14 Setembro 2022
"No plano pessoal trata-se de uma experiência única, uma imersão total na pluralidade do cristianismo global que se concentra em um espaço físico comum. Roupas de todos os estilos, línguas e culturas diferentes, cultos esplêndidos, muito bem cuidados para propiciar, inclusive visualmente, o aparecimento dessa pluralidade espiritual enriquecedora com força”. O pastor valdense Michel Charbonnier acaba de voltar de duas semanas intensas na Alemanha, em Karlsruhe, onde se realizou a 11ª Assembleia Geral do Conselho Ecumênico das Igrejas (Cei), o grande organismo que reúne mais de 350 igrejas de 120 nações e que desde 2013 não realizava o seu encontro mais importante.
"Levo para casa todas essas relações, este colocar-se em jogo de todos os presentes diante do mundo à nossa frente: um exercício laborioso, mas uma boa dose de esperança resulta ao ver tantas pessoas que acreditam profundamente nesse processo de encontro: cruzam-se grandes questões teológicas e geopolíticas, no que me parece de certa forma um reflexo matizado, temporário, falacioso por ser humano, do reino de Deus, na direção em que todos nós crentes deveríamos tentar caminhar”. Membro do Comitê Central, principal órgão de governo do Cei até a próxima Assembleia, Charbonnier observa que o encontro foi também "um belo campo de treinamento para o diálogo e também um lugar onde se vive a tensão saudável das partes: o lugar seguro de encontro deve andar lado a lado com o fato de falar a verdade, falar a verdade com parrésìa fraterna. Por isso, é justo que queira oferecer-se como espaço de diálogo, que depois deve ser acompanhado pela franqueza em nossas conversas”.
A entrevista é de Claudio Geymonat, publicada por Riforma, 16-09-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
As sessões plenárias com discussões relacionadas com os vários documentos a aprovar foram um contínuo exercício de mediação, diálogo e escuta, por vezes talvez com o resultado de certa falta de contundência direta devido à extrema atenção a diferentes sensibilidades. Nesse sentido, várias vozes indicaram uma falta de coragem nos textos produzidos.
“Aqui, na minha opinião, está uma das fragilidades desse encontro: não se ter falado tudo, não se ter falado sempre com verdade. Acredito que uma das causas se deve ao fato de estarmos na Europa e ter surgido justamente uma extrema fragilidade das igrejas europeias em termos de sua capacidade de articular sua própria identidade, de dizer o que somos, mesmo em situações críticas. Na minha opinião, as igrejas europeias estão enfraquecidas pelo consenso. Temos crises generalizadas, igrejas vazias e, como sociedade, somos culpados de ter perpetuado um sistema econômico injusto, em casa e em todo o mundo: pelas declarações, parece que nada disso existe. Na minha opinião, trata-se de uma grande oportunidade perdida de fazer um exame de autoconsciência séria e se deixar ajudar pelo cristianismo reunido. Uma grande ação de remoção está ocorrendo, falamos que está tudo bem, apenas para depois deixar que o resto do mundo nos dite a agenda. Estou pensando nas posições matizadas sobre a Rússia, na dificuldade em definir como apartheid o que Israel põe em prática contra a população palestina, nas muitas timidezes nas análises aprofundadas de várias questões, a começar pela migração. A oportunidade foi perdida também na escolha dos vários órgãos representativos: falta uma verdadeira igualdade de género, falta uma distribuição geográfica justa, tudo ainda parece muito eurocêntrico, mas os documentos aprovados diziam e pediam mais”.
Em várias ocasiões, muitas intervenções dos delegados asiáticos, latino-americanos e africanos lembraram de fato a necessidade de ampliar nosso olhar para as muitas injustiças presentes na Terra, para as muitas guerras esquecidas, para o drama das populações indígenas que pagam na própria pele pela devastação decorrente das mudanças climáticas, cujas causas são geradas a milhares de quilômetros de suas terras, para sociedades inteiras ainda de fato submetidas a tratamentos coloniais.
Charbonnier pôde apresentar os resultados de um grupo de trabalho entre o Cei e a Igreja Católica, um grupo de cerca de vinte pessoas que, entre uma Assembleia e outra, realiza uma reflexão comum entre esses dois organismos e que surgiu logo após o Concílio Vaticano II, “na tentativa de aconselhar as respectivas partes a melhorar a colaboração e a compreensão mútua no âmbito ecumênico por meio de documentos de orientação teológica para orientar o trabalho e as práticas comuns das respectivas famílias. Os dois temas de aprofundamento escolhidos para esse encontro parecem hoje quase proféticos: a construção da Paz e as migrações humanas”.
A Assembleia foi, portanto, "um momento para recarregar as baterias espirituais, para continuar trabalhando pela reconciliação, uma das palavras-chave que emergiu várias vezes, sabendo bem que na Bíblia os episódios de reconciliação podem ser contados nos dedos de uma mão, e nos explicam que a verdadeira reconciliação passa por uma mudança radical em sua identidade, não daquela do outro".
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A fragilidade das igrejas europeias. Entrevista com Michel Charbonnier - Instituto Humanitas Unisinos - IHU