14 Novembro 2022
"Se um formador não tem a capacidade de discernir, que diga ao seu bispo: “Olha, mande-me para outra coisa, não sirvo para isso”. Porque o discernimento supõe o silêncio, supõe a oração, supõe rezar, supõe acompanhar, supõe a capacidade de sofrer, supõe não ter a resposta dada. As respostas prontas hoje não servem para os rapazes, mas é preciso acompanhá-los, com a doutrina clara, é verdade, mas acompanhá-los nas diferentes conjunturas", exorta o Papa Francisco que, na manhã de 10-11-2022, recebeu em audiência os participantes do Curso para Reitores e Formadores dos Seminários da América Latina.
Depois de ter proferido o discurso preparado para a ocasião, ele se dirigiu de improviso aos participantes do encontro.
O texto é publicado por Vatican News, 10-11-2022. A tradução é do Cepat.
Agradeço ao Cardeal por sua apresentação, agradeço aos membros do Dicastério, ao Secretário, ao Subsecretário e ao resto da “turma” que aqui vieram. E agora vou ler para vocês um discurso de doze páginas, que é um campeonato... Vamos ver depois da terceira página quem se lembra do que eu disse. Mas, para evitar esse risco, vou entregá-lo por escrito, ao secretário, para que ele o divulgue – aparecerá hoje no L’Osservatore Romano. É o que eu penso sobre a formação sacerdotal, mas é uma coisa pesada, então leiam-no com calma. E eu, ao contrário, vou me permitir dizer três ou quatro coisas que tenho no coração, que quero dizer-lhes de perto, para a vida sacerdotal de vocês, sobretudo, para a vida de formadores no seminário.
Porque isso não é fácil, não é verdade? Na minha época, colocavam todos nós na série, e a formação se dava por série: “Hoje é isso, isso, isso...”. E aquele que aguentava até o fim era ordenado, e os outros iam ficando pelo caminho. Naquela época, saíam excelentes sacerdotes assim, excelentes. Hoje isso não funciona, porque é outro tempo, outra carne, matéria-prima. Outros são os jovens, outras são as preocupações; então, bem, estamos aqui para formar esses jovens.
E uma das tentações mais sérias que a Igreja enfrenta hoje, e vocês sabem isso melhor do que eu, é quando eles vêm até você com esquemas rígidos de formação, não é verdade?, toda rigidez e sei lá... Surgiram congregações religiosas que são um desastre, que tiveram que ser fechadas aos poucos, congregações de rígidos “que não, que não, que não…”. E que, no fundo, por trás dessa rigidez, se esconde a verdadeira podridão. Por isso, é importante discernir bem, ao longo da formação, como acompanhar os jovens. E a palavra discernir penso que é central. Se um formador não tem a capacidade de discernir, que diga ao seu bispo: “Olha, mande-me para outra coisa, não sirvo para isso”. Porque o discernimento supõe o silêncio, supõe a oração, supõe rezar, supõe acompanhar, supõe a capacidade de sofrer, supõe não ter a resposta dada. As respostas prontas hoje não servem para os rapazes, mas é preciso acompanhá-los, com a doutrina clara, é verdade, mas acompanhá-los nas diferentes conjunturas.
Nesse trabalho que vocês têm, o Secretário tem as coisas necessárias aí, vão ver tudo escrito, isso tem que ser feito. Porque é um problema do número de seminaristas, não pode haver um seminário com quatro pessoas, não. “Não temos mais” – juntem-se. Ponto.
