09 Novembro 2022
"Fechando essas páginas profundamente instrutivas, fica a sensação de que nenhuma distância histórica nos permitirá compreender plenamente uma derrota tão absoluta da humanidade", escreve Lucio Caracciolo, diretor da Revista Limes, em artigo publicado por La Repubblica, 08-11-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Hoje, quando a “história” e muitas vezes brandida como arma dessa ou daquela causa que se supõe absolutamente justa, Andrea Riccardi escreveu um importante livro de história sem aspas. Ainda mais relevante por se referir a um tema, o dos silêncios de Pio XII diante do extermínio dos judeus, sobre o qual, ao lado de tanta historiografia séria e humilde, há décadas foram se espalhando publicações de estilo jurídico. Como se se tratasse de condenar ou absolver aquele romano que, como bispo de Roma, viu sob suas janelas a deportação de judeus romanos em 16 de outubro de 1943. E ficou em silêncio.
O historiador francês Pierre Milza, autor de uma biografia recente do Papa Pacelli, não escapou à tentação jurídica, sentenciando um "improcedente" que os malignos consideraram pilatesco. Riccardi observa e objeta: "O trabalho do historiador não é o de um juiz e não termina com uma sentença". Acima de tudo, "não há sentenças julgadas".
A riqueza e a novidade desse estudo derivam da deliberação das fontes de arquivo finalmente liberadas pelo Vaticano, depois de demasiado e contraproducente sigilo. Para alimentar as piores suspeitas sobre o papa e a cúria da época. O fundador da Comunidade de Santo Egídio, que dedicou a maior parte de seus livros à história da Roma moderna e contemporânea, nos leva à "ilha do Vaticano" cercada pelos alemães. É dentro dos muros da Cidade Leonina que acontece o drama intitulado La guerra del silenzio: Pio XII, il nazismo, gli ebrei (A guerra do silêncio: Pio XII, o nazismo, os judeus). Silêncio que, no entanto, não pode obscurecer a obra de milhares de religiosos que em Roma e no domínio do Terceiro Reich salvaram a vida de inúmeros perseguidos, não apenas judeus. Com o apoio convicto do papa.
La guerra del silenzio: Pio XII, il nazismo, gli ebrei
Uma obra que, aliás, segundo a apologética do Vaticano e parte da crítica secular, teria sido muito mais difícil se Pacelli tivesse excomungado Hitler. Riccardi parte da reconstrução do contexto em que ler os silêncios de Pacelli, ou seja, a escolha de não condenar urbi et orbi o extermínio dos judeus. E os massacres nazistas em geral, como aquele perpetrado contra a própria nação polonesa católica.
De João XXIII em diante, estamos acostumados a papas que parecem estrelas midiáticas. Comunicadores com irradiação imediata e universal. Não é o caso de Pio XII e das hierarquias com ele empoleiradas no Estado do Vaticano. Habitantes do mundo estreito dos palácios sagrados, que algum efeito sobre sua amplitude de visão terá induzido. Especialmente na Roma chamada "aberta", mas de fato oprimida sob o calcanhar nazista entre setembro de 1943 e junho de 1944. Riccardi estabelece: "Pio XII estava dentro de um horizonte conceitual católico: prestava relativa atenção a fenômenos históricos fora da Igreja".
A autointerpretação de seu próprio silêncio oferecida pelo papa talvez menos tomador de decisões do século XX centra-se na tese do ad mala maiora vitanda. Lógica do mal menor. Ética da responsabilidade - mesmo que o papa não possa recorrer a Max Weber - prevalecendo sobre a convicção de que o nazismo seja do diabo. Tradução: se eu tivesse condenado aqueles torturadores, eles teriam retaliado com crueldade multiplicada contra os judeus e outros "subumanos", especialmente os eslavos. E contra a própria Igreja.
Argumento discutível. Filho da primeira virtude cardeal, aquela da prudência que o ambiente curial, especialmente em suas ramificações diplomáticas, cuidava com especial atenção. Também discutido por Pio XII no fórum interno e com os dignitários mais confiáveis. Isso é confirmado por seu sucessor, monsenhor Roncalli, quando relata que em 10 de outubro de 1941 o papa "me perguntou se seu silêncio sobre o comportamento do nazismo não estava sendo julgado mal". Questão estendida aos vértices da "ilha", que debatem em privado como resistir ao nazismo. Considerado por muitos como uma crença satânica de que, se vitoriosa, aniquilaria a Igreja. Por outros como odioso, mas útil paredão christianitatis contra a ameaça bolchevique. Por alguns sacerdotes abraçados apesar da fé proclamada.
"Toda manifestação pública é respondida por um endurecimento da perseguição", anota o "ministro das Relações Exteriores" Tardini, não um modernista, que considera as notícias sobre o extermínio "exageradas".
Ainda em 1946 Tardini escreve: "Já não houve insistência suficiente sobre as patifarias nazistas?". Já estamos na Guerra Fria e o inimigo é o comunismo ateu (mas também sua versão católica minoritária). Cabala judaica segundo alguns prelados afeiçoados à ambígua oração Pro perfidis Judaeis e dispostos à equação judeu = comunista. O arco de investigação do livro de Riccardi é muito amplo. Por exemplo, abarca a ambiguidade e o silêncio dos Aliados anglo-estadunidenses diante do Holocausto.
Fechando essas páginas profundamente instrutivas, fica a sensação de que nenhuma distância histórica nos permitirá compreender plenamente uma derrota tão absoluta da humanidade.
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O extermínio dos judeus e os silêncios de Pio XII. Artigo de Lucio Caracciolo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU