26 Abril 2022
"Os outros [católicos] que se inspiram no Catecismo deveriam não esquecer que qualquer participação em uma guerra justa não pode ser feita na arrogância de cumprir o bem, mas sabendo que se contribui para semear a morte", escreve o monge italiano Enzo Bianchi, fundador da Comunidade de Bose, em artigo publicado por la Repubblica, 25-04-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Esta horrível guerra entre a Rússia e a Ucrânia não mostra sinais de uma possível trégua. Pelo contrário, é uma guerra que se estende não tanto no território, mas com o envolvimento de um número crescente de países que, enviando armas à resistência ucraniana, tornam-se, para além de qualquer tentativa de justificação hipócrita, beligerantes: não a combatem diretamente, mas contribuem, em nome de uma suposta defesa, para uma carnificina de pessoas simples que não queriam o conflito.
Além disso, sendo cristãos aqueles que se matam, muitas são as perguntas que se fazem sobre a licitude dessa guerra, na qual cada igreja abençoa seu próprio exército e pede a vitória graças ao fato de que Deus está do seu lado.
Aqui entre nós, os cristãos, quase todos católicos, por um lado citam o Catecismo da Igreja Católica de João Paulo II, que prevê a possibilidade da defesa armada da pátria quando houver uma agressão, e a partir dessa posição teológico-moral se justifica o envio de armamentos para o país agredido. Mas se esquecem outras condições necessárias, ou seja, que qualquer outro meio seja impraticável, que existam condições bem fundamentadas de sucesso, que o recurso às armas não cause males mais graves. Por outro lado, os fiéis envolvidos nos movimentos de paz pedem que outros caminhos sejam tomados para defender aqueles que sofreram a invasão.
Estes últimos se inspiram no ensinamento não violento de Jesus, que, indo além do mandamento absoluto “não matar”, proíbe o discípulo atitudes de violência mesmo em reação a quem pratica o mal. As palavras de Jesus sobre a bênção do inimigo são inequívocas e dar a outra face a quem bate é imperativo. Se nos primeiros séculos os cristãos recusaram a participação na guerra e a se alistarem nos exércitos do império, pagando até o martírio, com a virada constantiniana aceitaram a necessidade de servir no exército do império romano que se tornara cristão. Desde então, através do desenvolvimento da doutrina (no Ocidente, Santo Agostinho foi determinante) foi elaborada a doutrina da "guerra justa".
Apesar das intervenções proféticas dos papas recentes, essa posição permanece no Catecismo, de modo que há católicos que pedem para intervir com a oferta de armas à Ucrânia, pois esta seria uma resistência ao agressor ocupante.
Outros católicos condenam qualquer recurso às armas. Foi assim que se iniciou o embate. Os cristãos que se dizem fiéis ao "Evangelho e pronto", atentos ao mandamento absoluto "não matar", seguem o ensinamento não violento de Jesus. Os outros que se inspiram no Catecismo deveriam não esquecer que qualquer participação em uma guerra justa não pode ser feita na arrogância de cumprir o bem, mas sabendo que se contribui para semear a morte. O cristão, nessas escolhas, está sozinho: Deus não o socorre e muito menos o isenta de ser homem responsável entre os homens.
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A solidão do cristão. Artigo de Enzo Bianchi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU