30 Setembro 2022
Entrevista com o coordenador do projeto Fé e Homossexualidade para a Igreja Católica belga, Willy Bombeek.
Willy Bombeek, 61 anos, se define como um homossexual e crente comprometido em sua fé.
A reportagem é de Beatriz Navarro, publicada por La Vanguardia, 26-09-2022.
Alguns homossexuais decidem permanecer solteiros, outros "optam por uma vida de casal", mas todos "merecem nosso reconhecimento e apoio", afirma o documento publicado na semana passada pelos bispos de Flandres (Bélgica), que propõem uma liturgia específica para a união de pessoas do mesmo sexo, uma verdadeira estreia no mundo católico.
“É revolucionário”, afirma com entusiasmo Willy Bombeek antes de se corrigir e enfatizar que “mais do que revolução, acho que devemos falar de evolução”. Tudo emana, insiste, de Amoris laetitia (A alegria do amor), exortação apostólica publicada pelo Papa Francisco em 2016. Silêncio em Roma: "Isso não entra em conflito com o Vaticano, nos baseamos em 'Amoris laetitia'".
Bombeek, que se define como homossexual e cristão comprometido, foi por 16 anos porta-voz da rede de educação católica flamenga. Como pessoa de confiança da Igreja belga, há dois anos foi convidado pelo arcebispo de Mechelen-Bruxelas, o Cardeal Jozef de Kesel, para criar um grupo de trabalho com vistas a aprofundar suas reflexões sobre a aceitação e o acolhimento de pessoas homossexuais. Suas sugestões, explica ao La Vanguardia, foram a base do documento publicado em 20 de setembro pelos bispos flamengos, que propõe um ritual para um momento de oração em que Deus é convidado a abençoar essas uniões.
"Agora tudo começa, fizemos o que o Papa nos pediu, acolher e aceitar". Isso não significa, esclarecem, equipará-los ao casamento religioso, em que os cônjuges devem ser homem e mulher, insistem os bispos flamengos, que pediram a todas as paróquias que criem pontos de acolhimento para ouvir os homossexuais e suas famílias. “Dói quando essas pessoas sentem que não pertencem à comunidade ou que estão excluídas dela, querem ser ouvidas e reconhecidas”, reconhecem os bispos flamengos.
Como crente e homossexual, o que você sentiu quando viu o documento?
Para mim foi muito emocionante. Nunca pensei que eles iriam tão longe, mesmo que eu quisesse. O que escreveram é um grande passo de abertura, mas dentro da fidelidade a Roma.
Não entra em conflito com o Vaticano?
Ano passado, a Congregação para a Doutrina da Fé decidiu que a Igreja não poderia abençoar essas uniões porque "Deus não abençoa o pecado". Não, em absoluto. Quando essa declaração foi publicada, perguntei aos bispos se isso afetava nosso mandato e eles nos disseram que não, que deveríamos continuar trabalhando na linha da Amoris laetitia, fielmente ao que o papa diz sobre ser uma Igreja que não exclui ninguém. O que o documento dos bispos fala é, literalmente, “um momento de oração para pedir a Deus que abençoe e perpetue esse compromisso de amor e fidelidade”. É o que diz e o que você tem que ler. Não tenho conhecimento de nenhuma reação oficial ou não oficial do Vaticano. Os bispos belgas farão em breve uma visita há muito planejada a Roma, talvez então o assunto seja discutido.
Na Bélgica, há padres que têm discretamente realizado cerimônias para casais homossexuais. Eles podem agora fazê-lo sem medo?
Sim. Durante minha pesquisa conversei com casais gays que são casados no civil e buscaram cobertura religiosa para sua união e com padres que o fizeram. Todos eles me disseram que se sentiam desconfortáveis com a autoridade. Mas os bispos sabiam que essa realidade existia e havia necessidade de acompanhamento, por isso é importante que lhes seja dado um ritual. Nós, homossexuais cristãos, queremos poder mostrar a Deus nosso compromisso com a fidelidade e fazê-lo em um lugar sagrado como a igreja, com um padre, com nossa família e amigos. Agora, graças a esse ritual, os sacerdotes ficarão mais à vontade e poderão conversar com os casais sobre como fazê-lo sem medo de ter problemas. Isso os tira do esconderijo porque já é oficial, não há motivo para escondê-lo. O mais importante para os casais homossexuais é poder demonstrar seu amor e compromisso como heterossexuais, não apenas civilmente, mas também do ponto de vista espiritual.
Os bispos o nomearam coordenador da Pastoral Familiar Interdiocesana.
Queremos criar um ministério e ouvir as pessoas e ver quais são as demandas, aí a gente conversa. As pessoas mais velhas com quem conversei sofreram muito, passaram mal. Eles se sentiram excluídos, rejeitados e humilhados, por isso é importante que sejam ouvidos. Os filhos desses casais também devem ser levados em consideração. Para eles também é importante que saibam que são aceitos. E o mesmo para os pais, porque a saída de um filho do armário também é deles.
Você acha que este passo pode ajudar a combater a homofobia que existe na sociedade de hoje, o mundo católico incluído?
Espero que sim, essa é pelo menos a vontade dos bispos. O texto fala da violência contra os homossexuais e preconiza a compreensão e a integração. Eles estão muito conscientes do problema que existe em alguns países africanos, por exemplo, onde manipulam a mensagem da Igreja para punir a homossexualidade até com pena de morte. Para mim, o mais importante é essa mensagem de aceitação e integração.
Você acha que o passo dado pelos bispos flamengos pode mudar as coisas dentro da Igreja Católica?
O que tenho visto nos últimos dias é incrível, nunca pensei que teria um impacto tão global em nível da imprensa. O que acontece, e tenho orgulho disso, é que é a primeira vez que uma Igreja, os bispos de uma comunidade local, dizem aos gays que são bem-vindos como são, que é uma Igreja que acolhe, que quer estar próximo no nível pastoral e não exclui ninguém. Agora tudo começa. Agora existe um texto, vamos ver como ele se forma e como evolui. Mas esse texto é moldado. Digamos que o maior passo já foi dado e se puder inspirar outros, será bem-vindo. Só podemos estar satisfeitos, fizemos o que o papa nos pediu para fazer, testemunhar a nossa fé, acolher e aceitar.
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Willy Bombeek: "A liturgia dos bispos belgas tira os gays do esconderijo" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU