18 Agosto 2022
"Para compreender um amor tão repentino pela guerra parece que devemos recorrer aos mitos antigos: o homem que cede a eles se deixa levar por sua origem pagã".
O artigo é de Mario Giro, cientista político italiano, professor de Relações Internacionais na Universidade para Estrangeiros de Perugia, membro da Comunidade de Santo Egídio e ex-vice-ministro italiano das Relações Internacionais, publicado por Domani, 17-08-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Avança em nosso mundo contemporâneo “um terrível amor pela guerra”, para usar o título do ensaio de James Hillman.
Taiwan, Bósnia, Kosovo, Caucaso, Síria, Oriente Médio, Gaza, Curdistão, Iêmen...todos os conflitos se reacendem um após o outro, mesmo aqueles parados há décadas, quase sempre por motivos fúteis como as placas automobilísticas em Mitroviça.
A viagem da presidente do Congresso Nancy Pelosi a Taipei suscitou uma enxurrada de reações, determinou a ira dos chineses que começar a mexer com mísseis, caças e cruzadores com o risco de beirar o acidente fatal.
A Coreia do Sul e o Japão - aliados de ferro dos Estados Unidos - também não fizeram segredo de sua irritação pela provocação inútil.
A guerra na Ucrânia, com seus riscos nucleares, contagiou o mundo, a começar por grande parte do nosso establishment midiático que não perde uma oportunidade para incitar à guerra como se fosse a única e mais justa solução.
Nas análises e nos editoriais, a improvisação reina soberana: prova disso é a excitação dos raciocínios e a raiva que transparece sempre que alguém se opõe. Em vez de debater, se culpa, se acusa, se denuncia por traição.
Para compreender um amor tão repentino pela guerra parece que devemos recorrer aos mitos antigos: o homem que cede a eles se deixa levar por sua origem pagã.
A questão é se a guerra está enraizada na cultura humana e/ou necessária para a sociedade.
Sem chegar ao manifesto futurista de Marinetti ("queremos glorificar a guerra - a única higiene do mundo - o militarismo, o patriotismo, o gesto destruidor dos libertários, as belas ideias pelas quais se morre e o desprezo pela mulher"), parece justamente estarmos diante da remoção da consciência pacificadora nascida após a Segunda Guerra Mundial, em favor de uma ideia em que a guerra volta a ser a triste companheira da história humana e um destino inelutável ou irreversível.
A guerra torna-se assim, como dizia René Girard, aquela emoção que unifica uma sociedade e constrói a unanimidade na violência. O ato fundador da violência constrói o consenso: patriotismo exasperado, nacionalismo de ódio às pátrias alheias (sejam elas étnicas, religiosas ou culturais), guerra preventiva e assim por diante.
Como bem sabe quem que já passou por uma guerra, quando um conflito eclode, todos são tomados pelo estresse do combate que depois se transforma em estresse pós-traumático: não se raciocina mais com lucidez.
Aqueles que se deixam arrebatar por esse engodo pensam que não há solução prática à guerra, porque a consideram como a verdade arquetípica do homem.
O inumano se coloca no lugar do homem, se disfarça de humano. O amor à guerra avança sempre camuflado (por amor a si mesmo, vitimismo, ressentimento, nostalgia etc.): deve ser desmascarado o quanto antes para revelar seu embuste.
Não existe guerra santa ou justa: somente a paz é santa e justa.
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Avança aquele terrível amor pela guerra. Artigo de Mario Giro - Instituto Humanitas Unisinos - IHU