18 Fevereiro 2022
"A intervenção na Congregação para a Doutrina da Fé é mais uma peça da reforma da cúria que o Papa Francisco iniciou há tempo, mas que ainda não tem a forma completa de uma constituição apostólica", escreve Lorenzo Prezzi, teólogo italiano e padre dehoniano, em artigo publicado por Settimana News, 16-02-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Em relação ao motu proprio Fidem servare que disciplina de forma diferente as atividades do Dicastério para a Doutrina da Fé, que entrou em vigor em 14 de fevereiro, há elementos de contextualização que é útil perceber.
Em primeiro lugar, a distinta posição do dicastério no conjunto da Cúria Romana. Outrora chamada "a Suprema" com a reforma de Paulo VI e João Paulo II (Pastor Bonus), foi colocada sob o papel reconhecido à Secretaria de Estado. Na reforma prevista caiu ainda mais porque a dimensão da evangelização será privilegiada. Uma "diminuição" que não significa a perda do serviço do ministério.
Uma segunda observação contextual é o esforço para preservação e fortalecimento do papel propulsor e doutrinário, fortemente comprimido pelo crescimento das atividades ligadas ao tema dos abusos. Para evitar que as forças dos oficiais sejam absorvidas pela dimensão disciplinar, o papa distinguiu as duas seções, chefiadas por dois secretários (ainda não nomeados).
Para a parte doutrinária, o motu proprio fala de “promoção e proteção da doutrina da fé e da moral”. E acrescenta: “Ela (seção) favorece os estudos que visam aumentar a inteligência e a transmissão da fé a serviço da evangelização”. Resta, mas não em primeiro lugar, a tarefa de examinar escritos e opiniões "que parecem problemáticos para a reta fé, favorecendo o diálogo com seus autores e propondo soluções adequadas".
Dos quatro ofícios anteriores (doutrinal, disciplinar, matrimonial, Ecclesia Dei), dois desaparecem. O ofício matrimonial passa à seção doutrinal e, no que se refere à doutrina, também o diálogo com a Fraternidade sacerdotal de São Pio X. Para todas as demais comunidades ou fundações tradicionalistas as referências são à congregação do culto e àquela dos religiosos.
Com o Ecclesia Dei, desaparece aquele núcleo de oficiais e colaboradores que constituíam um grupo de resistência ao Vaticano II. O fracasso de qualquer tentativa de trazer os lefebvristas para a disciplina eclesiástica os tornou irrelevantes e marginalizou as instâncias da fraternidade.
A segunda seção, a disciplinar, segue toda a questão dos abusos do pessoal eclesiástico. Os 20 oficiais delegados a esse trabalho (são cerca de uma dezena pertencentes à seção doutrinal) têm a tarefa de "predispor e elaborar os procedimentos previstos pela normativa canônica". Também se enquadra na sua tarefa a formação de agentes do direito chamados, em nível local, a aplicar as normas canônicas. As rigorosas normas em vigor levaram os bispos (são 5.000 no mundo) a não hesitar na notificação dos casos, provocando o crescimento numérico das práticas, a complexidade linguística e a atenção às leis em vigor nos diversos países e continentes.
As duas seções serão presididas por dois secretários, superando a situação anterior que fazia do secretário único um funil que atrasava os trabalhos. É provável que sua estrutura acelere também o fluxo de documentos doutrinários. Nos últimos 15 meses três foram publicados: sobre o fim da vida, sobre a legitimidade das vacinas e sobre a benção dos homossexuais. Um texto sobre a relação entre direito natural e direito civil está em preparação há anos, mas a temática, continuamente relançada pelo debate cultural e pelas leis, aconselha um paciente aprofundamento.
A intervenção na Congregação para a Doutrina da Fé é mais uma peça da reforma da cúria que o Papa Francisco iniciou há tempo, mas que ainda não tem a forma completa de uma constituição apostólica.
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Doutrina da fé: texto e contexto - Instituto Humanitas Unisinos - IHU