21 Março 2023
"O apelo lançado por Trump, com um tuíte no fim de semana para novos protestos demonstra que o episódio de 6 de janeiro não foi um incidente isolado, mas faz parte da sua mentalidade e do seu modelo antidemocrático", escreve o sinólogo italiano Francesco Sisci, em artigo publicado por Settimana News, 20-03-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
O apelo do ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, para que seus partidários se levantem em protesto contra seu indiciamento iminente viola o primeiro princípio de um estado democrático: a confiança em suas instituições. Um processo pode ser correto ou errado de mil maneiras, mas se não for aceito, é outra coisa.
Desta forma, ele efetivamente está dizendo: o processo não se aplica a mim. Com tal afirmação se coloca fora da lei. Portanto, se declara um fora da lei e deve ser tratado de acordo. Caso contrário, a lei e a democracia estadunidenses decairão.
Na década de 1990, os principais líderes políticos da Itália acabaram perante os juízes por acusações de corrupção. No entanto, o ex-primeiro-ministro Giulio Andreotti acatou o processo, enquanto o ex-primeiro-ministro Bettino Craxi fugiu do país. Nenhum dos dois convocou as massas para se opor aos tribunais e ao sistema jurídico.
Na França, o ex-presidente Chirac foi condenado por acusações de corrupção e o tribunal impôs uma pena suspensa de dois anos de prisão. Mais recentemente, o ex-presidente Sarkozy foi considerado culpado de financiamento ilegal de campanha, tráfico de influência e tentativa de corrupção. Ele impetrou recurso apelando contra as decisões judiciais. Trump poderia enfrentar seus processos ou até mesmo fugir como fez Craxi, mas convocar protestos – que poderiam facilmente se transformar em tumultos – é muito diferente.
Esta é a segunda vez que Trump convoca o povo a protestar contra o correto processo democrático. A primeira vez foi quando incentivou a invasão do Congresso em 6 de janeiro de 2021 por manifestantes que queriam interromper a transferência constitucional dos poderes para o presidente Biden.
O apelo lançado por Trump, com um tuíte no fim de semana para novos protestos demonstra que o episódio de 6 de janeiro não foi um incidente isolado, mas faz parte da sua mentalidade e do seu modelo antidemocrático.
Isso vai além da mera política interna e se torna uma questão de segurança nacional. A competição com a Rússia e outros Estados autocráticos tem a ver com poder e princípios: isto é, se um país deve ser governado pelo estado de direito ou pelo controle inconteste de um único homem. Quando se desestabilizam e subvertem os princípios democráticos fundamentais, comprometem-se simultaneamente a reputação internacional da nação e a competição por influência com os estados autoritários.
A violação visível das normas democráticas e das obrigações legais não beneficiará os Estados Unidos em seus esforços para encontrar um modus vivendi pacífico com a China. Afinal, os Estados Unidos enquadraram a sua competição com a China e seu apelo a outras nações asiáticas em termos de princípios democráticos contra uma governança autoritária. O desprezo de Trump pelo estado de direito não pode ajudar a imagem dos Estados Unidos ou a sua competitividade em relação à China.
As pessoas de todo o mundo vão se perguntar por que o sistema dos EUA – e o governo de uma pessoa como Trump – seria superior ao sistema russo e ao governo de um autocrata como Putin.
Se os princípios – representados neste caso pelos valores democráticos – são eliminados da equação, a competição internacional se reduz a um mero e cínico jogo de poder. Nesse caso, vários países escolherão ficar do lado dos Estados Unidos ou da China apenas com base em sua força relativa, que em breve poderia se voltar a favor da China. Sob tais circunstâncias, os Estados Unidos poderiam se ver obrigados a aceitar o domínio chinês ou a ter que combater, mas haveria pouco espaço para a compreensão ou a acomodação recíproca.
O fato de Trump ainda gozar de amplo apoio nos EUA é um sinal do profundo mal-estar estadunidense. Esse mal-estar poderia se tornar uma crise social que destrói o país e entrega a liderança global à China ou à Rússia?
Os fãs chineses da visão "declinante" dos Estados Unidos tendem a apontar conscientemente a coincidência dos tempos. Enquanto Trump convoca seus apoiadores para protestar contra sua acusação iminente, Putin receberá Xi Jinping no Kremlin.
As ações de Trump oferecem um argumento de conversa para Putin e Xi, que, obviamente, estão constantemente avaliando os pontos de força e as vulnerabilidades dos Estados Unidos. Trump mostra objetivamente a eles que os EUA estão divididos e, portanto, vulneráveis, e poderia induzir a ações que, de outra forma, não estariam tão prontos a tomar.
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DesTrumpizar os EUA? Artigo de Francesco Sisci - Instituto Humanitas Unisinos - IHU