18 Janeiro 2023
Baltazar Porras conhece Jorge Mario Bergoglio desde o Sínodo das Américas, em 1997. A amizade compartilhada entre os dois com o Cardeal Pironio os aproximou e com o tempo eles conseguiram forjar uma amizade que foi incrementada pelas tarefas comuns no CELAM, em no exercício das presidências episcopais de seus respectivos países e nos trabalhos, debates e reflexões da Conferência de Aparecida em 2007.
Uma colaboração que se tornou ainda mais estreita desde a eleição do cardeal argentino como sucessor de Pedro, como acaba de ser demonstrada pela eleição, conhecida esta manhã, do até agora arcebispo de Mérida como arcebispo de Caracas, onde terá de lidar com Nicolás Maduro.
Poucas horas antes, o cardeal Baltazar concedeu uma entrevista à Religión Digital na qual saiu em defesa do Papa diante dos ataques e ciladas que Francisco vem recebendo nos últimos dias. Para o cardeal venezuelano, eles são "fariseus em pele de cordeiro" que procuram "um novo Papa que reverta a reforma" que Francisco empreendeu.
A entrevista é de José Lorenzo, publicada por Religión Digital, 17-01-2023.
O início do novo ano também trouxe novos escândalos ao Vaticano, com livros e memorandos que criticam abertamente a figura do Papa Francisco e seu pontificado. Não são poucos os que assistem perplexos com esta situação. O que está acontecendo?
Uma das características da mudança de época é a desconfiança e desqualificação de todas as instituições e de seus responsáveis. O pontificado do Papa Francisco revolucionou a percepção da sociedade em geral sobre suas ações. No mundo não confessional, sua figura é bem valorizada a ponto de aparecer em primeiro lugar em diversas pesquisas de opinião.
Nos grupos que podemos qualificar como mais conservadores na economia, as propostas do Papa tocam seus interesses e buscam argumentos para desqualificá-lo. Da mesma forma, os lobbies poderosos que querem impor uma mudança de mentalidade e leis que favoreçam questões relacionadas ao casamento, família, sexo, etc. eles tendem a ridicularizá-lo.
Intraeclesialmente, o povo e vastos setores de agentes de pastoral, principalmente no Terceiro Mundo, sentem-se representados pelo Papa. Mas em grupos católicos de direita, poderosos na mídia e no dinheiro, eles o desqualificam por não ser um "especialista" em assuntos econômicos, ecológicos..., o que esconde a razão ideológica e os interesses particulares. No âmbito vaticano, não só os membros da Cúria, mas também os chamados partidários do Vaticano que respondem a vários grupos de pressão, procuram criar confusão e tirar proveito das discrepâncias das reformas propostas, pois sentem que os privilégios adquiridos ou os controles afetam o “sempre foi feito assim”.
Você leu o livro de Georg Gänswein? O que você acha?
Anunciar a publicação deste livro no meio das exéquias denota uma falta, primeiro de urbanidade; segundo, por violação da função de secretaria, que, como o próprio nome indica, está sujeita à discrição e ao sigilo; terceiro, em outro contexto, as diferenças apontadas entre os dois Papas, podem ter uma leitura correta, é lógico que existem diferenças, o que não indica necessariamente um confronto; em quarto lugar, há uma falta absoluta do discernimento mais elementar, visto que se é servo da Igreja e não de uma pessoa em particular. E indica infidelidade, pois algumas expressões podem ser classificadas como contrárias ao atual Pontífice.
E o memorando do falecido Cardeal Pell? O que você acha que ele estava procurando ao publicar aqueles escritos sob um pseudônimo?
O memorando do Cardeal Pell, como o livro do Cardeal Müller, para não mencionar outros, indicam que eles acreditam que possuem a verdade, acima do bem e do mal, sem aceitar qualquer argumento contra o que pensam. É um mau exemplo e, neste caso, escrever sob um pseudônimo não tem outra finalidade senão deixar a pessoa de quem se fala mal. Descanse em paz.
Alguns falam de uma espécie de conspiração contra o Papa Francisco para que ele renuncie o mais rápido possível. A hipótese é plausível?
É o que poucos querem, porque acham que Bento XVI não deveria ter dado esse exemplo... Ele não tem outra intenção senão buscar um novo papa que reverta a reforma, que só busca ser fiel ao Vaticano II e ao as demandas do mundo de hoje.
