilusório de imortalidade que reenviaria a uma felicidade após a morte, mas um evento que exige fidelidade. O nosso tempo, que decapitou a experiência da transcendência e do mistério, só pode pensar na ressurreição como uma história consoladora com um final feliz.
Nosso tempo não concede mais espaço ao evento irrepetível do encontro que pode tornar a vida nova. O evento da ressurreição, por outro lado, nos convida a pensar que ainda é possível dizer, como nos lembrou Gabriel Marcel, a alguém que se ama profundamente: "Você não morrerá!". É a lição mais profunda da Páscoa cristã: contra a impiedosa evidência do nada, o Ressuscitado nos lembra que algo pode permanecer, que nem tudo o que foi está destinado a se tornar nada.
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A Páscoa derrota o nada. Artigo de Massimo Recalcati - Instituto Humanitas Unisinos - IHU