16 Março 2022
A reportagem é de José Manuel Vidal, publicada por Religión Digital, 16-03-2022.
O Papa Francisco aproveitou a audiência dupla desta quarta-feira para reabrir o coração, sobretudo aos mais jovens, e pedir “paz, de que tanto precisamos” e que “se constrói de mãos dadas com a partilha. E convidou os presentes a rezar especialmente pelas "crianças que sofrem, vítimas da arrogância dos mais velhos".
Na catequese, Francisco abordou o tema "A velhice, um recurso para a juventude despreocupada" e, em tons algo pessimistas mas realistas, denunciou "uma eventual guerra atômica", porque "parece que o símbolo do dilúvio está a ganhar terreno nosso inconsciente." Uma deriva da qual, segundo o Papa, só a velhice pode nos salvar: “A sabedoria dos idosos é necessária para lutar contra a corrupção. O significado da velhice é ser profetas contra a corrupção”.
Quarta-feira, audiência em duas partes. Primeiro, o Papa Francisco se encontrou com os alunos da Escola 'La Zolla' de Milão na Basílica de São Pedro. Depois, a audiência normal às quartas-feiras na Sala Paulo VI.
No final de seu encontro com dois mil alunos do instituto milanês "La Zolla" na Basílica de São Pedro, Francisco recitou uma oração emocionada pelos pequenos e jovens da Ucrânia "que vivem sob as bombas" .
"Senhor Jesus, olhe para esses meninos, abençoe-os e proteja-os, eles são vítimas de nossa arrogância como adultos." As crianças e os jovens "que vivem sob as bombas, que veem esta terrível guerra", estão no coração do Papa Francisco, que conclui o encontro na Basílica de São Pedro com dois mil alunos do instituto profissional "La Zolla" de Milão, com intensa oração por eles.
Antes da oração, o Papa pediu aos estudantes milaneses que voltassem seus pensamentos “para os muitos meninos, meninas, meninos e meninas que estão em guerra e que estão sofrendo”. Você tem um futuro pela frente, a segurança de crescer em uma sociedade de paz, "e por outro lado esses pequeninos têm que fugir das bombas, com o frio que está aí". Hoje estão sofrendo, a três mil quilômetros daqui. Aqui estão suas palavras e sua frase final.
Caros alunos do Instituto La Zolla
É-me grato dar-vos as boas-vindas e saudar-vos cordialmente, a vós, aos vossos pais e aos vossos professores. Sua escola de inspiração cristã é uma realidade preciosa para a região de Milão e oferece um serviço educativo apreciado em colaboração com as famílias. É importante construir uma comunidade educativa na qual, junto com os professores, os pais possam ser protagonistas do crescimento cultural de seus filhos.
A vocês, jovens, gostaria de deixar duas palavras que vêm do meu coração: compartilhar e acolher. Compartilhe: nunca se canse de crescer com as pessoas ao seu redor: colegas de escola, pais, educadores, amigos. É preciso “trabalhar em equipe”, crescer não só em conhecimento, mas também em forjar vínculos para construir uma sociedade mais solidária, inclusiva e fraterna. Porque a paz, de que tanto precisamos, constrói-se de mãos dadas com a partilha.
A segunda palavra: bem-vindo. O mundo de hoje coloca tantas barreiras entre as pessoas. E o resultado dessas barreiras é a exclusão e a rejeição. Existem barreiras entre Estados, entre grupos sociais, mas também entre pessoas. E muitas vezes até o telefone, para o qual você fica olhando, se torna uma fronteira que o isola em um mundo que você tem ao seu alcance. Como é bonito olhar nos olhos das pessoas, ouvir sua história e abraçar sua identidade; construir pontes através da amizade com irmãos e irmãs de diferentes tradições, etnias e religiões. Só assim construiremos, com a ajuda de Deus, um futuro de paz e esperança.
Obrigado por este encontro, obrigado pelo seu testemunho. Eu oro por você e você, por favor, não se esqueça de orar por mim. E agora eu te abençoo.
Queridos irmãos e irmãs, bom dia!
A passagem bíblica - com a linguagem simbólica da época em que foi escrita - nos diz algo impressionante: Deus ficou tão amargurado com a maldade generalizada dos homens, que se tornou um modo de vida normal, que achou que tinha errado em criar e decidiu excluí-los. Uma solução radical. Pode até ter um toque paradoxal de misericórdia. Sem mais humanos, sem mais história, sem mais julgamentos, sem mais condenação. E muitas vítimas predestinadas de corrupção, violência, injustiça seriam salvas para sempre.
Não acontece às vezes também a nós - esmagados pelo sentimento de impotência contra o mal ou desmoralizados pelos "profetas da perdição" - pensar que era melhor não ter nascido? Devemos dar crédito a certas teorias recentes que denunciam a espécie humana como um dano evolutivo à vida em nosso planeta?
Na verdade, estamos sob pressão, expostos a tensões opostas que nos confundem. Por um lado, temos o otimismo de uma eterna juventude, inflamada pelo extraordinário progresso da tecnologia, que pinta um futuro repleto de máquinas mais eficientes e mais inteligentes que nós, que curarão nossos males e pensarão nas melhores soluções para nós para não morrer... Por outro lado, nossa fantasia parece cada vez mais concentrada na representação de uma catástrofe final que nos extinguirá. Uma eventual guerra atômica. O “dia seguinte” – se ainda houver dias e seres humanos – teremos que começar do zero. Não quero banalizar a questão do progresso, é claro. Mas parece que o símbolo do dilúvio está ganhando espaço em nosso inconsciente.
Na passagem bíblica, quando se trata de salvar a vida na terra da corrupção e do dilúvio, Deus confia a obra à fidelidade do mais antigo de todos, o “justo” Noé. A velhice salvará o mundo? Em que sentido? E como? E qual é o horizonte? Vida após a morte ou apenas sobrevivência até o dilúvio?
Uma palavra de Jesus, que evoca "os dias de Noé", ajuda-nos a aprofundar o sentido da página bíblica que ouvimos. Jesus, falando do fim dos tempos, diz: “Assim como foi nos dias de Noé, assim será também nos dias do Filho do homem. Eles comeram, beberam, tomaram uma esposa ou um marido, até o dia em que Noé entrou na arca; Veio o dilúvio e destruiu a todos” (Lc 17,26-27). De fato, comer e beber, tomar uma esposa ou um marido, são coisas muito normais e não parecem ser exemplos de corrupção. Onde está a corrupção? Na verdade, Jesus destaca o fato de que o ser humano, quando se limita a gozar a vida, perde até a percepção da corrupção, que mortifica a dignidade e envenena o sentido.
E também vivem a corrupção sem preocupação, como se fosse parte da normalidade do bem-estar humano. Tudo tem seu preço. Os bens da vida são consumidos e usufruídos sem preocupação com a qualidade espiritual da vida, sem cuidado com o habitat da casa comum. Sem se preocupar com a mortificação e desânimo que muitos sofrem, nem com o mal que envenena a comunidade. Enquanto a vida normal pode ser cheia de “bem-estar”, não queremos pensar no que a esvazia de justiça e amor.
A corrupção pode se tornar normalidade? Lamentavelmente sim. Você pode respirar o ar da corrupção como oxigênio, como normal. E o que é que abre o caminho? O descuido que se dirige apenas ao cuidado de si: esta é a passagem que abre a porta para a corrupção que afunda a vida de todos. A corrupção tira grande proveito dessa despreocupação, o que não é bom: amolece nossas defesas, obscurece nossa consciência e nos torna – também involuntariamente – cúmplices.
A velhice está em condições de captar o engano dessa normalização de uma vida obcecada pelo gozo e vazia de interioridade: vida sem pensamento, sem sacrifício, sem interioridade, sem beleza, sem verdade, sem justiça, sem amor. A especial sensibilidade da velhice pelos cuidados, pensamentos e afetos que nos tornam mais humanos deve ser novamente uma vocação para muitos. A sabedoria dos antigos é necessária para combater a corrupção. O significado da velhice é ser profetas contra a corrupção. E será uma escolha de amor dos mais velhos para com as novas gerações. A benção de Deus escolhe a velhice, por este carisma tão humano e humanizador.
E Noé é o exemplo dessa velhice geradora: Noé não prega, não reclama, não recrimina, mas cuida do futuro da geração que está em perigo. Construa a arca de boas-vindas e traga homens e animais. No cuidado da vida, em todas as suas formas, Noé cumpre o mandamento de Deus repetindo o gesto terno e generoso da criação, que é precisamente o pensamento que inspira o mandamento de Deus: uma bênção, uma nova criação (cf. Gn 8,15-9 ,17). A vocação de Noé permanece sempre atual. O santo patriarca ainda deve interceder por nós. E nós, mulheres e homens de certa idade, não nos esqueçamos de que temos a profecia da sabedoria e de sermos como o bom vinho.
Apelo a todas as pessoas de certa idade, que denunciem a corrupção humana em que vivem, como se tudo fosse lícito. O mundo precisa de jovens fortes e velhos sábios.
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Francisco clama: "Senhor, pare a mão de Caim e, quando a tiver parado, cuide dele, ele é nosso irmão" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU