03 Abril 2023
Jesus não diz a resposta a Pilatos, porque Jesus é a resposta. A verdade, em qualquer situação, é sempre a pessoa humana.
A reflexão é do historiador da arte italiano Tomaso Montanari, professor da Universidade Federico II de Nápoles. O artigo foi publicado no caderno Il Venerdì, do jornal La Repubblica, 31-03-2023. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O sarcófago de Júnio Basso, esculpido por volta de 359 depois de Cristo, oferece-nos um dos primeiros ciclos monumentais da arte cristã. Aqui, o processo contra Jesus é representado com admirável síntese: o momento da prisão noturna no horto do Getsêmani e o do julgamento no pretório do governador romano da Judeia, Pôncio Pilatos, se fundem em uma única unidade narrativa.
Sarcófago de Júnio Basso (detalhe), mármore, aproximadamente 359 d.C., Museu do Tesouro ‘de São Pedro, Cidade do Vaticano, Roma (Foto: Giovanni Dall’Orto/Wikimedia)
Assim, um Jesus de pé, de extraordinária dignidade e presença física, corresponde a um Pilatos consumido pelos escrúpulos, em uma postura de dúvida e de indecisão.
Podemos imaginar que o momento é o imediatamente posterior ao célebre intercâmbio transmitido pelo Evangelho de João (18,37-38):
“Pilatos disse a Jesus: ‘Então tu és rei?’. Jesus respondeu: ‘Você está dizendo que eu sou rei. Eu nasci e vim ao mundo para dar testemunho da verdade. Todo aquele que está com a verdade, ouve a minha voz’. Pilatos disse: ‘O que é a verdade?’.”
Jesus não diz a resposta, porque Jesus é a resposta. A verdade, em qualquer situação, é sempre a pessoa humana. Mesmo o menor, inacabado ou ainda culpado e até monstruoso ser humano é sempre incomensuravelmente mais importante do que qualquer verdade abstrata que lhe diga respeito.
Pilatos sente e intui isso, de alguma forma percebe isso: mas esmaga esse reconhecimento sob o peso da lei e, sobretudo, sob o medo do poder. Em Pilatos, perdido em seus pensamentos, irresoluto, está representado o homem de poder, o homem inserido no sistema, que é fulgurado pela dúvida: naquele momento, ele entendeu. Mas sabe que, se tirar as consequências disso, se as suas decisões seguirem essa sua compreensão, então perderá o poder e perderá a própria vida: “Pois quem quiser salvar a sua vida, vai perdê-la; mas, quem perde a sua vida por causa de mim, vai encontrá-la”.
O Pilatos atormentado que o sarcófago de Júnio Basso (ele mesmo senador e homem de poder) nos entrega é um maravilhoso retrato do poder: do poder que não sabe renunciar a si mesmo e que, em vez disso, prefere renunciar à verdade.
Porém, a dúvida de Pilatos, que esse antigo escultor soube fixar no tempo, diz-nos também outra coisa: a decisão cabe apenas a cada um de nós. O governador romano poderia ter se livrado daquele momento de perplexidade decidindo ver a verdade que estava bem debaixo de seu nariz. Ele não o fez, e sabemos como isso terminou.
E nós, de nossa parte, vamos fazer o mesmo?
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Processo contra Pilatos. Artigo de Tomaso Montanari - Instituto Humanitas Unisinos - IHU