15 Junho 2021
"A barbárie tem chances, sim, de levar a melhor de novo nas eleições presidenciais", escreve Paulo Nogueira Batista Jr., titular da cátedra Celso Furtado do Colégio de Altos Estudos da UFRJ, em versão ampliada de artigo publicado na revista Carta Capital, em 11 de junho de 2021 e reproduzido por A Terra é Redonda, 14-06-2021.
Há pouco mais de um mês, publiquei aqui um artigo com título dramático: “Hora de partir para a jugular!”. Argumentei que Bolsonaro vive seu pior momento, mas pode se recuperar e disputar com grande chance a reeleição. E que cabe, portanto, derrubá-lo agora, na sua fase de maior fraqueza. Desde que o artigo foi publicado, as possibilidades de recuperação do governo ficaram mais evidentes. Já não vejo quase ninguém se animando a dizer, como muitos antes diziam, que o presidente nem chega ao segundo turno das eleições do ano que vem.
Isso é uma pena, claro, mas temos que ser realistas. Quero retomar a discussão hoje, concentrando-me nos aspectos econômicos, sem repetir os argumentos do artigo anterior.
As evidências vêm-se acumulando de que a economia está tomando impulso, apesar da segunda onda da epidemia. Isso resulta de uma combinação de fatores. Do exterior vem o aumento da demanda externa por exportações brasileiras, liderado pelo rápido crescimento das duas maiores economias do mundo, a dos Estados Unidos e, sobretudo, a da China. Ligado a isso, e em especial à expansão chinesa, temos um ciclo de alta dos preços das commodities exportadas pelo Brasil e, em consequência, melhora pronunciada dos nossos termos de troca. O real depreciado também contribui para o aumento das exportações.
No plano interno, as indicações são de que, com muito custo e sofrimento, as empresas e os indivíduos – mais um exemplo da criatividade que caracteriza o brasileiro – se adaptaram à pandemia, o que também favorece certa recomposição da atividade econômica. Além disso, e a despeito da alta recente da taxa básica de juro administrada pelo Banco Central, a atividade parece responder, com defasagem, à diminuição dos juros iniciada em meados de 2019. Quanto à política fiscal, parece provável que ela acabe sendo, na prática, bem menos restritiva do que anunciava ou desejava a equipe econômica do governo. Pode até ocorrer expansão fiscal na segunda metade do ano. E não se deve descartar que uma avaliação a posteriori da política fiscal, baseada por exemplo na variação do déficit primário ajustado para excluir efeitos cíclicos, venha a indicar neutralidade ou até certo impulso em 2021. Por essas razões e outras, houve reavaliação geral para melhor das previsões de crescimento do PIB neste ano. Já há quem projete 5% ou mais.
Observo, de passagem, que esse crescimento nada tem a ver com as reformas estruturais cantadas em prosa e verso pelo mercado, pela mídia corporativa e pelo ministro Paulo Guedes. Não só porque elas têm avançado relativamente pouco (e ainda bem porque o governo e o Congresso as têm formulado de modo altamente questionável, para dizer o mínimo), mas também porque muitas delas têm impacto duvidoso em termos de reativação. Por exemplo, o “efeito confiança” sobre o investimento privado, via diminuição de juros de longo prazo, é incerto e, na melhor das hipóteses, pequeno, podendo ser neutralizado por efeitos contracionistas sobre a demanda de algumas dessas reformas.
Bem sei, leitor, que a recuperação em curso está longe de espetacular. Ela se concentra, por enquanto, no setor primário exportador (agropecuária e extrativa mineral). Indústria e serviços continuam fracos. A economia apenas voltou ao nível pré-pandemia, que era, recorde-se, um nível deprimido após seis anos de recessão ou crescimento medíocre. Grande parte do crescimento do PIB em 2021 (ano calendário sobre ano calendário) deriva de uma herança estatística e o crescimento ao longo do ano será bem menor do que sugere a taxa interanual. As projeções para o PIB em 2022 ainda são modestas – em torno de 2 a 2,5%, segundo levantamento semanal do Banco Central.
Pode-se questionar se resultados como esses realmente ajudarão o governo do ponto de vista político. Tanto mais que – e esse ponto é crucial – o mercado de trabalho continua desastroso. O desemprego alcançou níveis recordes e os salários reais sofrem com isso e com o efeito corrosivo da alta da inflação, provocada por choques de oferta (câmbio, commodities, energia elétrica). Também não se pode descartar que ocorram novos choques adversos com efeitos sobre PIB, emprego e/ou inflação. Por exemplo, um apagão no fornecimento de energia elétrica. Ou uma terceira onda destrutiva da pandemia.
Apesar disso, é mais realista, acredito, admitir que o quadro econômico geral evoluirá de forma positiva até as eleições de 2022, favorecendo a reeleição do presidente. Feita a ressalva de que previsões em economia estão sempre sujeitas a chuvas e trovoadas, diria que a inflação deve ceder, a expansão da atividade econômica deve provavelmente continuar e pode até ganhar ímpeto, propiciando com alguma defasagem a recuperação do emprego.
Um fator fundamental é o avanço da vacinação, ainda que com atraso verdadeiramente criminoso. Outro – menos comentado –, a expansão do gasto público daqui até a eleição.
Não quero, leitor, espalhar desânimo, mas creio que é preciso reconhecer que o governo terá munição para promover uma política fiscal relativamente flexível e, em especial, a ampliação expressiva do programa Bolsa Família, com forte impacto eleitoral. Essa é uma das razões, como indiquei acima, para rever para cima as projeções de crescimento do PIB. A afirmação talvez surpreenda, uma vez que contraria o discurso dominante no Brasil, inclusive o da equipe econômica do governo, de que “o Brasil está quebrado”, “O Estado faliu”, “precisamos de urgente consolidação fiscal” etc. Acontece que esse discurso alarmista nunca teve fundamento, como eu e outros economistas temos explicado repetidamente nos anos recentes.
Há um fator específico que ajuda o governo. O teto constitucional de gastos é reajustado em termos nominais, a cada ano, pela inflação acumulada em doze meses até junho do ano anterior. O teto para 2022 será corrigido com a inflação no pico. Como será que o governo usará esse espaço? Pergunta ingênua, claro. O ministro Paulo Guedes vem dando a pista em repetidas declarações. Disse, por exemplo, que o PT mereceu ganhar quatro eleições porque fez o Bolsa Família. Disse, também, que admite prorrogar o auxílio emergencial por mais alguns meses como ponte para um novo e ampliado Bolsa Família. Imagine, leitor, o impacto político de um programa de transferência de renda turbinado – e talvez rebatizado para que Bolsonaro possa chamá-lo de seu!
Se houver dificuldades com o teto de gastos ou com algum outro obstáculo legal, alguém duvida que se encontrará um jeito de contorná-los? Na briga entre a luta pela reeleição e eventuais escrúpulos fiscais da equipe econômica ou do mercado financeiro quem será que leva a melhor?
Por esses e diversos outros motivos, também de natureza não-econômica e não abordados neste artigo, é que se deve admitir que a barbárie tem chances, sim, de levar a melhor de novo nas eleições presidenciais. Não é à toa que venho dizendo e repetindo: é hora de partir para a jugular!
Admitindo-se que não haja nenhum bolsominion extraviado nesta coluna, posso terminar com um pedido ao meu querido leitor ou leitora? Salvo por motivos realmente extraordinários, não deixe de fazer a sua parte e comparecer à manifestação no dia 19 de junho e às que se seguirão! Não é hora de preguiça e pequenas covardias. Não é hora de ficar em casa, angustiado, protestando nas redes sociais ou se lamuriando com amigos e família. Tome todas as precauções sanitárias e compareça.
E vista preto em sinal de luto pelas quase 500 mil vítimas da Covid-19. Preto, não vermelho. As manifestações – e creio que as lideranças sabem disso – devem ser amplas, transcendendo a esquerda e incluindo todos que se opõem à barbárie.
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A economia favorece a reeleição? Artigo de Paulo Nogueira Batista Jr. - Instituto Humanitas Unisinos - IHU