14 Outubro 2022
O Superior Geral dos Redentoristas, Pe. Rogério Gomes, C.Ss.R, pede, em carta, coragem aos Redentoristas do Brasil e afirma que a situação política do país não pode ser indiferente para os missionários.
Queridos Confrades e Formandos,
1. Estamos vivendo um período de nossa história muito complexo e desafiador. No entanto, não devemos ter medo! Esse é o nosso tempo, kairós, doado por Deus para que escrevamos a história com as tintas da copiosa redenção. Certamente, sentimo-nos como os discípulos na barca em meio ao mar bravio e vendo Jesus dormindo na popa (cf. Mc 4,35-41). Talvez, como eles, desesperamo-nos, queremos uma resposta rápida: “Mestre, não te importa que pereçamos?” Mas ele continua sereno com a sua presença. Em meio do mar bravio da história, Ele dorme em nossa barca, acompanhando-nos e provocando-nos: “Por que estais com tanto medo? Ainda não tendes fé?”. Ele está conosco, repreendendo os ventos, guiando-nos!
2. Nesse turbilhão de acontecimentos, vivemos um fenômeno que devemos estar muito atentos: a erosão da democracia, a utilização da religião como manipulação da realidade e para impor o medo e a exclusão dos pobres. Essa realidade deve nos fazer pensar. Temos que ser sapientes como filhos da luz. “Enquanto tendes a luz, crede na luz, para vos tornardes filhos da luz” (Jo 12,36). Somos formadores de consciência e devemos ajudar o Povo de Deus a distinguir o joio do trigo, muitas vezes, na forma de fake news.
3. Fake news é uma verdade enquanto forma, mas privada de veracidade em sua essência na qualidade do conteúdo, de modo que não se sustenta ao ser confrontada pelo crivo da razão e pela autenticidade por não ser coerente com os dados e com a realidade objetiva, sendo passível refutá-la. A propagação de fake news pode ser correlacionada ao pecado contra o nono mandamento: “não levantar falso testemunho!” Trata-se de um enorme desserviço à verdade.
Como formadores de consciência, não devemos contribuir com essa praga e sim cortar esse ciclo de mentiras e desinformação que engana as pessoas, especialmente aquelas que são vulneráveis à manipulação e são usadas politicamente para auferir votos, com a promessa de uma vida melhor.
4. O Papa Francisco afirma que “o drama da desinformação é o descrédito do outro, a sua representação como inimigo, chegando-se a uma demonização que pode fomentar conflitos. Deste modo, as notícias falsas revelam a presença de atitudes simultaneamente intolerantes e hipersensíveis, cujo único resultado é o risco de se dilatar a arrogância e o ódio. É a isto que leva, em última análise, a falsidade”.1
5. Outra forma perversa de manipulação é o uso da religião como forma de violação da intimidade, da coação e de medo. A religião tem uma função importante na vida humana como busca de sentido na vida e libertação das idolatrias. Porém, manipulada, pode se converter em adoração de ídolos, opressão e banir do horizonte humano o Deus verdadeiro, aquele que ouve o clamor do seu povo (cf. Ex 3,7).
Na conjuntura atual, a máxima de Karl Marx ganha sentido, a “religião é o ópio do povo”. Poderíamos dizer: a religião manipulada é o ópio do povo! Nunca o segundo mandamento foi tão profanado como nos tempos atuais: “não tomar o seu santo Nome em vão!” Como acreditar no Deus verdadeiro e defender armas, perseguir as religiões ancestrais, destruir a mãe natureza, não investir em políticas públicas de saúde, educação, ciência e políticas sociais em favor dos mais pobres e desenvolvimento do país? Como acreditar no moto “a verdade que liberta” (Jo 8,32), no entanto, convivermos com a inundação da mentira que engana as pessoas e maquia a realidade? Como é possível afirmar ser contra o aborto, mas defender a morte de negros, indígenas, homossexuais, mulheres, a pena de morte, acobertar a violência doméstica, reafirmar o machismo, fomentar o preconceito contra os nordestinos e as minorias e provocar a mistanásia social? A doutrina da Igreja é clara ao afirmar a inviolabilidade e a dignidade da vida desde a sua concepção até a morte natural (cf. JOÃO PAULO II. Evangelium vitae, n. 2).
6. Por isso, nós Redentoristas, nesse período conturbado, temos uma missão profética, a de sermos fiéis ao Evangelho para formar consciência em fidelidade ao espírito do fundador, ao nosso carisma e ao serviço à Igreja, utilizando-nos de todos nossos meios justos para ajudarmos as pessoas a fazerem bons discernimentos e a tomarem as melhores decisões. Não tenham medo de se lançarem nesse serviço sublime! Não podemos deixar que os pobres morram lenta e agonizante!
7. O lema escolhido pelos Capitulares do XXVI Capítulo Geral para o sexênio é Missionários da Esperança nos passos do Redentor. “A esperança não decepciona, porque o amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que ele nos deu” (Rm 5,5). Assim, somos chamados, nos passos do Redentor, a sermos a voz incômoda da profecia que enxerga o horizonte de Deus nas convulsões da história e não nos deixa perder a fé no ser humano, mas sermos samaritanos que não se esquecem dos feridos pela violência do sistema iníquo (cf. Lc 10,25-37). Desse modo, como diz São Paulo a Timóteo: “se, com efeito, penamos e combatemos, é porque colocamos nossa esperança no Deus vivo, o Salvador de todos, sobretudo dos que creem. É isto que deves proclamar e ensinar” (1Tm 4,10-11). Hoje, nossa esperança deve contemplar os que creem, os indiferentes, os que não acreditam e os que ainda nunca ouviram falar de Deus (cf. Const. 3). Vale recordar que “o mandato conferido à Congregação de evangelizar os pobres visa a libertação e a salvação da pessoa toda. Os membros da Congregação têm como incumbência o anúncio explícito do Evangelho e a solidariedade com os pobres, a promoção de seus direitos fundamentais na justiça e na liberdade com o emprego dos meios que sejam, ao mesmo tempo, conforme o Evangelho e eficazes” (cf. Const. 5).
8. Sejamos missionários da Esperança a começar de nós mesmos, acreditando em nosso trabalho evangelizador, sem narcisismos, de modo que o Redentor seja a origem, o fundamento e a razão de nossa mística para que o anúncio seja frutífero e não caíamos no desânimo quando nos depararmos com a indiferença do mundo.
9. A situação política do Brasil não pode ser indiferente para nós! Está em jogo a dignidade de nossos interlocutores, os mais pobres e abandonados. Imbuídos do Espírito do Senhor (cf. Lc 4,16-19), é para eles que a Congregação existe. Abandoná-los é deixar morrer a profecia que grita dentro de nós e ecoa como voz dos pequenos! Se calarmos, as pedras gritarão (cf. Lc 19,40).
10. Que Nossa Senhora Aparecida, Rainha e Padroeira do Brasil, proteja o país da violência e do mal e desperte lideranças que escutem e trabalhem em favor dos mais pobres!
Fraternalmente no Redentor,
P. Rogério Gomes, C. Ss. R.
Superior General
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A situação política do Brasil não pode deixar os missionários indiferentes. “Não devemos ter medo!”, afirma Superior Geral dos Redentoristas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU