11 Março 2022
"A guerra também ampliou a distância com Moscou, que não poderia tolerar a coexistência de um patriarcado a pouca distância do seu. Hoje, como alternativa à igreja russa, há uma frente ortodoxa compacta na condenação da invasão desencadeada por Putin: dos primazes Epifanij e Onufriy ao patriarca de Istambul, Bartolomeu I, a igreja ortodoxa pediu para evitar um confronto fratricida", escreve Marco Grieco, jornalista, em artigo publicado por Domani, 10-03-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Era 2017 quando, dando a bênção urbi et orbi da loggia do Vaticano, o Papa Francisco recordava “a Ucrânia, afligida por um conflito sangrento". Sviatoslav Shevchuk, o arcebispo maior da igreja greco-católica do país que se separou da Rússia em 1990, então empenhado em apagar os incêndios da guerra no Donbass, assentiu: "O papa entende que a atual Ucrânia é vítima de uma agressão injusta e solidariza-se conosco de maneira claramente visível”.
Hoje, o mesmo Shevchuk lança um apelo às organizações internacionais para parar a invasão russa que começou em 24 de fevereiro. O temor de que a igreja de Kiev retorne às catacumbas como nos dias da perseguição soviética formalizada pelo pseudossínodo de Lviv em 1946 é tão grande quanto a resistência de seu povo.
No momento, o empenho da Santa Sé in loco está nas mãos de Konrad Krajewski e Michael Czerny, os dois cardeais enviados a pedido do papa no coração da crise. O primeiro encontrou-se com Shevchuk em Lviv com o objetivo de prestar assistência aos necessitados ucranianos. Czerny, por ser lado, como prefeito interino do departamento do Serviço de Desenvolvimento Humano Integral, está entre os centros de acolhimento húngaros onde está em curso a maior emergência humanitária da história europeia desde o pós-guerra.
No entanto, apesar da chamada "diplomacia humanitária" da Santa Sé, a mesa de negociações solicitada várias vezes também pelo governo italiano tem dificuldade para se concretizar. Basta dar uma olhada ao morno comunicado publicado pelo L'Osservatore Romano sobre o telefonema entre o Cardeal Secretário de Estado, Pietro Parolin, e o Ministro das Relações Exteriores da Rússia, Serghei Lavrov: os apelos da Santa Sé, que permaneceram substancialmente inalterados, não acrescentam nada em relação ao que a Igreja greco-católica ucraniana pede em alto tom.
É necessário ir a Kiev, onde no século XX o arcebispo maior Husar transferiu a sede do arcebispado da originária Lviv, para entender o impasse na maior das 22 igrejas sui iuris (ou seja, com seu próprio rito, mas fieis a Roma).
Ainda hoje, o status jurídico daquela greco-católico ucraniana está enredado nas concessões que remontam à União Soviética guiada por Mikhail Gorbachev. Se o próprio Shevchuk se queixa há anos da dificuldade de integrar a Igreja no Estado ucraniano, parece também suspenso o caminho prenunciado anos atrás pelo Papa Francisco.
Desde os tempos da declaração de fidelidade a Roma do Metropolita Isidoro no Concílio de Florença (1439) até a União de Brest (1596), com a qual o Metropolita Ruteno Michael Rohoza passou com alguns bispos à Igreja Católica romana, a ligação com a Igreja greco-católica na Ucrânia sobreviveu às diásporas e aos martírios durante séculos: a basílica romana de Santa Sofia, construída por iniciativa do arcebispo Josip Slipyi, preso por quase vinte anos pelo governo soviético, é um símbolo disso.
Hoje que a guerra evoca novos cenários de catacumba, parece ainda mais distante um reconhecimento de um patriarca para os greco-católicos ucranianos, solicitado no passado pelo Arcebispo Shevchuk nos passos do pedido formalizado pelo Metropolita Slipyi ao Papa Paulo VI em 1963. Mas a guerra também ampliou a distância com Moscou, que não poderia tolerar a coexistência de um patriarcado a pouca distância do seu. Hoje, como alternativa à igreja russa, há uma frente ortodoxa compacta na condenação da invasão desencadeada por Putin: dos primazes Epifanij e Onufriy ao patriarca de Istambul, Bartolomeu I, a igreja ortodoxa pediu para evitar um confronto fratricida.
Se a Santa Sé convida repetidamente à prudência verbal, o 16º patriarca de Moscou, conhecido como Vladimir Michailovich Gundjaev, não só não se empenhou em condenar os confrontos, mas em seu último sermão de domingo deu à guerra assumida por Putin o peso de um embate metafísico de civilizações: de um lado um Ocidente que considera conquistas as reivindicações da comunidade LGBT e do pensamento único, de outro um mundo eurasiano que considera democrática a reversibilidade de um modelo de valores em contra tendência ao senso comum da civilização, ainda que à custa de um isolacionismo a ser declamado dos púlpitos como heroico.
Como Francesco Cundari escreveu no Linkiesta: "As palavras de Kirill sobre o orgulho gay são o outro lado da estratégia do líder russo: demonstrar que o modelo da democracia liberal não coincide com o progresso, mas apenas com a hegemonia ocidental, que como tal deve ser rejeitada, em nome de outros e opostos valores”. Essa não é uma retórica nova, já que "Moscou, cidade sem orgulho gay" era a homenagem em versos na música do rapper Timati, contratado na propaganda pop programada por Putin há alguns anos.
Evidentemente, para o patriarca russo, os desfiles caleidoscópicos superam a palidez dos corpos mortos nas ruas destruídas de Dnipro, ou as danças do Ocidente são mais "depravadas" do que as bombas de fragmentação que atingem os civis. Trata-se do mesmo patriarca que no dia 3 de março falava de cooperação ao receber no mosteiro de São Daniel, em Moscou, o núncio apostólico junto à Federação Russa, o arcebispo Giovanni d'Aniello, e elogiava “a posição moderada (...) e a prudência da Santa Sé".
Até a lembrança do encontro com o Papa Francisco em 2016 em Havana, a que se seguiu a assinatura de um documento de entendimento tendo em vista o restabelecimento da unidade entre católicos e ortodoxos, é hoje recebida com algum embaraço devido à incômoda posição do Vaticano. Enquanto isso, um dos autores do acordo de Cuba, o metropolita Hilarion (Alfeyev), diretor do departamento de relações eclesiásticas externas do patriarcado de Moscou, foi oficialmente suspenso da faculdade de Teologia da Universidade de Friburgo, onde é titular de uma cátedra, pela não condenação da agressão do lado russo.
No Vaticano, há quem considere que tenha virado fumaça o encontro entre Kirill e Francisco, marcado para o próximo verão europeu, e continua a se espalhar o descontentamento com os silêncios do papa, demasiado prudentes a ponto de parecer relutantes. Se não faltam aqueles que pedem ao pontífice que condene explicitamente a Rússia com o mesmo fervor usado na descrição dos campos líbios como "campos de concentração", diminuem os apelos a gestos proféticos, como aquele feito pelo chefe de Estado, Sergio Mattarella, participando da quadragésima na Basílica greco-católica de Santa Sofia, em Roma.
O último apelo traz a assinatura de José Manuel Vidal, diretor do famoso portal Religion Digital: “O tempo das palavras já passou. É tempo de ações e gestos, que falam mais que palavras e mentem menos. Deixe o Vaticano, Papa Francisco. Faça isso agora. Hoje, melhor que amanhã. Há vidas em perigo que não podem esperar. Cada minuto conta, porque cada minuto chega nas asas de dor, choros, gritos de crianças, lágrimas amargas e morte violenta”.
Mas o Vaticano não é o Fanar e muito menos o Kremlin, e na igreja do Papa Francisco a prudência espera superar cortinas de ferro e bambu. Por exemplo, mostrou-se extremamente cauteloso o secretário de Estado do Vaticano, Pietro Parolin, que para a TV2000 declarou: “Há disponibilidade de iniciativas no plano diplomático. Já existem várias tentativas em andamento. Estamos disponíveis se sentirmos que nossa presença e ação podem ajudar. Parar as armas, mas sobretudo evitar uma escalada, e a primeira escalada é aquela verbal: porque quando se começa a usar determinadas palavras e determinadas expressões, elas nada mais fazem que incendiar os ânimos”, disse. No princípio era a palavra, começa o Evangelho de João. Exceto que muitas vezes dentro dos muros leoninos contam as declarações conjuntas.
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O diálogo entre o patriarca e o papa já é mera lembrança - Instituto Humanitas Unisinos - IHU