E há uma mania que eu tenho, que é falar de proximidade, porque penso que é preciso ir na fonte do que é o nosso Deus. E nosso Deus, o estilo de Deus é a proximidade. E quem diz isso não sou eu, é Ele. No Deuteronômio ele diz ao povo: “Digam-me, que povo tem seus deuses tão próximos quanto vocês têm a mim?”. A proximidade. E isso tem que nos contagiar, ou seja, o padre, o seminarista, o padre tem que estar “perto”. Perto de quem? Das moças da paróquia? E alguns sim, são próximos, depois se casam, tudo bem. É o movimento familiar cristão que trabalha ali... Mas próximo de quem? Próximo como? E há dois adjetivos para esta proximidade de Deus: Deus está próximo com misericórdia e com ternura. E essas três coisas têm que conseguir nos rapazes. Que sejam sacerdotes bem humanos, misericordiosos mas ternos. Não podemos ter como padres de uma paróquia dirigentes de empresas que dirigem aos gritos, que massificam tudo, que vivem simplesmente de três ou quatro coisas e não sabem dialogar ou que são incapazes de acariciar um jovem, beijar um idoso ou que simplesmente não vão “perder tempo” conversando com os doentes, que é perder tempo, mas estão nos planos paroquiais e muito mais. Não, isso não funciona. Proximidade, misericórdia e ternura.
Às vezes sofro quando encontro pessoas que vêm chorando porque se confessaram e contaram tudo. Se você se confessar porque fez um, dois, dez mil disparates... agradeça a Deus e Ele o perdoará! Mas ainda assim se o outro fica envergonhado e tudo, dá-lhe, dá-lhe, dá-lhe. “E eu não posso absolvê-lo, não posso porque está em pecado mortal, tenho que pedir permissão ao bispo...”. Isso acontece, por favor! Nosso povo não pode estar nas mãos de criminosos! E um padre que age assim é um delinquente, com todas as letras. Quer gostem ou não. Ou seja, um pastor próximo com misericórdia e ternura. Isso está claro para vocês? Porque acho que vale a pena enfatizar isso.
E vou simplesmente me repetir, porque sempre repito isso, mas acho importante que eu lhes diga: as quatro proximidades do padre. Há quatro proximidades que devem ser, primeiro, a proximidade com Deus. Saibam isso: um padre que não reza fracassa. Talvez persevere até a velhice, mas fracassa, ou seja, vive na mediocridade. Não estou dizendo no pecado mortal, não, na mediocridade, que é pior que pecado mortal. Porque o pecado mortal deixa você assustado e vai se confessar imediatamente. A mediocridade é um estilo de vida, nada mais nada menos... E você pega uma fatia de tudo que pode e assim vai perseverar até o fim. Nisso cai o padre que não reza. Por favor, rezem, seriamente, e peçam a quem o acompanha espiritualmente que o ensine a rezar. Confiem no modo de rezar com o ou a acompanhante espiritual que os ensine a rezar. Por favor, não cedam nisso.
Uma das coisas que eu perguntava aos padres em Buenos Aires, quando visitava as paróquias e os via por aí, não todos, mas para aqueles que via que estavam muito acelerados no trabalho, eu lhes dizia: “Ei, como você termina o dia?” – “Esgotado”. “E como vai dormir?” – “Bem, eu pego umas duas ou três coisas e vou para a cama, e depois assisto um pouco de televisão e bom, então mais ou menos relaxo”. “Ah, tudo bem... E não passa pela capela antes?”. Não tinha se dado conta de que pelo menos tem que dar boa noite ao Chefe. Ou seja, do jeito que vai levando as coisas, a necessidade pastoral o vai levando a abandonar a oração. Mas não porque tem que rezar, não, mas porque tem que sentir a necessidade de rezar. “Olha, Senhor, estou nessa confusão, tem esse problema paroquial, esse outro, que o bispo, daqui, dali...”. Falar com o Senhor e perder tempo em oração. Quanto mais ocupado um padre está, mais tempo tem que perder em oração. Em outras palavras, proximidade com o Senhor na oração. Primeira proximidade.
Segunda proximidade: proximidade com o bispo. Nisso nunca negociem. E passem bem a doutrina para os rapazes. Não há Igreja sem bispo. “Mas ele é um desgraçado”. Você também é um desgraçado. Ou seja, entre desgraçados vão se entender. Mas ele é seu pai. E se não tem coragem de dizer as coisas na cara dele, não diga para outra pessoa, se cale. Ou vai como um homem ao seu bispo, ou pede ao Senhor para resolver a questão. Mas proximidade com ele, procurá-lo. E o bispo tem que estar perto dos padres, sim. Mas procurá-lo, estar perto, não para puxar o seu saco para que ele lhe dê aquela paróquia ou aquela outra de que gosta mais, não. Para sentir o pai, discernir com o pai. E quando digo proximidade quero dizer respeito. Uma das coisas que vocês nunca devem se permitir é fazer o que os dois filhos de Noé fizeram: morrer de rir com o pai bêbado. Façam como o terceiro filho: vão e cubram-no. É verdade que às vezes há bispos que Deus me livre e me guarde... Bem, o que vai fazer, filho. Há de tudo na vinha do Senhor. Cubra-o, ele é seu pai. Seja corajoso, fale com ele, mas não use essa carne ferida e pecaminosa desse bispo para se divertir em comentários com os outros ou para justificar suas coisas. Ele é seu pai. Proximidade com Deus, em primeiro lugar. Proximidade com o bispo, em segundo lugar. E procure-o não para puxar o saco, mas para estar com ele ou pelo menos respeitá-lo. Mas com o bispo não brinca, porque ele é Cristo para vocês.
Terceiro, a proximidade entre os padres. Olha, um dos vícios mais feios que nós da raça clerical temos é a murmuração: quando passamos em revista, olha que…. Somos fofoqueiros de alma! Tiramos o couro dos companheiros…. São seus irmãos! Se vocês não têm calças para dizer as coisas na cara, engulam-nas. Mas não vai contá-las a outro como uma velha fofoqueira! E às vezes, as fofocas dos padres, depois de reuniões do conselho presbiteral, por exemplo, saem fora e “você viu aquele, e aquele...”. Ele é seu irmão, sim, ele é um desgraçado, mas você também. Mas, por favor, sejam homens, virilidade nisso, não sejam velhas fofoqueiras, por favor. Eu digo a vocês para que ensinem isso aos rapazes. Se virem um seminarista que gosta de tagarelar, mandem-no sair um pouquinho para que se areje com o trabalho duro, o que é a dureza do trabalho, e depois vejam se o recebem ou não. Mas sobram fofoqueiros na Igreja, sobram em todos os lugares. Sobram. Não formemos mais fofoqueiros, isso arruína nossas vidas.
E a quarta proximidade é com o povo de Deus. Realmente me dói quando vejo padres tão engomados que esqueceram do povo de onde saíram. O que Paulo diz a Timóteo: “Lembra-te da tua mãe e da tua avó”. Ou seja, pense de onde saiu, que o tiraram de trás do rebanho. Não se esqueça do seu povo. E ensine aos rapazes a terem amor pelo seu povo, de onde saíram. Não vê-los como extraterrestres só porque estão estudando filosofia ou teologia, seja o que for, porque serão padres, separados. Que não se esqueçam do cheiro do povo de Deus.
Vocês, como formadores, devem formar os rapazes nestas quatro proximidades: proximidade com Deus na oração, proximidade com o bispo, o bispo não se negocia. Terceira proximidade, no colégio presbiteral, formá-los para serem bons irmãos. E quarto, proximidade com o povo de Deus, para que não percam o cheiro do pertencimento de onde vêm.
Bem, era isso que eu queria dizer-lhes ao invés de ler isso, quantas eram, doze páginas? São muito boas, porque passou por várias mãos e foi bem pensado. E vai servir para vocês. Mas é isso que tenho no meu coração, e formemo-los assim, por favor. Que não sejam padrezinhos espiritual ou humanamente raquíticos, ou caras que ficam no seminário porque não sabem o que fazer com sua vida lá fora.
Bem, rezem por mim, rezem uns pelos outros, ajudem-se, não percam o espírito de camaradagem entre vocês. Falar coisas sérias juntos, rir juntos, sair para comer pizza juntos. Tudo o que for fraternidade que os ajude a seguir em frente. Agora vou dar-lhes a minha bênção e depois os saúdo um a um.
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A tentação da rigidez. O alerta do Papa Francisco aos seminaristas e seus formadores - Instituto Humanitas Unisinos - IHU