Quem se beneficia com esses ataques ao Papa?
Beneficiam apenas aqueles que veem a religião católica como um obstáculo para impor seus critérios, buscando uma Igreja complacente. É também um escândalo 'pusilorum', para enfraquecer a fé de gente simples que vê em quem a propicia outras pessoas que não o verdadeiro Jesus. Eles são fariseus em pele de cordeiro. Graças a Deus que o Papa Francisco vive com paz de espírito e com atitude de espírito samaritano, como o pai do filho pródigo.
Você acha que Francisco está cada vez mais sozinho no Vaticano? Os críticos aumentam, mas os apoios diminuem?
Essa é a percepção que eles querem impor. As poderosas redes têm enormes recursos, mas a fragilidade e fragilidade de que Jesus, criança, adolescente e adulto, nos deu exemplo até a cruz, mas a caminho da ressurreição, pode ser maior. Como os discípulos de Emaús, sintamos o calor da proximidade do Senhor e voltemos a Jerusalém, para anunciar que a mão amorosa do Senhor está no sucessor de Pedro.
Como você acha que todas essas críticas, ataques e traições afetam o espírito do Papa?
A forte espiritualidade jesuíta do Papa Bergoglio é o melhor escudo e o testemunho de martírio que Francisco nos dá, sem amargura e com a alegria e a esperança que a graça de estado dá.
O Papa Francisco, com espírito misericordioso, não fecha as portas aos seus críticos, pelo contrário, sei que os telefona ou os entrevista em privado. Sua regra é não usar "autoridade", porque seria cair no costume, 'já que eu mando, o que eu disser está feito'. Prefere o caminho do diálogo, do encontro, para entender que se trata de um bem maior e não de uma briga pessoal.
Em seus escritos, o Cardeal Pell ataca o Sínodo sobre a Sinodalidade, chamando-o de "pesadelo tóxico". É possível que esta importante assembleia se torne o novo cavalo de batalha contra seu grande promotor, o Papa Bergoglio?
Quem não assimilou a eclesiologia do Concílio Vaticano II na Lumen gentium e na Gaudium et spes, principalmente não consegue compreender a evolução da comunhão e da participação, do caminhar juntos, em que o trigo cresce junto com o joio, mas a autêntica espiritualidade não deve ser desenraizada, mas deve ser formada e amadurecida, que passa por um lento discernimento, que busca nos sinais dos tempos dar razão aos sinais de Deus, do evangelho de Jesus.
Fala-se de um possível cisma... É assim tão grave?
A paciência e a perseverança tudo podem, dizem-nos os grandes místicos. Acompanhar, dialogar, amadurecer critérios, corrigir e, com humildade, voltar ao redil é tarefa de todo crente em qualquer tempo e ainda mais no nosso, em que o compasso do transcendente procura obscurecer. A autoridade propõe, não impõe, para que a fé cresça na esperança daquilo que não se vê, mas com o norte posto no seguimento do Senhor Jesus.
Você acha que eles estão atuando na chave do pré-conclave, tentando unir posições para chegar com as posições mais claras e que o que aconteceu em 2013 não aconteça?
Existem várias publicações que vão nessa direção. E eles distribuem seus pensamentos livremente para ganhar a opinião de muitos. A pressão sobre os cardeais, a desqualificação que se faz de boa parte deles, vai nessa linha. Devemos pedir que se faça sentir a ação do Espírito Santo, manifestada tanto na renúncia de Bento quanto na escolha de um papa do fim do mundo.
É muito difícil para os grupos de poder do primeiro mundo se verem conduzidos por alguém que não representa o que é deles e, por isso, é preciso desqualificar sua origem, suas capacidades de mestre da fé, com forte bagagem intelectual e espiritual, que quer ser visto como inferior aos lugares tradicionais de pensamento e ação da Igreja. Desconhecer a riqueza da vida cristã dos povos que representam o presente e o futuro da Igreja se tensiona com a linguagem do cristianismo nos países onde cresceu nossa fé, aos quais somos devedores, com a nova seiva que transmite alegria, criatividade e abertura a todos.
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“Eles estão procurando um novo Papa que reverterá a reforma de Francisco”. Entrevista com cardeal Baltazar - Instituto Humanitas Unisinos - IHU