10 Mai 2022
"Não haverá vencedores senão terras desoladas, populações dizimadas pela morte. Uma paz imperfeita, mesmo como suspensão da guerra, é certamente mais humana do que uma vitória proclamada, mas não real, uma vitória que pode levar a um confronto atômico", escreve o monge italiano Enzo Bianchi, fundador da Comunidade de Bose, em artigo publicado por La Repubblica, 09-05-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Na minha idade, aventurar-se nas fileiras dos vinhedos do meu Monferrato tornou-se cansativo, não é mais um passeio, mas faço-o de qualquer maneira por amor daquela terra e porque sinto a necessidade de continuar a ouvir as pessoas comuns, não reconhecidas, muitas vezes definidas como "o povo", especialmente os camponeses. São aqueles que não têm voz, que não têm destinatários que os possam escutar, mas vivem uma vida humana plena de dignidade, com uma postura de homens e mulheres conscientes da árdua tarefa de viver. Desde sempre eu vou encontrá-los e os escuto porque eles são meus mestres.
Nesses dias eles também estão preocupados com a guerra, dizem que não acreditavam que fossem vê-la novamente perto de nós. Dizem que é o pior mal, que quando estoura é sempre cega, semeia morte e destruição, não reconhece os inocentes, as crianças e nem mesmo os velhos que já sabem que logo irão morrer.
Eles também apresentam perguntas: “É possível que ninguém consiga parar esse Putin? Por que os EUA fazem os ucranianos lutar essa guerra contra a Rússia? Por que devemos enviar armas se não queremos a guerra? ...”.
Talvez perguntas ingênuas, mas verdadeiras.
E em sua sabedoria um velho camponês me confessou que não entendia como a guerra poderia continuar: "A Rússia é muito forte e não deixará a Ucrânia vencer, e se houver uma guerra mundial com os EUA, e nós europeus contra a Rússia, então será realmente a catástrofe e a desolação por décadas”. Também se perguntava se não seria melhor parar a guerra ao custo de aceitar tê-la perdido: "Porque assim aumentam os mortos, E com eles morrem e são destruídas as suas histórias, as suas famílias, os seus amores, os seus laços, as suas vidas sobre esta terra".
Não posso deixar de evocar a história de Jeremias, o profeta bíblico do século IV a.C.: quando os babilônios, uma potência imperial totalitária, agridem e invadem Israel, a guerra estoura, mas o profeta Jeremias para parar o massacre pede para não continuá-la, mas para negociar com o ocupante.
Esta parece ser uma rendição escandalosa e os chamados "profetas da paz", que em nome da paz pediam para continuar a guerra e receber armas da potência ocidental, o Egito, definem Jeremias como um colaboracionista com o inimigo, traidor, a ponto de provocar sua prisão e encarceramento em uma cisterna. O profeta, justamente por amor a Israel, julgava que continuar a guerra levaria a uma carnificina, a um massacre maior, mas acabou sendo considerado um inimigo do povo de Israel. Não foi ouvido, foi até morto, e Jerusalém rumou para a catástrofe, o primeiro Holocausto, quando a espada, a fome e a sede fizeram da cidade um deserto e uma ruína. Um sacrifício vão.
A história de Jeremias pode nos ensinar algo sobre o que está acontecendo hoje. Porque se houver uma vitória entre a Ucrânia e a Rússia será o maior desastre que nos possa acontecer.
Não haverá vencedores senão terras desoladas, populações dizimadas pela morte. Uma paz imperfeita, mesmo como suspensão da guerra, é certamente mais humana do que uma vitória proclamada, mas não real, uma vitória que pode levar a um confronto atômico.
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A guerra vista pelos camponeses. Artigo de Enzo Bianchi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU