‘Igualdade, fraternidade, liberdade’ fez as pessoas perderem a cabeça, afirma o Patriarca Kirill discursando no Conselho da Federação Russa

Quadro "A liberdade guiando o povo", de Eugène Delacroix. (Foto: Reprodução)

19 Mai 2022

 

O Patriarca Kirill dirigiu-se ao Conselho da Federação Russa. Durante seu discurso, ele atacou o Patriarcado de Constantinopla e a Igreja Católica. Kirill disse que a guerra foi provocada pelo Ocidente.

 

O Patriarca Kirill de Moscou e de todas as Rússias discursou nessa terça-feira, 17, ao Conselho da Federação no âmbito da 10ª Reunião Parlamentar. Além de convidar as instituições políticas do país a protegerem a família e a promoverem a natalidade, Kirill voltou a atacar o Ocidente. O chefe da Igreja Ortodoxa Russa disse que é a estratégia do “divide et impera” que guia o Ocidente na Ucrânia.

 

Nada freou o patriarca, que atacou a todos sem poupar ninguém. Provavelmente Kirill não tem mais nenhum interesse em não prejudicar as relações ecumênicas, especialmente depois de ter ouvido de Francisco que ele é o “coroinha de Putin”. Por esse motivo, ele disse: “Não é nenhum segredo que, nos últimos séculos, as divisões entre os povos da Rússia histórica foram provocadas artificialmente, até mesmo de fora. Um evento fundamental nesse sentido foi a conclusão da União Eclesiástica de Brest, em 1596, um acordo pelo qual uma parte do clero do Metropolitanato Ortodoxo de Kiev se uniu à Igreja Católica. Esse ato, destinado a destruir a unidade ortodoxa, resolveu um problema político muito específico para as potências ocidentais”.

 

Depois, ele atacou o Patriarcado de Constantinopla: “Não podemos deixar de lembrar que o cisma da ortodoxia ucraniana é outro elo dessa feroz cadeia de divisão. As ações do Patriarcado de Constantinopla, que legalizaram o cisma, são dignas de uma comparação histórica com o uniatismo. O objetivo final desse projeto é a reorientação da Igreja Ortodoxa Ucraniana de tal forma que ela não possa mais servir à unidade dos povos irmãos russo e ucraniano”.

 

Kirill definiu o lema “Liberté, Égalité, Fraternité” do século XVIII como uma ideia aparentemente mais atraente. Ele disse: “Os eventos revolucionários de 1917 e a consequente guerra civil na Rússia foram em grande parte o resultado da expansão dos ensinamentos ocidentais sobre a nova ordem da vida social e política. É um claro exemplo do fato de que mesmo as ideias aparentemente mais atraentes que provêm de fora não devem ser tratadas acriticamente. ‘Igualdade, fraternidade, liberdade’ fez as pessoas perderem a cabeça”.

 

Por fim, o contínuo ataque aos direitos das pessoas homossexuais. O patriarca reiterou: “Hoje, sob a influência das novas tecnologias sociais e das ideologias de gênero, a instituição da família está sujeita a fortes pressões, que desencadeiam um perigoso processo de destruição dela”.

 

Durante o evento, parecia que se ouvia um discurso de propaganda, ao invés de um discurso de um líder religioso. Parece que Kirill não tem mais nenhum escrúpulo em mostrar de que lado está. No entanto, tanto na Ucrânia quanto na Rússia, vários fiéis ortodoxos protestaram contra essa atitude do Patriarca. Kirill, porém, parece não ter medo das consequências.

 

Mensagem de Kiril ao ministro Orbán

 

Nos últimos dias, o Patriarca Kirill se congratulou com Viktor Orbán pela sua recente reeleição como primeiro-ministro da Hungria, enfatizando os seus méritos na proteção da moral tradicional.

 

“O senhor é um dos poucos políticos europeus que, em suas atividades, presta muita atenção às questões da defesa dos valores cristãos, do fortalecimento da instituição da família tradicional e das regras da moralidade pública. Conheço-o como um defensor ativo dos cristãos perseguidos no Oriente Médio e nos países africanos”, escreveu o patriarca.

 

“Aprecio muito a sua atenção e o seu cuidado com as exigências da diocese húngara do Patriarcado de Moscou, que, com a plena assistência das autoridades, está restaurando e construindo com sucesso igrejas ortodoxas. Entre elas, está a Catedral da Dormição de Budapeste, uma joia arquitetônica da capital”, continuou.

 

O sítio Silere Non Possum, 17-05-2022, publicou a íntegra do discurso em italiano. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

 

Eis o texto.

 

O tema que está na base das nossas reflexões de hoje é o 350º aniversário do nascimento do imperador Pedro I. E também o tema das Leituras Educativas Internacionais está relacionado a esse aniversário, e eu gostaria de dizer algumas palavras sobre a personalidade desse excepcional russo soberano e sobre o seu significado para a cultura e a história nacionais.

 

O tempo de Pedro, o Grande, é considerada o início de um experimento secular na Rússia – transformações que resultaram na introdução na vida do nosso povo de uma divisão entre o âmbito eclesial e o secular, o âmbito religioso e o secular. Com a subordinação direta da Igreja ao aparato estatal, em certo sentido, adotou-se um modelo de relações para o nosso povo totalmente alheio e não convencional, que, no entanto, foi depois considerado como “o mais progressista”.

 

Mas, como alguns cientistas acreditam com razão, a brusca reviravolta ideológica realizada pelo imperador Pedro I nas relações entre a Igreja e o Estado teve consequências não apenas para as relações Igreja-Estado, mas, em certo sentido, também levou à divisão da sociedade e, consequentemente, aos eventos revolucionários. Muitos acreditam que foi naquele momento que nasceram os pressupostos para os eventos de 1917.

 

Ao mesmo tempo, é importante prestar atenção para o fato de que as atividades de Pedro I marcaram também uma nova era nas relações da Rússia com a Europa. No século XVIII, a Rússia se abriu para o Ocidente, que se tornou para nós uma fonte de conhecimento, um exemplo de transformações na vida da sociedade. Milhares de estrangeiros vieram ao nosso país, que se tornou uma segunda casa para muitos deles.

 

Na época, essa comunicação cultural se baseava em grande parte em valores cristãos comuns. No entanto, no Ocidente, a meu ver, surgiram e depois se difundiram ideias perigosas, baseadas na negação da herança cristã e na aceitação do relativismo moral como princípio certo para fundamentar as relações entre as pessoas. Infelizmente, nos últimos séculos, essas ideias só se intensificaram e levaram a uma revisão de valores cristãos imutáveis na sociedade europeia, o que levou à afirmação da arrogância e do orgulho, e à destruição da confiança entre nações e povos.

 

Hoje, a Rússia não está fechando a janela para a Europa que Pedro, o Grande, abriu, nem está se isolando. Essa janela permanece aberta apenas para um diálogo reciprocamente respeitoso, não para ditames ideológicos e gritos autoritários vindos de fora. O compromisso nesse diálogo não deve traumatizar o nosso senso de identidade e nos privar do legítimo orgulho pelo nosso país, pela nossa história, pela nossa cultura.

 

Agora, algumas palavras sobre a Ucrânia.

 

É impossível falar da situação na Ucrânia, muito menos fazer uma avaliação fora do contexto histórico. Como vocês se lembrarão em relação à história nacional, entre os séculos XII e XV, o nosso país existia como um conjunto de principados díspares – fragmentos de um Estado outrora unido e forte. Nessas condições, a Igreja permaneceu como a principal força para evitar a desintegração definitiva da nação.

 

Às tendências ao caos e ao conflito da antiga Rússia, a Igreja contrapôs um ideal de convivência baseado no amor, na fraternidade, na paz e na confiança recíproca. Esse princípio foi proclamado no século XIV por São Sérgio de Radonej, que convidou seus compatriotas a “superar as odiosas discórdias deste mundo olhando para a Santíssima Trindade”. O reverendo deu uma enorme contribuição pessoal para a superação da desunião entre os principados, entendendo que o prolongamento das lutas internas colocaria em discussão o próprio futuro do nosso povo, destruindo a sua unidade espiritual e cultural.

 

Não é nenhum segredo que, nos últimos séculos, as divisões entre os povos da Rússia histórica foram provocadas artificialmente, até mesmo de fora. Um evento fundamental nesse sentido foi a conclusão da União Eclesiástica de Brest, em 1596, um acordo pelo qual uma parte do clero do Metropolitanato Ortodoxo de Kiev se uniu à Igreja Católica. Esse ato, destinado a destruir a unidade ortodoxa, resolveu um problema político muito específico para as potências ocidentais.

 

Nos anos do Tempo de Dificuldades, o conflito civil levou os cossacos ortodoxos de Zaporozhye para debaixo das bandeiras dos invasores poloneses. Infelizmente, esse precedente histórico de divisão dos povos da Rússia não foi o único. Vale a pena lembrar também a traição do hetman Ivan Mazepa, que ficou do lado do rei sueco Carlos XII durante a Guerra do Norte entre a Rússia e a Suécia. A maioria dos russos, dos ucranianos e dos bielorrussos sempre considerou Mazepa um traidor da Rússia e não um inimigo pessoal de Pedro, o Grande. Infelizmente, nos últimos anos na Ucrânia, ocorreu uma consciente reabilitação do hetman Mazepa, muitos fatos históricos foram cardinalmente reavaliados e, se quisermos chamar as coisas pelo seu nome, foram distorcidos ou totalmente entregues ao esquecimento.

 

Os eventos revolucionários de 1917 e a consequente guerra civil na Rússia foram em grande parte o resultado da expansão dos ensinamentos ocidentais sobre a nova ordem da vida social e política. É um claro exemplo do fato de que mesmo as ideias aparentemente mais atraentes que provêm de fora não devem ser tratadas acriticamente. ‘Igualdade, fraternidade, liberdade’ fez as pessoas perderem a cabeça.

 

E Berdyaev escreveu maravilhosamente, simplesmente destruindo essa própria ideia de “igualdade, fraternidade e liberdade”. Segundo ele, onde há liberdade, não pode haver igualdade. A igualdade está no prado, que é cortado, mas não há liberdade. O prado à beira da floresta é o reino da liberdade, mas não há igualdade. Essas palavras extraordinárias levaram a uma reavaliação muito importante dos eventos revolucionários, primeiro na nossa comunidade de emigrantes e depois no nosso país.

 

Durante a Grande Guerra Patriótica, os povos do nosso país se uniram diante de uma ameaça comum. A atenuação das perseguições contra a Igreja tornou possível se apoiar na fé guardada nos nossos corações e resistir. Para a Rússia moderna, a memória das guerras e, em particular, do último grande conflito em escala global, a Grande Guerra Patriótica, é verdadeiramente inestimável e nos ajuda a entender a indiscutível importância da unidade.

 

A tragédia da Grande Guerra Patriótica, que custou a vida de 27 milhões dos nossos irmãos e irmãs, dos quais 18 milhões eram cidadãos pacíficos, nunca deverá ser esquecida pelos povos da Rússia histórica. É por isso que qualquer tentativa de justificar não apenas a desumana ideologia nazista em si mesma, mas também todos os seus apoiadores e colaboradores parece tão inaceitável. Essas tentativas só podem provocar uma profunda rejeição moral e uma justificada indignação. As tentativas de reabilitar as pessoas associadas aos nazistas alemães, particularmente na Ucrânia, e de perpetuar a sua memória são todos sinais de desprezo pelas vítimas da Grande Guerra Patriótica, incluindo aquelas sofridas pelo povo ucraniano.

 

O colapso da URSS e o surgimento dos Estados nacionais inevitavelmente levantaram a questão da relação entre os povos irmãos nas novas realidades históricas. Os profundos laços nacionais, baseados no parentesco, nas atividades comuns, na história secular e, sobretudo, na fé, na cultura e na língua comuns levaram a preservar a unidade da Igreja, que se estende para além das novas fronteiras estatais. A Igreja respeita as fronteiras e a soberania dos Estados, mas, para ela, as divisões políticas são de importância secundária. O mais importante é a unidade espiritual, a boa vizinhança e a compreensão recíproca entre as pessoas.

 

Agora, algumas palavras sobre as divisões que começaram em 2014.

 

As divisões fratricidas que começaram na Ucrânia em 2014 foram vividas pela Igreja como uma tragédia. Gostaria de lembrá-los que, desde o início do conflito, a Igreja na Ucrânia e na Rússia rezou incessantemente pela paz e invariavelmente exortou as pessoas a superarem as divisões.

 

Durante os oito anos de conflito armado, a Igreja organizou muitas atividades de caridade para apoiar aqueles que se encontraram em dificuldades, desabrigados e forçados a fugir dos combates. Como vocês sabem, ocorreu também uma troca de prisioneiros de guerra com a mediação da Igreja.

 

Lembro como foi difícil organizar o primeiro intercâmbio desse tipo. Havia temores de ambos os lados, mas, pela graça de Deus, foi a participação da Igreja nessa troca, iniciativa que partiu da Igreja, que ajudou a afastar os temores, as suspeitas e as tensões que acompanharam essa ação sem precedentes para aquele tempo.

 

Estou convencido de que a divisão dos povos da Rússia histórica, que chegou ao ponto de um conflito sangrento, é, como no passado na história, o resultado da intervenção de forças políticas externas hostis. É sabido que as potências coloniais, guiadas pelo princípio do “divide et impera”, criaram pontos de tensão militar e conflitos internos também em outras regiões do mundo. Infelizmente, hoje essa regra vergonhosa está sendo usada para endurecer a hostilidade russo-ucraniana.

 

Sim, os litígios entre irmãos ocorrem, mas só foi possível chegar ao fratricídio com uma propaganda direcionada de agressões e mentiras. Já disse que os povos da Rússia e da Ucrânia, que saíram da única pia batismal de Kiev, unidos pela fé ortodoxa e ligados por um destino histórico comum, não podem ser considerados culpados por essa situação. Eles não têm e não podem ter interesse no conflito.

 

O nosso rebanho – tanto na Rússia quanto na Ucrânia – e nós rezamos fervorosamente pela restauração da paz, para que o Senhor derrube os desígnios da força externa maligna que alimenta o ódio. Não podemos deixar de lembrar que o cisma da ortodoxia ucraniana é outro elo dessa feroz cadeia de divisão. As ações do Patriarcado de Constantinopla, que legalizaram o cisma, são dignas de uma comparação histórica com o uniatismo. O objetivo final desse projeto é a reorientação da Igreja Ortodoxa Ucraniana de tal forma que ela não possa mais servir à unidade dos povos irmãos russo e ucraniano.

 

O objetivo político da criação de todas essas autocefalias, de todas essas associações cismáticas é enfraquecer a influência da Igreja Ortodoxa, da Igreja Ortodoxa unida da Rússia, Ucrânia e Bielorrússia, usando carimbos ideológicos para incitar a inimizade e criar novos mitos que afastam uma nação da outra.

 

Sim, os confrontos militares acompanharam toda a história da humanidade após a queda. Como uma das tristes manifestações do pecado, é provável que os confrontos militares continuarão acompanhando a história da humanidade. No entanto, mesmo em meio a um conflito armado, o homem pode e deve preservar a própria dignidade e cuidar da dignidade dos outros. A exclusão de métodos de guerra proibidos, a proteção dos civis, a observância do direito humanitário internacional, o respeito pelos prisioneiros e pelos feridos: é isso que eu, como patriarca de todas as Rússias, peço às partes em conflito e lhes peço que façam todo o possível para evitar vítimas entre os civis.

 

Estou convencido de que devemos tirar as lições certas daquilo que está ocorrendo na Ucrânia, avaliando o experimento que foi realizado sobre o povo ucraniano após o colapso da URSS. Essa tragédia mais uma vez obriga a Igreja a levantar a voz em nome da proteção das línguas e da cultura nacionais. Ninguém no mundo deveria ser prejudicado somente porque fala ou pensa em uma língua “errada”.

