16 Março 2021
Nós nos indignamos, mas não nos surpreendemos, porque vislumbramos neste documento aquela face da Igreja que o próprio Cristo criticou tão duramente nos doutores da Lei de seu tempo. Vemos aí aquela face da Igreja que se apropria do poder de interpretar a Palavra de Deus não para propagar a Vida e fazê-la jorrar em abundância, mas para fechar portas e recusar-se a ir ao encontro de seu Povo.
Publicamos aqui a nota da Rede Nacional de Grupos Católicos LGBT, 15-03-2021, publicada em seu sítio.
Acompanhamos neste 15 de março a repercussão das lamentáveis declarações da Congregação para a Doutrina da Fé, ao recusar a possibilidade de que uniões entre pessoas do mesmo sexo sejam abençoadas por sacerdotes da Igreja. É com indignação, mas sem maiores surpresas, que tomamos conhecimento tanto da negativa em si quanto dos argumentos por meio dos quais o documento procura justificá-la.
Nós nos indignamos, mas não nos surpreendemos, porque vislumbramos neste documento aquela face da Igreja que o próprio Cristo criticou tão duramente nos doutores da Lei de seu tempo. Vemos aí aquela face da Igreja que se apropria do poder de interpretar a Palavra de Deus não para propagar a Vida e fazê-la jorrar em abundância, mas para fechar portas e recusar-se a ir ao encontro de seu Povo. Ao perder de vista a mensagem de serviço, amor e acolhimento incondicionais do Evangelho, a lei torna-se letra morta. Essa é a face de parte da Igreja, que cai, mais uma vez, no legalismo vazio tantas vezes denunciado por Cristo.
Nós nos indignamos, mas não nos surpreendemos, quando o documento fala em respeito às pessoas que somos e sublinha a necessidade de evitar qualquer discriminação injusta, aparentemente sem se dar conta da incoerência fundamental entre suas palavras e a atitude que essas palavras traduzem. Nos indignamos, mas não nos surpreendemos, com a perversidade de chamar de “respeito”, “acolhimento” e “amor” o que não passa de recusa de parte da Igreja ao diálogo e à escuta da experiência de fé que compartilhamos e do testemunho de seguimento de Cristo que damos com nossas vidas.
Nós nos indignamos, sobretudo, com a violência e a dor que esse documento promove e legitima contra todas aquelas pessoas que se movem nas margens das normas sexuais e de gênero vigentes – e não só contra as pessoas que somos, mas também contra nossas famílias, nossos amigos e todas aquelas e aqueles que nos amam e nos enxergam para além das normas. Não nos surpreendemos porque vemos mais uma vez, neste documento, como os doutores da Lei, em nome de uma lei sem Amor, conspiram para condenar à morte Emanuel, Deus Conosco, que vive em nossas vidas e santifica nossos corpos.
Por isso, hoje, é desde a nossa indignação – indignação santa, que nasce da fome e sede de justiça que só o Cristo Vivo pode saciar – é desde nossa indignação que nos dirigimos hoje àquelas e àqueles de nós que podem estar feridos, e àquelas e àqueles que caminham conosco, para que perseveremos na fé, mesmo sob perseguição. Permaneçamos firmes em Cristo. Mantenhamo-nos juntos, fieis ao Evangelho e na certeza de que Ele caminha conosco. Pois ouvimos o que nos foi dito: nosso lugar à mesa não nos será tirado, nem a morte terá a última palavra.
A Palavra de Deus é viva, se encarna em nossos corpos e se revela na História. A própria pergunta que motivou a redação deste documento revela a ação do Espírito que sopra e se manifesta nos desejos e questionamentos do Povo de Deus, diante da realidade das pessoas LGBTI+. É nessa pergunta que pulsa, sim, o Corpo do Cristo Vivo, e com Ele permanecemos em comunhão. Sempre na convicção de que a Verdade triunfará, seguimos dando nosso testemunho de fé, afirmando nossa pertença filial à Igreja de Cristo, nossa herança, e construindo uma Igreja capaz de celebrar a diversidade e acolher a todas e todos nós.
Coerentes com o Evangelho de Cristo, sejamos a palavra encarnada do Espirito que sopra. Sejamos nós esperança para a Igreja. Sigamos sendo sinais das alegrias e das bênçãos do afeto e da sexualidade, em nossas vidas e em nossos corpos.
Sempre em comunhão,
Rede Nacional de Grupos Católicos LGBT
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Nota sobre declarações da Congregação para a Doutrina da Fé - Instituto Humanitas Unisinos - IHU