06 Junho 2022
Era um segredo aberto, e o Cardeal Maradiaga verbalizou sem hesitação em 1º de junho: "Há uma greve na Cúria diante da reforma trazida pela Praedicate Evangelium", que entra em vigor em 5 de junho. Embora como o coordenador do Conselho dos Cardeais do Papa Francisco também tenha acrescentado: "Uma coisa é entrar em vigor, e outra é ser posto em prática, e não pode ser posto em prática com as pessoas que lá estão atualmente." Pancadas de grosso calibre do cardeal hondurenho, sempre livre e agora, seis meses antes de completar 80 anos, sem medo.
A reportagem é de José Lorenzo, publicada por Religión Digital, 05-06-2022.
Mas por que Bergoglio encontra essas resistências? Existe realmente uma cúria paralela? Ele era muito permissivo com alguns cardeais críticos que espalhavam a sombra de dúvida entre os curiais sobre a figura do Pontífice? Teve êxito nas suas nomeações, soube rodear-se de uma equipe em que confiar e delegar, ou teve a sua indiscutível liderança e tomada de decisão ofuscadas ou desacreditadas? Ou este Papa é simplesmente avançado demais para uma cúria que, como ainda acontece em tantos países, ainda segue o estilo de João Paulo II?
Talvez seja uma mistura de várias dessas questões. O que é indubitável, e muito perceptível na Espanha, é que há muitos bispos que são chamados a fazer sua própria "conversão pessoal e pastoral", mas que, no entanto, estão esperando a mudança de ciclo, que se sente mais próxima.
Eles veem nesta reforma um novo mar de regras que reduz suas atribuições, ataca o clericalismo desde a base e os deixa, em muitos aspectos, em pé de igualdade com os leigos, de quem continuam a desconfiar; assim, como Maradiaga denunciou, não se oporão ao texto, mas cruzarão os braços, deixarão que sua essência fique no papel.
Por isso, a primeira reunião do Conselho dos Cardeais, no início de maio, com a presença de Francisco, concentrou-se apenas em um aspecto: como implementar o conteúdo da reforma, como garantir que ela seja aplicada e que as conferências episcopais a façam sua, a partir delas, as dioceses.
Mas, para isso, a primeira coisa é começar mudando as pessoas, razão pela qual se esperam mudanças importantes durante o próximo mês de agosto, também o mês em que, não por acaso, Francisco convocou todos os cardeais a Roma, aproveitando o consistório, para se reunir com eles por dois dias (dias 29 e 30) para pedir que se envolvam na aplicação do Praedicate Evangelium.
"Há um modelo de gestão que está em colapso", diz uma fonte curial. Refere-se à política de nomeações realizada até agora. “O problema é que o Papa confia nas primeiras impressões e às vezes se engana com as pessoas que escolhe, mas ninguém se atreve a alertá-lo. Há muita contradição interna, os processos são complicados, muitas nomeações são retardadas e isso acaba gerando outro tipo de carreirismo, das pessoas ao seu redor, e é isso que te surpreende.”
Esta fonte curial, próxima a ele e em sintonia com a marca que está deixando em seu pontificado, a quem reconhece pessoalmente "seu valor, liderança e humanidade", também vê, no entanto, que embora Francisco o pretenda, "ele não chega a tudo e isso cria uma certa paralisia”, algo que foi evidenciado nas últimas semanas por seus dolorosos problemas no joelho.
“Dá a sensação de que ele não foi capaz de criar seu próprio time ou traçar uma linha que todo mundo vai e anda. João Paulo II fez isso: 'Todos que estão atrás de mim, e aqueles que não estão, saiam!' Esse era o seu espírito. Francisco exerce essa liderança, mas não há quem o siga, são feitas nomeações de pessoas que não têm nível suficiente. Por exemplo, ele tem sido muito paciente com Burke, com Müller, mas claro, se depois você colocar Ladaria…”, critica.
Então, embora mais ou menos surdo, percebe-se uma tensão com os novos movimentos, que não têm mais open bar como nos dois pontificados anteriores, fundamentalmente no do Papa polonês.
Francisco, cuja eleição como sucessor de Pedro caiu como um balde de água fria no movimento Comunhão e Libertação, que colocou o Cardeal Scola muito bem naquele conclave, quis colocar um pouco de ordem naquela "primavera eclesial". Colocou um prazo de validade nos mandatos, para que nem todos possam ficar à frente sine die como se fossem os fundadores, o que levou, por exemplo, à notória renúncia de Julián Carrón, nomeado por Luigi Giussani como seu sucessor em o chefe da CyL, e os Memores Domini, leigos consagrados daquela Fraternidade, que ousou intervir.
E, embora tenha valorizado a contribuição do Caminho Neocatecumenal e de seu fundador, Kiko Argüello, como "um dom para a Igreja", a homilia que lhes dirigiu em Tor Vergata, comemorando meio século de sua criação, foi entendida como um chamado a mudar o tipo de zelo apostólico quando lhe pediu para ir à missão não para "conquistar" ou "fazer proselitismo", mas para fazer "discípulos" e acompanhar os pastores.
Neste contexto, desde Roma destacam “o saber ser” do Opus Dei, de quem sublinham que, sem se mexer, vendo a radicalização de outros grupos “é como se os tivesse centrado”, embora receberam com "ira", a Praedicate Evangelium que colocou esta prelazia pessoal sob a tutela do Dicastério para o Clero, em vez da dos Bispos.
Há também um certo ressentimento, dizem altos funcionários do Vaticano, pelo fato de o atual prelado - Fernando Ocáriz desde 2017 -, ao contrário dos dois sucessores anteriores de Josemaría Escrivá de Balaguer, ainda não ter sido nomeado bispo, que, além de dissipar a ideia de que a organização pode ser entendida como mais uma diocese, impede-a de participar por direito próprio nos sínodos ordinários dos bispos...
Esta combinação de fatores está por trás do fato, sublinhado por numerosos analistas, de que o Papa que veio do fim do mundo é mais apreciado por estranhos do que por dentro; mais por quem se refugia no hospital de campanha do que por quem tem medo de sair a sacristia em caso de "acidente".
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Quem são aqueles que querem impedir a reforma do Papa Francisco? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU