27 Setembro 2022
"Os bispos flamengos escreveram um texto corajoso, mas parcial, por prudência pastoral", escreve o teólogo italiano Andrea Grillo, professor do Pontifício Ateneu Santo Anselmo, em artigo publicado no blog Come Se Non, 24-09-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Segundo ele, "os bispos flamengos compartilham com o Responsum um erro ao considerar a bênção, que parece mais um negócio jurídico a ser evitado do que uma oração com a qual se reconhece o bem".
O teólogo defende que "o nosso tempo deve recuperar a autonomia medieval das ordens naturais e civis e recuperar a qualidade de oração da bênção".
Em uma cena do Dom Carlos de Giuseppe Verdi Rodrigo canta estas palavras para o rei Filipe:
“O signor, di Fiandra arrivo,
Quel paese un dì sì bel;
D’ogni luce or fatto privo.
Spira orror, par muto avel!”
Após a divulgação do documento dos bispos flamengos sobre os casais homossexuais e a oração eclesial sobre eles, dos sítios tradicionalistas foi um contínuo coro às palavras de Rodrigo: os bispos destroem a Flandres, são hereges, realizaram um cisma, não levam em conta o magistério romano.
O documento em apenas duas páginas concentra um discurso muito equilibrado e que talvez tenha apenas um limite: ao contrário das acusações de não ter levado em conta o Responsum da Congregação no ano passado, acho que se deixou condicionar excessivamente por ele, como tento explicar nestas minhas breves reflexões.
É preciso dizer desde já que se trata de um texto lúcido, corajoso, efetivamente aberto a novas soluções e que parece claramente dividido em duas partes. Uma primeira parte apresenta uma pastoral do acompanhamento de pessoas e casais homossexuais, enquanto a segunda, mais curta, formula algumas hipóteses de oração eclesial para esses casais e com esses casais.
Quanto à primeira parte, é notável o recurso a repetidas citações de Amoris laetitia, à luz da qual se interpreta a pastoral para as pessoas homossexuais. Em particular, deve-se destacar a citação da AL 303, o famoso texto que justifica a possibilidade de que a vontade de Deus não se identifique com a ordem da lei objetiva. Essa citação é importante, pois na segunda parte, dedicada à oração, de certa forma é desmentida. Vou tentar explicar o porquê.
Recorde-se que se trata de um documento episcopal, que necessita da prudência do caso e, por isso, ao contrário do que tem sido afirmado por vários comentadores, leva em conta aquela “lei objetiva” que é o Responsum. Essa lei, de fato, que declara que a Igreja não tem o poder de abençoar os casais homossexuais, baseia-se em um silogismo falso. Depende de uma analogia entre sacramentais e sacramentos que é transformada em uma identidade. Seria como dizer que, como o macaco tem analogias com o homem, então o macaco é um homem. No entanto, os bispos flamengos são muito cuidadosos em nunca falar de bênçãos: a oração eclesial dos casais homossexuais e com os casais homossexuais assume a forma de ação de graças, louvor, súplica, intercessão, mas nunca de bênção.
Nesse sentido, os bispos flamengos compartilham com o Responsum um erro ao considerar a bênção, que parece mais um negócio jurídico a ser evitado do que uma oração com a qual se reconhece o bem.
Uma longa história pode explicar esses equívocos. Até 1563 a forma do sacramento era a bênção, enquanto os negócios jurídicos eram deixados à natureza e à cidade. Depois de 1563, a Igreja Católica pretendeu absorver tudo no sacramento: natureza, cultura e fé. Mas assim marginalizou precisamente a bênção, que já não é mais o centro do sacramento. O nosso tempo deve recuperar a autonomia medieval das ordens naturais e civis e recuperar a qualidade de oração da bênção.
Os bispos flamengos escreveram um texto corajoso, mas parcial, por prudência pastoral. Mas devemos sempre lembrar que obedecer a uma lei injusta jamais nos torna justos.
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Flandres e o Responsum: luzes e sombras. Artigo de Andrea Grillo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU