18 Julho 2020
Há algo de divertido em assistir ao recuo de George Weigel. Em resposta à reportagem do meu colega Joshua J. McElwee de que o cardeal Timothy Dolan havia enviado uma carta para acompanhar o envio por parte da Ignatius Press do novo livro de Weigel, “The Next Pope: The Office of Peter and a Church in Mission” [O próximo papa: o ofício de Pedro e uma Igreja em missão], a todos os cardeais, o biógrafo do Papa João Paulo II disse a McElwee que o livro “não contém uma única frase sobre um futuro conclave”. E acrescentou: “Nenhum candidato em potencial é citado, e nenhuma estratégia do conclave é discutida”. Isso não é verdade.
O comentário é de Michael Sean Winters, publicado em National Catholic Reporter, 17-07-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
De onde ele acha que virá esse “próximo papa” sobre o qual ele escreveu um tomo inteiro, senão de um conclave?
Além do mais, eu acho difícil acreditar que Weigel nunca tenha participado de uma comissão de recrutamento. A primeira coisa que a comissão faz é esboçar uma descrição do trabalho, examinar que tipo de candidato eles gostariam, que habilidades essa pessoa precisa ter, qual a importância de que a pessoa a ser contratada compartilhe um senso particular de missão, esse tipo de coisas.
Esse é precisamente o tipo de coisas que Weigel detalha em seu livro, que eu resenhei há alguns dias. E, se eu tivesse que resumir os atributos que Weigel busca em um novo papa em uma única frase, eu diria que ele quer que o próximo papa seja muito diferente do atual. O livro está repleto de ataques, alguns mais sutis do que outros, ao Papa Francisco.
Weigel não recuou, mas se desviou ao falar com J. D. Flynn, editor da Catholic News Agency, de propriedade da EWTN. Ao falar da preocupação de que é inapropriado escrever um livro sobre um futuro papa enquanto o papa atual ainda está com boa saúde, ele disse: “Isso é ridículo. Eu não me lembro de alguém fazer uma crítica tão boba quando Peter Hebblethwaite e Luigi Accattoli escreveram livros sobre o futuro do papado durante o pontificado de João Paulo II”.
Hebblethwaite, correspondente vaticano de longa data do NCR, realmente escreveu um livro chamado “The Next Pope: An Enquiry” [O próximo papa: um inquérito] e o publicou em 1995. Eu não o li. Tenho certeza de que ele era muito crítico ao herói de Weigel, o Papa São João Paulo II, um homem por quem eu tenho sentimentos muito ambivalentes. O fato de Weigel invocá-lo é interessante, visto que ele não teve vergonha de criticar o NCR por não ser suficientemente católico a seus olhos. Agora, ele se esconde atrás de um dos nossos quando é conveniente.
Eu digo que tudo isso é um desvio, porque a analogia relevante do que McElwee relatou não está entre o livro de Weigel e o de Hebblethwaite. A analogia relevante é uma analogia fantasiosa: imagine o que teria acontecido se o cardeal Joseph Bernardin tivesse enviado uma carta para acompanhar o envio do livro de Hebblethwaite, semelhante à missiva enviada por Dolan?
Obviamente, Bernardin nunca teria sido tão presunçoso, em primeiro lugar, e, além do mais, ele nunca teria endossado um livro tão crítico contra um papa reinante. Isso vai ao cerne daquilo que há de errado na carta de Dolan e no livro de Weigel: embora desprezemos o sede-vacantismo e outras tolices que associamos aos extremistas do LifeSiteNews ou do Church Militant, a oposição a Francisco manifestada por Dolan e Weigel é semelhante ao comportamento de uma criança que teve seus brinquedos retirados.
Dolan era o “queridinho” da era João Paulo II-Bento XVI, a estrela estadunidense em ascensão, até mesmo o papável estadunidense. Weigel era o intérprete “com autoridade” do papado de João Paulo II, o leigo que tinha fácil acesso ao Apartamento papal e a cujas ligações telefônicas os prelados dos EUA retornavam.
