29 Outubro 2022
Na quinta-feira, 27, o Vaticano divulgou o documento de trabalho para a próxima etapa do Sínodo dos Bispos sobre a sinodalidade, convocado pelo Papa Francisco (disponível em português aqui), O documento oferece uma visão global do que os fiéis em todos os níveis da Igreja acreditam que precisa acontecer para que ela seja um verdadeiro lugar de inclusão.
A reportagem é de Elise Ann Allen, publicada em Crux, 27-10-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O documento, publicado em 27 de outubro e intitulado “Alarga o espaço da tua tenda (Is 54,2)”, é uma síntese dos relatórios das Conferências Episcopais nacionais, que compilaram os relatórios com base nas contribuições de cada diocese após uma fase inicial de consulta junto às comunidades paroquiais locais.
Ele servirá como documento de trabalho para a próxima etapa continental do Sínodo, na qual as Conferências Episcopais dos sete continentes realizarão assembleias para refletir e discutir o conteúdo do documento. Essas assembleias, então, apresentarão um novo relatório com base nessa discussão, que será usado para redigir o documento de trabalho para a etapa final e universal em Roma.
Tendo como título “Por uma Igreja sinodal: comunhão, participação, missão”, o Sínodo foi aberto pelo Papa Francisco em outubro passado e, em vez da típica reunião de bispos de um mês de duração no Vaticano, este Sínodo está se desenrolando em um processo de várias etapas, que se estenderá até 2024.
Uma fase diocesana inicial do processo durou de outubro de 2021 a abril de 2022 e foi concebida como um processo consultivo que ocorreu de acordo com certas diretrizes emitidas pelo Sínodo dos Bispos. Uma segunda fase, continental, começou em setembro passado e durará até março de 2023, quando as Conferências Episcopais continentais coordenarão e avaliarão os resultados das consultas diocesanas.
Uma fase final universal inicialmente concluiria o processo durante a reunião de 4 a 29 de outubro do ano que vem em Roma, mas o Papa Francisco recentemente estendeu o processo por um ano, o que significa que a fase universal final será concluída em 2024.
Embora seja notoriamente difícil de definir, a “sinodalidade” é geralmente entendida como um estilo de gestão colaborativo e consultivo, no qual todos os membros, clérigos e leigos, participam na tomada de decisões sobre a vida e a missão da igreja.
O documento da fase continental publicado na quinta-feira faz uma revisão geral positiva do processo sinodal até agora, afirmando que a participação em nível global “foi superior a todas as expectativas”, apesar das taxas de participação extremamente baixas, especialmente nas nações ocidentais.
No total, foram recebidas contribuições de 112 das 114 Conferências Episcopais e de todas as 15 Igrejas orientais católicas, assim como de 17 dos 23 dicastérios da Cúria Romana e de vários órgãos internacionais de superiores religiosos e movimentos leigos.
De modo geral, o documento destaca problemas antigos na vida da Igreja, como a falta de participação das mulheres e a falta de inclusão e acolhimento das chamadas categorias “marginalizadas”, como a comunidade LGBTQ e as famílias em situação irregular, incluindo casais divorciados e recasados.
Também ressalta os problemas contínuos relacionados aos escândalos dos abusos clericais, as disputas litúrgicas e o problema do clericalismo, assim como a disparidade entre ricos e pobres. Muitos relatórios das Conferências Episcopais indicam que os fiéis sentem que famílias e indivíduos ricos e instruídos são mais ouvidos do que aqueles sem instrução e menos abastados.
Entre os desafios ao processo sinodal, o documento afirma que, um ano depois, ainda há dificuldade em “compreender o que significa sinodalidade” e há resistência por parte de alguns fiéis e clérigos que são céticos em relação ao processo, acreditando que o Sínodo foi convocado com a intenção explícita de contestar o ensino da Igreja.
Ele também demandou maiores esforços ecumênicos e inter-religiosos, especialmente em lugares onde os católicos são uma pequena minoria, ou onde muitos ritos ou Igrejas cristãs diferentes estão presentes.
Embora o documento ofereça poucas soluções, ele afirma que muitos relatórios das Conferências Episcopais foram claros em sua visão da Igreja como “uma morada ampla, mas não homogênea, capaz de dar abrigo a todos, mas aberta, que deixa entrar e sair” [p. 16].
A Igreja, afirma, deve ser “capaz de uma inclusão radical, de pertença mútua e de profunda hospitalidade segundo os ensinamentos de Jesus” [p. 19], ideia que está no centro do processo sinodal.
Em termos de escuta e inclusão, o documento afirma que os grupos que muitas vezes se sentem excluídos são as mulheres, os divorciados recasados, os genitores solteiros, pessoas que vivem em um casamento polígamo, pessoas LGBTQ e homens que deixaram o sacerdócio, assim como os pobres, os idosos, os povos indígenas e migrantes, os viciados em drogas e álcool e as vítimas de tráfico.
Muitas vezes, a voz desses grupos “esteve ausente no processo sinodal e aparecem nas sínteses só porque outros falam deles, lamentando a exclusão” [p. 23], diz o documento.
O documento também destaca a necessidade de ouvir mais atentamente os jovens e as pessoas com deficiência, e oferecer maior “acolhimento e proteção” às mulheres e aos filhos de padres que romperam o voto do celibato e que estão “em risco de sofrer graves injustiças e discriminações” [p. 21].
Outros grupos excluídos mencionados são os sobreviventes de abuso, incluindo o abuso clerical e o abuso que ocorreu em outros ambientes, assim como os presos e aquelas pessoas que sofrem discriminação e violência com base em raça, etnia, gênero, cultura e sexualidade.
A sinodalidade, diz o relatório, “é um chamado de Deus a caminhar juntos com toda a família humana” [p. 24], independentemente da fé ou da origem cultural.
Para esse fim, o relatório destaca problemas relacionados ao tribalismo, sectarismo, racismo, pobreza e desigualdade de gênero na vida da Igreja e do mundo, e ressalta o papel que a Igreja pode desempenhar nos esforços de construção da paz.
“Muitas sínteses sublinham que não há sinodalidade completa sem unidade entre os cristãos” [p. 26], diz o relatório, afirmando que, para muitas Conferências Episcopais, essa unidade “começa com o apelo a uma comunhão mais estreita entre Igrejas de diferentes ritos”.
O tema da inculturação também foi mencionado. Alguns, como as Conferências Episcopais do Laos e Camboja, pedem “uma abordagem intercultural mais consciente” para a vida e o ministério da Igreja, e uma maior integração das culturas locais, especialmente na liturgia.
O clericalismo também é sinalizado como uma questão importante no documento, que diz que muitos relatórios das Conferências Episcopais expressaram o desejo de “sacerdotes mais bem formados, mais bem acompanhados e menos isolados” e chamaram o clericalismo de uma forma de “empobrecimento espiritual, uma privação dos verdadeiros bens do ministério ordenado e uma cultura que isola o clero e prejudica os leigos” [p. 30].
A mentalidade clerical, segundo o documento, separa os fiéis de Deus e prejudica as relações entre os batizados, “produzindo rigidez, apego ao poder em sentido legalista e um exercício de autoridade que é mais poder do que serviço” [p. 30].
Observando que o clericalismo pode ser “tanto uma tentação para os clérigos como para os leigos”, o documento diz que a solução é conceber novas formas de liderança que sejam de natureza mais colaborativa.
Uma das questões mais proeminentes mencionadas no documento é o desejo dos fiéis por “uma conversão da cultura da Igreja”, particularmente em relação às mulheres.
“Este é um ponto crítico no qual existe uma consciência crescente em todas as partes do mundo” [p. 30], diz o documento, observando que os relatórios de todos os continentes incluíam um apelo para que as mulheres, leigas e religiosas, sejam valorizadas como “membros do Povo de Deus com igual dignidade” [p. 31].
O documento destaca dois desafios específicos no que se refere às mentalidade clerical. O primeiro é o fato de que elas são a maioria dos que participam das liturgias e das atividades da Igreja, enquanto os homens são uma minoria, mas a maioria das tomadas de decisão e dos cargos de liderança são ocupados por homens.
“É claro que a Igreja deve encontrar o modo de atrair os homens a uma pertença mais ativa na Igreja e permitir às mulheres participar mais plenamente em todos os níveis da vida da Igreja” [p. 31], diz o documento, mas observando que, embora todos os relatórios tenham mencionado essa questão, nenhum concordou com uma solução “única e exaustiva”.
Muitos relatórios pedem que a Igreja continue contemplando como as mulheres podem ter papéis ativos nos órgãos governamentais da Igreja e que elas tenham a possibilidade de ter acesso a uma “adequada formação de pregar no âmbito paroquial” [p. 32] e de serem ordenadas ao diaconato feminino.
Há uma variedade de opiniões sobre a ordenação presbiteral de mulheres, “que algumas sínteses desejam, enquanto outras a consideram uma questão fechada” [p. 32], afirma o documento, observando que também há um apelo para reconhecer mais abertamente o que as mulheres já fazem.
O documento observa que há várias tensões sobre diferenças de opinião sobre certos aspectos da vida da Igreja, mas insiste que tais tensões não são nada a temer, mas devem ser aproveitadas “como uma fonte de energia, sem que se tornem destrutivas” [p. 35].
Indica-se que algumas mudanças legais podem estar por vir, afirmando-se que a Igreja “tem necessidade de dar uma forma e um modo de proceder sinodal também às próprias instituições e estruturas, particularmente de governo” [p. 35], e que o Direito Canônico precisará acompanhar esse processo, “também através das necessárias modificações das ordens atualmente em vigor”.
Embora não defina o que é uma “prática” ou estrutura sinodal, o documento afirma que há uma falta de “práticas sinodais estabelecidas” em nível continental e diz que isso deve ser abordado.
Em nível local, os conselhos pastorais e os conselhos econômicos e diocesanos são um bom passo que ajudará a promover a sinodalidade e a transparência, diz o documento, afirmando que essas entidades são “indispensáveis” e devem ser “lugares institucionais de inclusão, diálogo, transparência, discernimento, avaliação e responsabilização de todos” [p. 37].
Para que isso ocorra, as decisões devem ser tomadas “com base em processos de discernimento comunitário e não segundo o princípio de maioria tal como é utilizado nos regimes democráticos” [p. 37], afirma.
O documento também destaca a necessidade de profissionais mais competentes trabalhando nas áreas das questões econômicas e de governo, e sugere que universidades e instituições acadêmicas pesquisem e elaborem programas educacionais baseados na sinodalidade.
Os relatórios das Conferências Episcopais, diz o documento, pedem predominantemente uma “formação contínua que sustente uma generalizada cultura sinodal” [p. 38] e sugeriram a ideia de estabelecer “agentes e equipes sinodais” e cursos sobre sinodalidade para as pessoas escolhidos para cargos de liderança, especialmente padres.
Também são destacadas no documento as tensões litúrgicas em curso. A Conferência dos Bispos dos Estados Unidos (USCCB) aponta especificamente para as divisões em torno das reformas do Papa Francisco sobre a missa tradicional em latim.
Em seu relatório, os bispos dos Estados Unidos afirmaram que “as divisões sobre a celebração da liturgia refletiram-se nas consultas sinodais” e que “infelizmente, a celebração da Eucaristia é também vivida como motivo de divisão no interior da Igreja. No âmbito litúrgico, a questão mais comum é a celebração da Missa pré-conciliar” [p. 41-42].
Segundo os bispos estadunidenses, “lamentam-se as limitações ao uso do Missal de 1962; muitos consideram que as diferenças quanto ao modo de celebrar a liturgia por vezes atingem o nível da animosidade. Pessoas que se situam tanto num como no outro lado referem que se sentem julgadas por quem tem uma opinião diversa” [p. 42].
À luz dessas disputas, o documento insiste que a Eucaristia, como sacramento de unidade e de amor em Cristo, “não pode se tornar motivo de confronto ideológico, fratura ou divisão” [p. 42].
Segundo o documento, muitos relatos defendem a implementação de “um estilo sinodal de celebração litúrgica que permita a participação ativa de todos os fiéis no acolhimento de todas as diferenças, na valorização de todos os ministérios e no reconhecimento de todos os carismas” [p. 41].
As questões a serem abordadas nessa busca incluem “a reflexão sobre uma liturgia demasiado centrada no celebrante, as modalidades de participação ativa dos leigos, o acesso das mulheres a papéis ministeriais”.
Outras questões relacionadas com a liturgia também foram mencionadas, como o “protagonismo” do padre e o consequente risco de a congregação se tornar passiva demais, e a qualidade das homilias, que “é assinalada, quase unanimemente, como um problema” [p. 42].
A incapacidade de alguns, como os casais divorciados e recasados e as pessoas em um casamento polígamo, de receber os sacramentos também foi destacada como uma preocupação.
Em relação ao que vem em seguida, o documento afirma que a etapa continental do Sínodo que acaba de começar se concentrará em três questões principais:
- “Depois de ter lido o DEC [Documento para a Etapa Continental] em ambiente de oração, quais intuições ecoam, de modo mais intenso, com as experiências e as realidades concretas da Igreja do seu continente? Quais as experiências lhes aparecem novas ou iluminadoras?”.
- “Depois de ter lido o DEC e fazer uma pausa em oração, quais tensões ou divergências substanciais surgem como particularmente importantes na perspectiva do seu continente? Consequentemente, quais são as questões ou interrogações que deveriam ser enfrentadas e tomadas em consideração nas próximas fases do processo?”.
- “Olhando para aquilo que emerge das duas perguntas precedentes, quais são as prioridades, os temas recorrentes as prioridades, os temas recorrentes e os apelos à ação e os apelos à ação que podem ser partilhados com outras Igrejas locais no mundo e discutidos durante a Primeira Sessão da Assembleia Sinodal em outubro de 2023?”
Como parte dessa etapa, serão realizadas assembleias em todos os sete continentes, e cada assembleia continental elaborará um documento final com base em suas reflexões.
Os documentos finais dessas sete assembleias continentais servirão de base para a elaboração do Instrumentum laboris (documento oficial de trabalho) para a etapa universal. O Instrumentum laboris deve ser concluído até junho de 2023.
Fiéis em todos os níveis participarão das assembleias continentais, afirma o documento, pedindo que as reuniões “sejam eclesiais e não meramente episcopais, assegurando que a sua composição represente adequadamente a variedade do Povo de Deus” [p. 48].
Na preparação para a etapa universal do Sínodo no ano que vem, o documento da etapa continental será enviado a todos os bispos diocesanos, a quem se pedirá que realizem um “processo de discernimento” sobre ele com base nas três questões-chave.
As Conferências Episcopais, então, recolherão e resumirão essas reflexões, e as sínteses serão partilhadas com as assembleias continentais. Ao final de cada assembleia, um documento final de 20 páginas será redigido e enviado a Roma, com prazo de 31 de março de 2023.
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Novo documento sinodal destaca desafios, mas oferece poucas soluções - Instituto Humanitas Unisinos - IHU