17 Mai 2022
"A política econômica brasileira vem sendo desastrosa, sem dúvida. Mas essas afirmações subestimam a dimensão relativa da economia nacional", escreve Paulo Nogueira Batista Jr., economista, em artigo publicado por Terapia Política, 16-05-2022. O artigo é uma versão resumida do artigo foi publicada na revista Carta Capital.
Que mal pergunte: faltam por acaso motivos para criticar o governo Bolsonaro? Sobram, não é mesmo? E, no entanto, volta e meia a oposição recorre a argumentos duvidosos!
O pior é quando os pontos levantados atingem o próprio Brasil. Na ânsia de desmoralizar a qualquer custo o celerado que ocupa a Presidência da República, os críticos desmerecem e diminuem o País. Aí, leitor, o meu patriotismo desenfreado dá os célebres “arrancos triunfais de cachorro atropelado”, como diria Nelson Rodrigues (imagem que eu já usei um milhão de vezes).
Dou um exemplo. Afirma-se que por causa da desastrosa política econômica dos anos recentes a economia brasileira deixou de figurar entre as 10 maiores do mundo. E que o Brasil teria agora uma economia relativamente pequena, com um PIB equivalente a cerca de 5% do PIB dos EUA ou da União Europeia.
Tem fundamento? Bem, a política econômica brasileira vem sendo desastrosa, sem dúvida. Mas essas afirmações subestimam a dimensão relativa da economia nacional. O tema é um pouco técnico e causa confusão até mesmo entre economistas. Vou tentar esclarecer.
Segundo a agência de classificação de risco Austin Rating, por exemplo, o Brasil teria caído em 2021 de 12º para 13º na lista das maiores economias, tendo sido ultrapassado pela Austrália. Segundo a mesma agência, já tínhamos sido superados em 2020 pelo Canadá, pela Coreia do Sul e pela Rússia. Números semelhantes foram divulgados pela consultoria britânica Centro de Pesquisa Econômica e de Negócios – a mesma que, em 2011, anunciou equivocadamente que a economia do Brasil estava prestes a ultrapassar a do Reino Unido e se tonar a 6ª maior do mundo.
Essas comparações migraram para o excelente discurso que Lula fez no lançamento da sua candidatura à Presidência: “Durante nossos governos, (…) o Brasil se tornou a 6ª maior economia do planeta. (…) Mas o atual governo fez o Brasil despencar para a 12ª posição no ranking das maiores economias.” Duplamente equivocado. Usando um critério correto de comparação dos PIBs, o Brasil não chegou à 6ª posição. E não caiu agora para a 12ª.
Onde está o problema? Essencialmente, na utilização das taxas de câmbio correntes para converter os PIBs e compará-los. Ocorre que as taxas cambiais variam de maneira acentuada. Isso torna o valor em dólares dos PIBs uma base frágil e enganosa de mensuração.
Assim, por exemplo, quando o real se valorizou muito na década passada, o nosso PIB convertido para dólares a taxas de câmbio correntes aumentou de modo significativo, levando-nos, de fato, a quase alcançar a 6ª posição no ranking mundial das economias por esse método de comparação. Mas o aumento do nosso PIB em dólares exagerava o tamanho relativo real da economia brasileira.
Inversamente, nos anos recentes e de forma ainda mais aguda, houve acentuada depreciação da moeda brasileira. Com isso, o PIB brasileiro, medido em dólares correntes, caiu realmente muito, levando-nos em 2020 para a 12ª posição e para a 13ª posição em 2021, segundo dados preliminares. Relativamente ao PIB dos Estados Unidos, o nosso representa 7% por esse critério.
Só que nada disso reflete bem o tamanho relativo do Brasil e o que realmente aconteceu na economia.
O método mais defensável de comparação é o que se baseia na taxa de câmbio por paridade de poder de compra (PPP) – taxa à qual se teria de converter uma moeda em outra para comprar a mesma quantidade de bens e serviços de qualidade comparável em cada país. Há levantamentos cuidadosos, publicados por organismos internacionais, que se baseiam nesse critério.
Apresento a seguir uma explicação um pouco mais técnica. Mas o leitor pode, se quiser, pular a próxima seção deste texto e seguir direto para a seção seguinte, que mostra alguns dos principais números.
Cada país registra o seu PIB na própria moeda. Quando se tenta comparar o valor do PIB de diferentes países é preciso convertê-los a uma forma comum de mensuração. Há mais de uma maneira de fazer essas conversões e aí reside a dificuldade.
Os dois métodos principais são os acima referidos. O mais simples é a conversão dos PIBs para uma mesma moeda, geralmente o dólar dos EUA, usando as taxas de câmbio de mercado. Esse método é mais defensável para comparações internacionais quando se trata de comparar dados econômicos reportados originalmente em dólares, como por exemplo os fluxos registrados nos balanços de pagamentos (saldos em conta corrente, fluxos financeiros etc.). A sua aplicação aos PIBs, entretanto, produz distorções e flutuações enganosas, pelo motivo acima explicado.
O segundo método é a utilização da taxa de câmbio por paridade de poder de compra (PPP) – a taxa que converte uma moeda em outra para comprar a mesma quantidade de produtos de qualidade comparável. Assim, por exemplo, se um mesmo produto custa R$ 3 no Brasil e US$ 1 nos EUA, a taxa de câmbio PPP implícita é de R$3/US$1, ainda que a taxa de câmbio de mercado seja, digamos, 5 reais por dólar.
Para fazer comparações adequadas, é preciso levantar um grande número de preços de bens e serviços nos diferentes países, o que traz dificuldades de coleta e de comparação entre os produtos. Os dados utilizados atualmente pelo FMI e outros organismos se baseiam em médias nacionais de 1000 produtos detalhadamente especificados para cerca de 147 países participantes.
Quais as vantagens do método PPP? Primeira, a relativa estabilidade das taxas de câmbio ao longo do tempo, em contraste com a volatilidade das taxas de mercado. Essas últimas são relevantes apenas para os bens e serviços comercializáveis internacionalmente (exportáveis ou importáveis), cujos preços internos correspondem essencialmente aos preços internacionais convertidos para a moeda nacional à taxa cambial corrente. Os bens e serviços não-comercializáveis tendem a ser mais baratos nos países emergentes ou em desenvolvimento. Isso porque os salários são mais baixos nesses países e os serviços, em especial, tendem a ser mais intensivos em mão-de-obra. Uma comparação que ignora essas diferenças tenderá a subestimar consideravelmente o poder de compra das moedas nos países menos desenvolvidos e a superestimá-lo nos países mais avançados.
Por esse motivo, a comparação dos PIBs usando taxas de mercado tende a inflar o peso relativo dos países mais avançados e a subestimar o peso dos países emergentes e em desenvolvimento. Por exemplo, pelo critério PPP, a economia da China já é maior do que a dos Estados Unidos há alguns anos. A taxas de câmbio de mercado, os Estados Unidos conservam uma liderança que é mais ilusória do que real.
Quando se usa o critério mais correto de comparação, o Brasil aparece em 2021, como o 8ª do mundo, ligeiramente acima do Reino Unido e da França, segundo dados preliminares, publicados pelo FMI. Chegamos a ocupar a 7ª posição na década passada, até sermos ultrapassados pela Indonésia (tabela 1).
E repare, leitor: o PIB brasileiro corresponde, na realidade, a 15% do PIB dos Estados Unidos e a 13% do PIB da China. Em termos per capita, o PIB-PPP do Brasil equivale a 23% do PIB dos Estados Unidos e a 84% do PIB da China (tabela 2).
Os dados mostram também que estamos em declínio relativo desde 2011, e em especial desde 2015, refletindo o nosso fraco desempenho e o rápido crescimento da Ásia. Mas vamos corrigir essa tendência a partir de 2023.
Permanece, de qualquer maneira, a constatação que sempre repito: O Brasil é um dos gigantes do mundo e faz parte de um grupo de apenas cinco países (com Estados Unidos, China, Índia e Rússia) que integram as listas dos dez maiores PIBs, territórios e populações do planeta.
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Não subestimem o Brasil! Artigo de Paulo Nogueira Batista Jr. - Instituto Humanitas Unisinos - IHU