 

Muitas vezes, alguns políticos e meios de comunicação invocam violações generalizadas dos direitos da população russófona que vive nas ex-repúblicas soviéticas, agora Estados independentes. A chamada “abolição da cultura russa” no Ocidente foi um testemunho do triste estado moral da sociedade. A tentativa de erradicar a cultura de uma nação é o apogeu do ódio. Pior ainda é a tentativa de destruir fisicamente uma nação que se tornou indesejável.

 

A nossa sociedade sentiu o vínculo com a cultura europeia mesmo nos tempos difíceis da Guerra Fria e da luta entre ideologias. A literatura clássica, a música e a pintura ocidentais sempre foram muito apreciadas pelos nossos compatriotas, que consideram a cultura europeia parte do rico patrimônio da civilização cristã. É assim que continuamos a percebê-la hoje, apesar de tudo o que está acontecendo. Espero que aqueles que agora “lutam” contra Pushkin e Dostoiévski, boicotam os concursos Tchaikovsky e se recusam a executar Rachmaninoff se deem conta, mais cedo ou mais tarde, da vergonha e da loucura das suas ações.

 

Mas eu ainda gostaria de dizer algo sobre o futuro, e dizê-lo com esperança.

 

Embora as hostilidades ainda não tenham terminado, devemos trabalhar já hoje para restaurar a vida pacífica na Ucrânia e no Donbass. Estou confiante de que as nossas orações serão respondidas e que a paz tão esperada e duradoura prevalecerá. Não tenho dúvidas de que a Rússia fará os esforços necessários para criar essa vida pacífica, na qual a unidade entre os povos, baseada na compreensão recíproca, será o princípio orientador.

 

As diferenças de civilização e de valores entre os países ocidentais e a Rússia são inevitáveis e, neste momento, parecem difíceis de superar, mas não devem ser um obstáculo à convivência pacífica, a um diálogo paritário e reciprocamente respeitoso das culturas.

 

Gostaria de compartilhar com vocês as conclusões que podem ser tiradas dessa situação. Acredito que somos chamados a repensar profundamente o vetor de desenvolvimento social e estatal das últimas décadas. É importante se concentrar não no que um observador externo pode pensar sobre o nosso desenvolvimento futuro, mas em como moldar o futuro do país com base na nossa experiência histórica, na nossa cultura nacional e espiritual, na nossa herança cristã.

 

Não precisamos de isolamento do mundo externo, mas sim de uma renovada compreensão da soberania. A soberania não é apenas política, mas também cultural; uma soberania que abrange muitos campos, da economia ao direito. Estamos virando uma página da nossa história nacional, é um fato, e precisamos de grandes forças criativas para construir o nosso Estado e a nossa sociedade sobre uma nova base histórica e em um novo ambiente histórico.

 

Uma ideologia reluzente e a cultura de massa guiada pela paixão devem pertencer para sempre ao passado. Permitam-me dar uma sugestão: será que não chegou a hora de os legisladores russos fazerem um esforço especial para lançar uma nova visão – sem olhar para ninguém além do povo russo – sobre a regulamentação legal das nossas vidas? No atual clima político global, a preservação dos valores tradicionais deveria ser a linha estratégica da Federação Russa.

 

Ao discursar no ano passado na Duma do Estado durante as reuniões parlamentares, salientei que as emendas à Constituição da Federação Russa contêm o potencial para resolver as questões de conservação nacional. Essa tarefa exige um grande esforço intelectual e a mobilização de toda a nossa sociedade. Acredito que, acima de tudo, devemos ser mais ativos e coerentes no apoio à instituição da família e à proteção dos valores familiares. Já falei sobre isso muitas vezes em diversos fóruns.

 

Ao conectar gerações diferentes e transmitir a experiência cultural dos mais idosos aos mais jovens, a família desempenha um papel fundamental na formação da sociedade e na construção da hierarquia social. Hoje, sob a influência das novas tecnologias sociais e das ideologias de gênero, a instituição da família está sujeita a fortes pressões, que desencadeiam um perigoso processo de destruição dela. Alguns políticos, especialmente no exterior, seguindo as modas e talvez nem sempre plenamente conscientes da responsabilidade das suas decisões, estão dispostos a fazer mudanças legislativas contrárias às normas morais duradouras e à ordem social tradicional.

