28 Fevereiro 2023
Muitas organizações de imprensa estão se preparando para avaliar o papado do Papa Francisco à medida que nos aproximamos do 10º aniversário de sua eleição. Certamente, qualquer avaliação do impacto de um papa vivo está fadada a ser distorcida pelos conflitos internos da Igreja e pelas pressões seculares do momento.
O comentário é de Paul Baumann, jornalista estadunidense e ex-editor-chefe da revista Commonweal, 22-02-2023. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Não pretendo oferecer tal avaliação aqui, mas achei que seria interessante relembrar um simpósio por escrito do qual participei para o Wall Street Journal em março de 2013, logo após a renúncia de Bento XVI.
O simpósio foi intitulado “O que procurar em um novo papa”, e os participantes eram escritores católicos de todo o espectro ideológico, começando com a colunista do Wall Street Journal e ex-redatora de discursos de Reagan, Peggy Noonan, e terminando com este que escreve. No meio, você podia encontrar o biógrafo papal e polemista neoconservador George Weigel, o romancista e colunista do New Yorker James Carroll, o colunista do NCR Michael Sean Winters e Mary Eberstadt, membro sênior do Ethics and Public Policy Center.
O painel foi bastante dividido entre aqueles presumivelmente mais céticos em relação à reforma teológica e eclesial, e aqueles presumivelmente mais receptivos a ela. Os editores do Wall Street Journal deram a cada pequena contribuição um título cativante, respondendo à pergunta feita na manchete.
A resposta de Weigel foi: “Um guerreiro cultural”; a de Carroll, “Um Gorbachev católico”; a de Winters, “Entre os pobres”; e a de Eberstadt, “Pronto para jogar no ataque”. Noonan queria que o próximo papa fosse “Alegre de todas as maneiras” – apesar da crise dos abusos sexuais que ainda se desenrola –, e o título do meu artigo foi “Um californiano”, que explicarei abaixo.
Winters e Noonan parecem ter chegado mais perto de prever o que o futuro Papa Francisco traria para o papado a partir do “fim do mundo”, como ele chamou sua Argentina natal. “O próximo papa deve ser um homem que possa saudar o mundo com uma expressão de prazer no rosto, com um sorriso de alegria. Ele não deveria se apresentar com a postura triste e curvada de quem sabe que o mundo está em ruínas”, escreveu Noonan. João Paulo II e Bento XVI fizeram a fé parecer “um tanto abstrata e cerebral”. Noonan queria que o próximo papa “viajasse constantemente para fora”, para “convidar a luz do sol” a entrar, ao abrir as portas e as janelas do Vaticano.
Muitos argumentam que Francisco fez exatamente isso, para o grande desconforto da burocracia da Igreja. Ele também se identificou “mais intimamente com os pobres do mundo”, dando assim “evidências visíveis das profundas suspeitas do catolicismo quanto ao moderno capitalismo de consumo”, como escreveu Winters. Ele se concentrou nas formas concretas e pessoais como a Igreja se apresenta ao mundo, confiante de que as dimensões “abstratas e cerebrais” da fé estão seguras.
O previsível pedido de Weigel por “um guerreiro cultural” foi feito no contexto daquilo que a “doutrina social” do catolicismo ensina sobre a dignidade humana e a natureza humana – ensinamentos fundamentais para a saúde da democracia liberal. Os cidadãos democráticos precisam de certas virtudes morais, se quiserem resistir ao materialismo da cultura contemporânea, ao “pragmatismo frio” e à ênfase estreita na “utilidade”. É justo. Infelizmente, Weigel levantou essa afirmação com reclamações enlatadas sobre “a invasão do estado de Leviatã”.
Carroll e Eberstadt formaram um par complementar em suas certezas conflitantes. Carroll queria que o próximo papa “desmantelasse” a hierarquia da Igreja, da mesma forma que Mikhail Gorbachev pareceu manobrar os apparatchiks da União Soviética. O novo papa, escreveu Carroll, deveria “desafiar a elite dominante, revelar os segredos de seu centro de poder e deixar de lado as burocracias que se opõem à reforma”.
Eberstadt viu a crise da Igreja exatamente como o oposto e instou o próximo papa a empregar seu “recurso mais subutilizado”, ao defender vigorosamente a “ortodoxia doutrinal”.
Carroll ansiava que a Igreja abraçasse “o feminismo, os direitos dos homossexuais, a liberdade de consciência”, enquanto Eberstadt advertia contra todo esforço para “refazer a Igreja Católica alinhando-a com a Estrela Polar da modernidade, a revolução sexual”.
Por que eu queria um californiano? Bem, não foi exatamente isso que eu escrevi, embora tenha gostado da instigante provocação do redator da manchete. O que eu escrevi foi que o próximo papa deveria ser “um pouco californiano”. Eu abri o artigo citando a impertinente afirmação do romancista Walker Percy de que os católicos tinham de escolher entre “Roma ou Califórnia”. Na mente de Percy, a Califórnia representava tudo o que era alienante, desumanizante e espiritualmente moribundo na vida moderna, enquanto o catolicismo romano oferecia o caminho verdadeiro, embora exigente, para o florescimento humano.
Eu achava que essa era uma escolha falsa. A Igreja teria de fazer as contas com tudo o que a Califórnia representava; recuar em relação ao mundo moderno não era uma opção. “Roma não é um refúgio; nunca foi e, como os escândalos recentes nos lembram, nunca poderia ser”, escrevi.
“No entanto, Roma tem um grande trabalho missionário a fazer – na Califórnia e em outros lugares. Esse trabalho exigirá uma mudança de tom e uma recusa a condenar o que ela ainda não consegue entender”.
Na conclusão, citei o filósofo Charles Taylor. Roma propõe “muitas respostas que sufocam as perguntas, e muito pouco sentido aos enigmas que acompanham uma vida de fé; são estes que impedem o início de uma conversa entre a nossa Igreja e grande parte do mundo”.
Como deixa claro a feroz reação ao Sínodo sobre a Sinodalidade convocado pelo Papa Francisco, as divisões entre os católicos, evidentes no simpósio do Wall Street Journal, ainda estão muito presentes entre nós. Alguns católicos conservadores até chamaram as sessões de escuta do Sínodo de “loucura”.
Mas o nosso papa atual parece determinado a iniciar o tipo de conversa “entre a nossa Igreja e grande parte do mundo” que Taylor pediu. Ao mesmo tempo, Francisco não deu nenhuma indicação de que está interessado em desmantelar a estrutura hierárquica do catolicismo. Em vez disso, ele se concentra nas formas concretas e pessoais com as quais a Igreja se apresenta ao mundo, confiante de que as dimensões “abstratas e cerebrais” da fé estão seguras.
Ele se afastou enfaticamente das guerras culturais que Weigel e Eberstadt demandam, colocando-se, como espera Winters, “entre os pobres” em quase todas as ocasiões. Os enigmas de uma vida de fé são evidentemente familiares para ele. Ele não é californiano, mas parece ter uma espécie de otimismo californiano quanto ao futuro do mundo e da Igreja. Como Noonan espera, ele está feliz de todas as maneiras.
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Dez anos depois: Francisco, um papa alegre - Instituto Humanitas Unisinos - IHU