28 Abril 2022
"Trata-se, hoje, de elaborar o quanto antes uma verdadeira realpolitik que não deve ser largada na mão militar, de construir uma Europa que realmente saiba atuar como um divisor de águas entre a arrogância dos poderosos e as verdadeiras razões das pessoas, dos recursos, da distribuição da riqueza e da energia. Não é fácil, mas também não é dificílimo, basta jogar fora a velhice insustentável de políticos mesmo muito novos, a incapacidade estrutural, ligada à ignorância e à preguiça, que impede o uso de instrumentos novos de mediação. O pacifismo, a não-violência são muito mais modernos do que qualquer exército, têm instrumentos muito mais convincentes e coercitivos", escreve Franco La Cecla, antropólogo, arquiteto italiano e professor da Universidade de Bolonha, em artigo publicado por Avvenire, 27-04-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
O que é preocupante na moda geopolítica que está voltando ao auge é a natureza totalmente estratégica e militar dessa nova atenção. Parece que todos nós, desconhecedores de geografia, disciplina considerada inútil nas escolas, finalmente temos a oportunidade de descobrir nações, lugares, enclaves que antes desta guerra não conhecíamos: Moldávia, Transnístria (até mesmo o motor de busca o corrige, ignorando-o), as Repúblicas Bálticas...
Algumas matérias especiais de alguns jornais, programas de TV construídos como salas de botões em uma guerra total, certas fontes suspeitas nas redes sociais se preocupam em explicar a geografia com base no alcance dos mísseis e canhões.
Mapa das Repúblicas Bálticas, que pertenceram à União Soviética (RSS da Lituânia, RSS da Letônia e RSS da Estónia) durante o período de 1940 a 1991. Foto: Wikipédia
Pode-se dizer que, deste ponto de vista, à Cinderela Itália seja enfiada goela abaixo (pela OTAN e seus analistas e estrategistas mais ou menos ocasionais e complementares) uma espécie de revisão geral de uma suposta 'realpolitik'.
Na onda do impulso destrutivo que partiu da Moscou de Vladimir Putin, estamos na revanche de um específico mundo militar, ou melhor, militarista que se sentia marginalizado pela preponderância das emergências climáticas e pelo caráter inevitavelmente global da crise planetária. Os conflitos são uma forma magnífica de demolir e reorganizar a geografia como um tabuleiro de fronteiras e de recursos, de distribuição desigual e de depósitos de emergência. A Greta, agora maior de idade, e aos garotos dos Fridays For Future agora respondem 'generais' (que são também e sobretudo políticos e representantes de alguns sinédrios econômico-financeiros) que têm muito mais em que pensar do que o futuro do planeta. E para nós, 'estranhos' até ontem às suas lógicas, fica óbvio que as razões da guerra são de um atraso imperdoável. São as 'lógicas usuais' do massacre, da humilhação, da retaliação, prometem uma 'vitória' sobre o outro que agora é impossível em um mundo globalizado ou que só é possível na tênue linha da autodestruição.
Afinal, a lógica de Putin é o resquício de um mundo imperial-czarista convencido de que as armas são o verdadeiro recurso e, além disso, incapaz de gerir campanhas que têm a ver com uma sofisticação na comunicação (para minar a confiança e despertar o ódio, vimos nos últimos anos, hackers e especialistas em marketing do Kremlin são bons; em gerar empatia, não). Também é verdade que Putin é um perdedor porque sua imagem ficou tão ofuscada que ele não convence ninguém que não seja pago ou ameaçado. Sua própria estratégia como urso que quer aterrorizar é grotesca no mundo atual, porque impede que qualquer movimento de comunicação russo seja crível (primeiro eu aterrorizo você com os milicianos chechenos e da empresa privada Wagner e depois pretendo dizer que não tenho nada a ver com a lógica e a prática do massacre).
Pelo outro lado, aquele ucraniano, porém, o que não deixa em paz e mobiliza é o massacre dos civis, não a habilidade dos atores do conflito. E o outro lado, aqui também significa o vértice dos Estados Unidos da América, um vértice 'distante' em seus instrumentos e cálculos, mostra-se igualmente convicto da lógica do urso, da fera selvagem militar.
Mas também significa uma Europa gaguejante, propensa a mudar de opinião a cada virada da guerra e, sobretudo, incapaz, por enquanto, de se desvincular da lógica impossível de uma possível vitória de um dos dois lados... A esfinge chinesa, por fim, não oferece sabedoria boa para outro e mais justo equilíbrio, mas ambiguidades que anunciam outros desequilíbrios e contraposições mais agudas.
Ninguém vencerá, isso é certo, e o veneno da guerra permanecerá. Estamos na derrota da geopolítica, por tê-la reduzido a uma estratégia sem visão de futuro. E aqui a voz que sai do coro é a de Francisco. O Papa é o único que apela não só à bondade humana, mas com veemência à racionalidade de uma geopolítica que seja moderna, que enfrente os conflitos querendo resolvê-los e não os exacerbar. Gostaria de dizer que o Vaticano também deve se transformar em uma escola de diplomacia aberta a todos em um mundo em que o teatrinho dos políticos tem sido até agora desolador.
Trata-se, hoje, de elaborar o quanto antes uma verdadeira realpolitik que não deve ser largada na mão militar, de construir uma Europa que realmente saiba atuar como um divisor de águas entre a arrogância dos poderosos e as verdadeiras razões das pessoas, dos recursos, da distribuição da riqueza e da energia. Não é fácil, mas também não é dificílimo, basta jogar fora a velhice insustentável de políticos mesmo muito novos, a incapacidade estrutural, ligada à ignorância e à preguiça, que impede o uso instrumentos novos de mediação. O pacifismo, a não-violência são muito mais modernos do que qualquer exército, têm instrumentos muito mais convincentes e coercitivos.
E não é verdade que os embargos são inúteis, sob certas condições. No museu do Apartheid dedicado a Nelson Mandela em Johanesburgo, uma sala inteira está reservada para a eficácia do embargo na luta contra a estupidez dos bôeres e dos britânicos sul-africanos que ainda queriam aquele sistema discriminatório, aquela guerra entre raças.
Só que as sanções funcionaram porque estava em ação na sociedade sul-africana, e com conexões em todo o mundo e com mídia atenta, um movimento de oposição corajoso, solidário e cada vez maior, quase totalmente civil e não violento. Finalmente, a questão é que estamos lidando com um mundo muito antigo que está tendo dificuldades para morrer e que quer arrastar os jovens e o mundo novo em sua derrocada. Estamos na guerra simbólica entre relíquias, não mais entre seres humanos. Mas são os seres humanos que estão morrendo. Devemos ter a coragem de arregaçar as mangas e inventar uma nova geopolítica.
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Uma geopolítica totalmente diferente. Não à lógica do alcance dos mísseis - Instituto Humanitas Unisinos - IHU