 

Desse modo, uma bomba-relógio está sendo colocada na política demográfica nacional. No nosso país, que mantém uma ligação com uma tradição cultural secular com profundas raízes religiosas, felizmente esse problema não é tão acentuado quanto em alguns países ocidentais. No entanto, alguns fenômenos e inovações, introduzidos de acordo com o espírito do tempo, têm despertado preocupação na sociedade.

 

Um exemplo é a transferência para o exterior por cidadãos estrangeiros de crianças nascidas graças a técnicas de maternidade de substituição. A Igreja Ortodoxa Russa, a comunidade dos genitores e algumas organizações públicas estão extremamente preocupadas com o atraso na introdução da proibição.

 

Devemos criar todas as condições necessárias para a conservação e o relançamento dos valores da família tradicional e falamos disso constantemente. Por quê? Porque hoje a cultura de massa, em sua maioria, não defende esses valores.

 

Tomemos o conteúdo dos filmes: todas as infinitas intrigas familiares, todas as vidas paralelas estão representadas de modo muito vívido nos filmes, e tudo isso forma uma imagem de um modelo supostamente normal de comportamento humano. Longe de mim a ideia de pedir a todos que mudem o seu estilo de vida a partir de hoje, mas gostaria de encorajar todos a refletirem sobre o fato de que a família e as relações familiares são a indubitável e verdadeira espinha dorsal de todos os homens. Afinal, se a família for destruída, a sociedade e o Estado também se enfraquecerão.

 

Gostaria de dizer que a família continua precisando ser protegida em nível legislativo contra interferências injustificadas e ilegais na vida familiar, mesmo sob o pretexto de proteger os direitos das crianças. As famílias muitas vezes entram em conflito com a arbitrariedade administrativa das autoridades de tutela. A responsabilidade dos funcionários pelos danos causados à família não é estabelecida por lei.

 

Não é o primeiro ano em que falamos da necessidade de uma lei especial sobre o status das famílias com muitos filhos. Mas a situação demográfica é realmente perigosa. Sem um apoio completo, famílias com muitos filhos não conseguirão inverter a queda de natalidade e será tarde demais para aprovar uma lei. Proponho elaborar um projeto de lei desse tipo o mais rápido possível, envolvendo a comunidade dos genitores e as religiões tradicionais da Rússia.

 

A Igreja tem testemunhado constantemente a importância e o valor da vida dada ao homem pelo Criador. Recentemente, o Estado está prestando muita atenção à prevenção do aborto. É necessário um conjunto de medidas – restritivas, organizacionais, de apoio à maternidade e de encorajamento à natalidade.

 

É importante notar as atuais propostas dos legisladores, particularmente no que diz respeito ao bloqueio dos abortos em clínicas privadas, o que tornaria as estatísticas mais precisas e eliminaria o incentivo à busca de lucros em detrimento da destruição de vidas infantis. Não podemos deixar de acolher favoravelmente as novas formas sociais que visam a estimular a natalidade e o apoio sob a forma de pagamentos mensais às mulheres que registraram a sua gravidez. Infelizmente, porém, são muito poucas as mulheres que recebem esse tipo de apoio, incluindo apenas as desempregadas e as solteiras. Sugiro que se explore a possibilidade de estender os benefícios, senão a todas as mulheres, a uma gama muito mais ampla de pessoas – particularmente as mulheres que trazem em seu ventre uma criança e que se registraram para a gravidez, até que seus filhos completem a idade de um ano e meio. Para muitas mulheres, esse pode ser o fator mais importante na decisão de manter a vida e renunciar ao aborto.

 

Lembro que o Código Civil Russo protege o direito do herdeiro nascituro. Parece que as normas existentes podem ser modificadas para que a vida de uma criança, um futuro membro da nossa sociedade, seja protegida por lei desde o momento da concepção. É surpreendente: o direito à herança é protegido, mas o direito à vida da criança, não. De onde vem isso, de qual cultura, de qual tradição?

