06 Abril 2022
"Em vez de enviar armas, é preciso excluir a guerra dos meios de resolução das disputas", escreve Paolo Barabino, atual superior da família monástica de Monteveglio, fundada por Giuseppe Dossetti, em artigo publicado por Chiesa di Tutti, Chiesa dei Poveri, 06-03-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
A notícia da marcha em Monte Sole com final no cemitério de Casaglia, tão simbólico e portador de tantas advertências, me questiona sobre a posição a tomar diante de fatos tão graves.
Pela natureza dos organizadores da marcha, ou seja, os municípios onde vivo e as organizações que me são caras e que surgiram em torno da memória do massacre, entendo estas linhas como partilha de uma reflexão e de uma preocupação que julgo estar também presente em vocês. É sobretudo a memória de Dom Giuseppe Dossetti e de algumas das suas profundas convicções às quais dedicou a sua vida.
O drama que se cumpre. No final de 1990, enquanto a Primeira Guerra do Golfo era iminente e o alinhamento ocidental estava preparando uma aventura que marcaria os próximos anos de forma funesta, Dom Giuseppe Dossetti conseguiu vir aqui na Jordânia, para estar no lugar para ele mais próximo possível do drama que estava acontecendo e para escapar do ar midiático irrespirável daqueles dias ocidentais. Dossetti lutou com todas as suas forças, físicas e espirituais, contra aquela guerra em que a Itália também tomou partido.
A memória de seus meses no Oriente Médio é muito cara para mim, mas também me acusa porque, ao contrário dele, a guerra está longe de mim e, portanto, tudo é mais hipócrita.
Além disso, essa memória deixa claro para mim o grande erro após a queda do Muro: que a superpotência sobrevivente tenha se acreditado a vencedora e árbitro do mundo. Como pudemos nas últimas décadas ter perdido a oportunidade de reconstruir um relacionamento pacífico com a Rússia?
A título pessoal, com a memória de Dom Giuseppe, gostaria de acrescentar às vozes que, diante da invasão russa da Ucrânia e de todas as consequentes preocupações, querem contrastar o clima militante e belicista para alavancar alguns pontos firmes e esperar, pela multiplicação das vozes populares, pressionar os governos por uma forma alternativa ao aumento da tensão e do conflito.
De onde vem o art. 11 (1). Dossetti pediu para descansar nesse cemitério para homenagear as vítimas do massacre de 1944. Era um vínculo antigo. A consciência do drama da guerra o levou a desejar fortemente a art. 11 da Constituição. Este é o primeiro ponto que quero afirmar: o art. 11 não é um texto superável para a nossa democracia.
“A Itália repudia a guerra como instrumento de ofensa à liberdade de outros povos e como meio de resolução das controvérsias internacionais; concorda, em condições de igualdade com os outros Estados, às limitações de soberania necessárias a um ordenamento que assegure a paz e a justiça entre as nações; promove e favorece as organizações internacionais voltadas para esse fim."
Dossetti muitas vezes protestou contra o fato de que esse artigo muito importante tenha sido contornado, enquanto constitui um programa para orientar uma ação política nacional e internacional.
Enquanto houver tempo. Para ser efetivo, este artigo exige sobretudo uma política preventiva e, como está escrito na Introdução de “Le Querce di Monte Sole”, operar “enquanto houver tempo”.
Perdemos tempo sem medida e a guerra está muito avançada, mas não se pode esperar desacelerar e evitar novas consequências desastrosas se não se admite uma corresponsabilidade, além de denunciar a iniciativa, igualmente culpada, do outro.
Como muitos se lembram nestes dias, devemos referir-nos ao alargamento da OTAN aos países da antiga União Soviética e ao destacamento militar. A Rússia e o bloco ocidental também disputaram para ter a Ucrânia em seus respectivos campos de influência, em vez de acompanhá-la em uma autonomia nacional independente dos dois blocos. Há dois imperialismos militares, econômicos e culturais a serem detidos, não apenas um enlouquecido. E outros também querem visivelmente se impor. Mas também as Igrejas cristãs em sua divisão e distanciamento do Evangelho são corresponsáveis.
Este é o segundo ponto ao qual também eu dou voz: só a partir do reconhecimento de uma corresponsabilidade podem vir um diálogo e negociações.
Em vez de enviar armas, é preciso excluir a guerra dos meios de resolução das disputas. O artigo 11 da Constituição italiana exige que a guerra seja excluída como instrumento de solução e para isso deveríamos buscar o bloqueio imediato de toda escalada militar, apoiar as formas não violentas de defesa dos ucranianos e abrir espaço para as crescentes realidades russas de protesto e dissociação, em vez de enviar armas.
Bem sei que nestas montanhas se lutou e se esperou em vão pelo fornecimento de armas e munições, mas foi precisamente na reflexão que emergiu do conflito mundial que nasceu a certeza constitucional da necessidade de seguir um caminho completamente novo. Em vez disso, depois, dilapidamos os recursos do planeta na construção de armas e na corrida armamentista, para não dizer que vimos muitas vezes como as armas vendidas acabaram se virando contra.
Os órgãos supranacionais. Dossetti ficou indignado, na Primeira Guerra do Golfo, também pelo golpe mortal que foi infligido à ONU naqueles primeiros anos após a queda do Muro. Nesta nova hora dramática da história, devemos novamente pedir que sejam restituídas dignidade e eficiência às organizações supranacionais para limitar os nacionalismos e não desistir de esperar a integração fraterna e igualitária dos povos. Como diz o Papa Francisco, sonhar com um caminho sinodal de povos em que cada um, reconhecendo suas limitações e a igualdade com os outros, seja acolhido com sua contribuição e deseje oferecer a sua responsabilidade e possibilidade de bem.
É necessário um grande esforço exterior e ainda mais interior e espiritual para buscar a paz e ter esperança no futuro. Rezei nos últimos dias pela paz com algumas crianças e recentemente ouvi testemunhos dramáticos da condição dos adolescentes e jovens presos entre dois anos de Covid e uma guerra tão ameaçadora. Olhando para trás, para os mortos destas montanhas, e para frente, para as novas gerações com o seu esforço devastador, digo-me que, sobretudo, devemos a eles um renovado e determinado esforço interior, que fará com que saiam da indiferença e do desconforto, além de renovar o empenho pela paz.
Mesmo os melhores só sabem ver a guerra. Por fim, retomo outra palavra de Dossetti:
“Mas é na alma que se sente, sobretudo no coração, este grande drama, infelizmente cada vez mais sem possibilidade de solução no plano humano. Todos os dias surgem novas e muito dolorosas provas de que os homens - todos, mesmo os melhores - não sabem ver outro meio além deste, a guerra, embora deveria parecer muito claro a todos que esse meio é, pelo contrário, o único que não resolve e não resolverá jamais nada e que deixará tudo não como antes, mas infinitamente pior do que antes, com males ainda mais exasperados e com dificuldades ainda mais insuperáveis. Isso é algo tremendamente triste, que realmente coloca um peso enorme no coração, quando a cada passo tropeçamos, mesmo as pessoas mais justas e generosas, nesta nefasta superstição..." (Padre Giuseppe Dossetti, Lettere dalla Terra Santa, 10 de outubro de 1973, poucos dias após a eclosão da Guerra do Yom Kippur).
Ma’in (Jordânia), 6 de março de 2022.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
A Ucrânia não precisa de armas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU