Novo livro sobre catolicismo queer destaca a necessidade de ouvir as vozes LGBTQIA+

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01 Fevereiro 2023

Em “God’s Works Revealed” (Paulist Press, 256 páginas), Sam Albano nos conduz em uma jornada bem fundamentada da história do ensino da Igreja Católica sobre a experiência LGBTQIA+. Sam atualmente atua como secretário nacional da organização DignityUSA, que “trabalha pelo respeito e pela justiça para pessoas de todas as orientações sexuais, gêneros e identidades de gênero – especialmente pessoas gays, lésbicas, bissexuais, transgêneros, queers, assexuais e intersexuais – na Igreja Católica e no mundo, mediante educação, defesa e apoio”.

A reportagem é de Rachel Rastelli, publicada em National Catholic Reporter, 28-01-2023. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

O livro “God’s Works Revealed: Spirituality, Theology, and Social Justice for Gay, Lesbian, and Bisexual Catholics” [As obras de Deus reveladas: espiritualidade, teologia e justiça social para gays, lésbicas e bissexuais católicos] foi escrito tanto para pessoas heterossexuais quanto não heterossexuais. Como uma católica queer e millennial, uma das principais questões que eu percebo na Igreja Católica hoje é a falta de conhecimento sobre todas as questões LGBTQIA+ por parte das pessoas que estão em cargos de autoridade dentro da Igreja. Tomam-se decisões e divulgam-se declarações por parte de pessoas que não sabem do que estão falando, porque não estão em comunhão significativa com a comunidade LGBTQIA+. Ao falarem sobre aquilo que não sabem, as autoridades da Igreja têm criado confusão que tem levado a muita dor.

Novo livro de Sam Albano sobre o catolicismo queer (Foto: Divulgação)

A dor do autor de pertencer a uma religião que não quer reconhecer sua humanidade é visível ao longo de “God’s Works Revealed”. No entanto, o autor permanece respeitoso em suas expressões de insatisfação e de mágoa. O livro não mostra alguém criticando uma instituição; trata-se de uma tentativa sincera de diálogo a partir de um ponto de vista que tem sido largamente ignorado por aqueles que ocupam cargos de autoridade dentro da Igreja Católica.

Muitas vezes, as pessoas LGBTQIA+ são mal interpretadas como rebeldes que buscam destruir ou profanar o ensino e a tradição da Igreja. O autor demonstra aquilo que eu descobri que é verdade em minha própria comunidade de amigos e amigas católicos LGBTQIA+: um amor pelo próximo, um anseio pela verdade e anos de oração e estudo daquilo que a Igreja Católica ensina.

Há 12 páginas de fontes listadas no fim deste livro. “God’s Works Revealed” prova que os católicos e católicas LGBTQIA+ não estão entrando em debates sobre o dogma e a teologia sem formação ou despreparados, e é hora de os católicos e católicas não LGBTQIA+ terem a decência de fazer o mesmo.

Sabendo de antemão que Albano e eu temos conclusões divergentes sobre o ensino da Igreja sobre o ato sexual, eu esperava ficar um pouco desanimada com esse livro. Mas eu não estava preparada para o impacto de ver alguém falando de dentro do contexto do ensino da Igreja “a partir do” e “para o” meu ponto de vista como uma pessoa queer – um fenômeno muito raro na mídia católica.

Como a maioria dos ensinamentos e dos documentos da Igreja sobre a experiência LGBTQIA+ são escritos por pessoas heterossexuais, eles tendem a soar como declarações do tipo “nós contra eles”. Isso não significa que pessoas heterossexuais não possam ministrar efetivamente para pessoas que estão dentro do paradigma LGBTQIA+. Pelo contrário, isso mostra que, quando todo o ensino e o ministério para as pessoas LGBTQIA+ vêm apenas de pessoas heterossexuais, isso não é vivificante ou eficaz. A comunidade queer é um membro importante do corpo de Cristo, e as lideranças da Igreja Católica prestam um grande desserviço ao nos ignorarem ou ao não buscarem nos pastorear e nos fortalecer espiritualmente. Os sistemas atualmente em vigor não estão funcionando.

Para ser honesta, não tenho certeza de como me sinto em relação a esse livro. Eu aprecio o modo como o autor se dispôs a fornecer informações acuradas às pessoas: sobre a experiência de ser LGBTQIA+ e católico, sobre como as formulações do ensino da Igreja afetaram essa experiência (em grande parte de uma forma negativa) e sobre como tudo está intimamente relacionado com a justiça social.

Sempre que tenho a oportunidade de falar sobre ser queer e católica, fico preocupada que aquilo que eu digo esteja sendo recebido como se eu estivesse tentando provar que sou digna de estar viva, que sou digna de participar da sociedade e digna de fazer parte da Igreja Católica. Livros como “God’s Works Revealed” certamente são necessários, mas não posso deixar de me perguntar se eles alimentam a mentalidade de que os indivíduos LGBTQIA+ precisam “conquistar seu lugar” aqui.

Albano e eu estudamos muitos dos mesmos documentos da Igreja. Tenho certeza de que levantamos muitas das mesmas preocupações em nossas comunidades. No entanto, conseguimos chegar a conclusões “contrárias” de várias maneiras, até mesmo com nossa abertura e desejo de verdade. Normalmente, é aqui que nos voltamos para o ensino da Igreja, para “resolver” a discussão, mas imagino que Albano e eu estamos unidos em nossa apreensão de confiar em uma instituição que tem sido fonte de tanta desinformação, deturpação e dano quando se trata da comunidade LGBTQIA+.

Se a Igreja Católica deseja continuar tendo autoridade, então as pessoas que a dirigem devem deixar de ser pastoralmente irresponsáveis e desnecessariamente peremptórias quando se trata das questões LGBTQIA+.

Embora tenhamos opiniões divergentes, acredito que Albano chegou às suas conclusões após anos de oração e agonia – de fato, este livro é a prova! –, e peço que a mesma confiança e consideração sejam dadas a mim. Não vejo como um conflito de interesses ou uma traição ao meu sistema de crenças encorajar as pessoas a lerem esse livro. A Igreja Católica não pretende ser uma câmara de eco. Precisamos ouvir todos os seus membros para realmente amarmos e cuidarmos uns dos outros.

Eu poderia ter ignorado esta oportunidade ou descartado este livro como pura propaganda esquerdista. Mas não o fiz. Você também não deveria.

Nota da autora

Estou ciente de que a experiência não LGBTQIA+ é muito ampla para ser descrita com precisão com os termos “hétero” ou “heterossexual”, mas a falta de termos amplamente compreendidos e a necessidade de concisão me forçaram a usá-los neste caso.

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