 

Exorto os legisladores a adotarem uma abordagem mais corajosa na questão da proteção da vida, ignorando as opiniões que nos assustam com o suposto aumento das operações ilegais. Qualquer ação ilegal deve ser respondida com dignidade. Espero que as nossas forças da ordem façam com que as questões sanitárias permaneçam nas mãos exclusivas da comunidade médica profissional, e não dos operadores comerciais.

 

Mais uma vez, quero enfatizar que o posicionamento do aborto como serviço médico gratuito, financiado pelo orçamento do Estado, ou seja, a partir das deduções fiscais dos cidadãos, continua sendo uma grande questão moral na nossa sociedade, que está sofrendo não apenas danos espirituais, mas também vivendo uma crise demográfica. E somos tentados a perguntar: a pandemia, a morte de milhões de pessoas, também devido a muitos incidentes, não nos ensinará a levar a vida humana com mais atenção?

 

A formação da ideia de família tradicional como valor deveria partir da escola, introduzindo coerentemente uma dimensão educativa no processo educacional. É importante desenvolver um programa educacional comum e introduzir consultores educacionais para colaborar com o diretor escolar. No entanto, essa iniciativa não deve levar à rotina e ao formalismo burocrático, e não deve ser contraproducente para as crianças.

 

Gostaria de salientar mais uma vez que o estudo dos fundamentos das culturas religiosas e da ética secular – um curso que ajuda também a familiarizar as crianças com os valores culturais e familiares tradicionais – é de importância educacional crucial.

 

Continuamos considerando a inclusão do exame de Estado USE como um resultado sério, que permite que os graduados se concentrem na descoberta das suas capacidades criativas durante a preparação para o exame.

 

Não podemos deixar de podemos acolher favoravelmente a decisão de utilizar a chamada “internet branca” nas escolas russas, assim como o sistema informacional estatal “My School”, um ambiente digital seguro para os nossos estudantes. Que eu saiba, o Ministério está trabalhando intensamente nisso. O sistema “My School” incluirá apenas conteúdos e contextos comprovados, incluindo palestras, filmes informativos e outros materiais informativos, educativos e didáticos. Isso protegerá as crianças do risco de visitarem recursos que tenham um impacto devastador sobre a sua psique.

 

Vejo a atual missão dos legisladores como o gradual retorno da dimensão moral à esfera da regulamentação jurídica. A base necessária para isso já foi estabelecida por meio da modificação da Lei fundamental do nosso país.

 

Hoje, fala-se cada vez mais frequentemente sobre a implementação da disposição constitucional da orientação social do nosso Estado. Estou certo de que a discussão sobre a justiça social deve se traduzir em decisões concretas por parte dos legisladores. Refiro-me à promoção de empresas socialmente responsáveis, à redução ou à total abolição dos impostos para os pobres, à distribuição equitativa dos recursos e muito mais ainda. Espero que, nas futuras discussões entre especialistas, nas quais a Igreja também participará ativamente, possamos dar juntos uma resposta digna aos desafios que o nosso país enfrenta hoje.

 

Caros legisladores, participantes deste encontro!

 

A Igreja Ortodoxa Russa e as outras religiões tradicionais da Rússia depositam grandes esperanças em vocês, porque o país em que viveremos no futuro próximo depende muito dos seus esforços, do seu profissionalismo e da sua responsabilidade. Peço-lhe que apoiem a atual práxis voltada a fortalecer e a desenvolver o diálogo direto entre as autoridades e os cidadãos sobre todos os assuntos de interesse. Mais uma vez, testemunho que a Igreja está sempre pronta para esse diálogo e para essa interação fecunda.

 

Invoco a bênção de Deus sobre vocês e sobre o seu trabalho. Desejo saúde, força e prosperidade a todos, e, à nossa Mãe Pátria, desejo paz, serenidade, bem-estar e o desenvolvimento de todo o poder potencial do nosso povo, o que contribuiria para a segurança do país e para o verdadeiro bem-estar dos cidadãos da Rússia.

 

Obrigado pela sua atenção.

 

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