Então, os cardeais elegeram Francisco, e, de repente, todos os marcadores identitários do catolicismo estadunidense que Dolan, Weigel e seus comparsas haviam elaborado no último quarto do século XX e na primeira década do século XXI foram deixados de lado.
Sem querer ser muito contundente, esses marcadores da identidade católica sempre foram absurdos. A visão de Weigel endossada por Dolan sobre a Igreja Católica sempre foi dirigida tanto – ou mais – por questões políticas quanto teológicas. Assim, por exemplo, a reiterada defesa dos sindicatos por parte de João Paulo II foi minimizada deste lado do Atlântico, ou então os sindicatos na Polônia eram considerados bons, enquanto os dos EUA estavam na vanguarda do secularismo.
A promoção do diálogo inter-religioso, tão central no Concílio Vaticano II e na obra de todos os papas desde então, desviou-se, à medida que as principais Igrejas protestantes se tornaram um alvo de desdém, e se forjou um “ecumenismo do ódio” com evangélicos protestantes brancos.
Esse desdobramento foi tão distorcido pela política que os cristãos brancos que frequentam a igreja regularmente são a base de Donald Trump, um fato tão monstruoso que deve provocar um arrepio na espinha do corpo de Cristo (eu também deploro os esforços para reduzir o Evangelho cristão a uma política de esquerda!).
A distorção da tradição católica também afetou realidades mais básicas. Em uma resenha devastadora do novo livro de Weigel, recém publicado na revista America, o Mons. John Strynkowski, ex-diretor da Comissão de Doutrina da Conferência dos Bispos dos EUA, escreve:
“Em sua insistência na centralidade de Cristo na Igreja, Weigel faz apenas uma referência passageira ao Senhor crucificado e ressuscitado, e nenhuma referência à cruz. Essa é uma grave omissão; a Igreja permanece debaixo da cruz, tanto para o julgamento quanto para a salvação. E a cruz também se ergue sobre um mundo de enorme ganância e exploração dos povos. A cruz, em última análise, é a fonte da solidariedade cristã com os mais vulneráveis e leva não apenas às obras de caridade, mas também à doutrina social da Igreja, para transformar as estruturas sociais injustas. São João Paulo II foi bastante crítico daqueles que, pelo silêncio, se tornam cúmplices da injustiça sistêmica.”
A palavra chega a saltar da página: “cúmplices”. Essa é a chave da visão de Weigel, a transformação do engajamento com o mundo em cumplicidade com o mundo.
Esse hábito da cumplicidade foi o que impediu o cardeal arcebispo de Nova York de reconhecer como foi absurda a sua obsequiosidade em relação ao presidente Trump em abril. Foi o hábito da cumplicidade que impediu qualquer bispo dos EUA de defender publicamente a decisão da Universidade de Notre Dame de convidar o primeiro presidente negro da história do país a receber um diploma honorário. Foi o hábito da cumplicidade que resultou na incapacidade dos bispos de aprovarem uma declaração sobre a pobreza em 2012.
O tumulto desta semana é mais uma evidência – como se fosse necessária – de que o complexo político-teológico neoconservador nos EUA não está evangelizando ninguém. De fato, isso mostra como eles estão desconectados, a ponto de não terem percebido como as pessoas reagiriam ao fato de um cardeal propagandear um livro cuja premissa é a morte do atual papa.
A visão de Weigel continuará popular em seus próprios círculos. A liderança de Dolan será elogiada na EWTN. Mas a cortina foi puxada mais para trás. O resto de nós consegue ver o que eles estão fazendo. É mais patético do que provocador neste momento.
Quem quer que seja o próximo papa, será ainda mais fácil para ele reconhecer a visão neocon como essencialmente fraudulenta.
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Cardeal Dolan, George Weigel e a fraude do projeto neoconservador - Instituto Humanitas Unisinos - IHU