19 Fevereiro 2022
Na lista de cardeais que Francisco veria com bons olhos como seus sucessores há um novo nome, que rapidamente saltou para o topo do ranking. É o do Cardeal Jean-Claude Hollerich, Arcebispo de Luxemburgo.
O comentário é de Sandro Magister, jornalista italiano, publicado no seu blog Settimo Cielo, 10-02-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Suas únicas limitações seriam sua idade relativamente baixa, 64 anos, e o fato de ser jesuíta. Mas essas limitações não necessariamente poderiam ser intransponíveis. Quanto à sua idade, Hollerich só tem um ano a menos do outro principal candidato caro a Jorge Mario Bergoglio, o cardeal filipino Luis Antonio Gokim Tagle, prefeito da "Propaganda Fide", e seis anos menos, não muitos, do mais credenciado dos candidatos alternativos, o cardeal húngaro Peter Erdö, arcebispo de Esztergom-Budapeste. E quanto à sua pertença à Companhia de Jesus, ele provou até agora os melhores e menos partidários aspectos, os mais fascinantes, especialmente para aqueles vinte e sete anos de sua missão no Japão, nas fronteiras extremas da fé, onde a busca por Deus e de novas formas de cristianismo são imperativos absolutos, linhas mestras para o futuro da Igreja em um mundo cada vez mais secularizado.
Hollerich sempre se mostrou muito sensível a esse desafio de época e ainda hoje fala disso com uma seriedade e profundidade que o distanciam do medíocre nível da maioria dos cardeais nomeados pelo Papa Francisco. Estudou em Frankfurt e Munique, conhece e fala vários idiomas, incluindo japonês, lecionou durante muito tempo na prestigiosa universidade "Sophia" em Tóquio - nada a ver com a homônima faculdade dos focolares de Loppiano fundada em 2008 por Chiara Lubich, como escreve com grosseiro equívoco a biografia oficial de Hollerich no site do Vaticano - até que em 2011 Bento XVI o chamou de volta à Europa e o nomeou arcebispo em sua terra natal, o Grão-Ducado de Luxemburgo.
Desde então, a Europa em crise de fé tem sido o espaço prioritário da missão de Hollerich, principalmente desde que em 2018 foi eleito presidente da Comissão dos Episcopados da União Europeia, a COMECE, cargo de alta visibilidade institucional, em contato com os representantes da União e com a tarefa de expressar o ponto de vista da Igreja sobre seus atos, último desses o juízo crítico formulado pelo cardeal em 8 de fevereiro contra a proposta do presidente francês Emmanuel Macron de incluir o direito ao aborto na Carta dos Direitos Fundamentais da União.
Mas uma centralidade muito maior, não só na Europa, mas no mundo, foi conferida a Hollerich pela decisão de Francisco de torná-lo cardeal, em 2019, e sobretudo, em 8 de julho de 2021, relator geral do sínodo plurianual que – na opinião do papa reinante, mas também desse seu possível sucessor - deveria remodelar a Igreja à insígnia, justamente, da "sinodalidade".
Para Hollerich, este sínodo deve ser mais "aberto" do que nunca. Deverá saber ouvir e "encher-se" das propostas apresentadas por todo o povo de Deus, mesmo nos capítulos mais candentes.
Comparado a Francesco, sempre indecifrável mesmo quando abre espaço para novas soluções, Hollerich se destaca por sua maior clareza. Nas últimas semanas, concedeu extensas entrevistas nas quais parece explicitar, com provável aprovação de cima, direções de rumo que o papa não quer enunciar com suas próprias palavras, coincidindo de forma certamente não casual com a onda de reivindicações extremas que nesse momento estão vindo do quase cismático "Caminho Sinodal" em curso na Alemanha.
Bem, eis como Hollerich se expressou sobre esses dois pontos em discussão, em três de suas recentes entrevistas com o "La Croix", "Herder Korrespondenz" e "Katholische Nachrichten-Agentur".
"Eu já fui um grande defensor de celibato para todos os padres, mas hoje espero que haja os 'viri probati'. É um desejo profundo. E, no entanto, é um caminho difícil para a Igreja, porque pode ser percebido como uma ruptura. Após o Sínodo sobre a Amazônia, pode ser que uma das razões pelas quais o papa não permitiu os 'viri probati' tenha sido que eles haviam sido solicitados com demasiada força e que o Sínodo havia se reduzido demais a essa questão. Mas acredito que devemos ir nessa direção, senão em breve não teremos mais padres. No longo prazo, também posso imaginar a via da ortodoxia, em que apenas os monges seriam obrigados ao celibato”.
"Parece-me que o primeiro problema não é se as mulheres devem ou não ser padres, mas principalmente se as mulheres têm um verdadeiro peso no sacerdócio que é de todos os batizados e confirmados do povo de Deus e se assim podem exercer a autoridade a isso associada. Isso também significaria homilia na missa? Eu diria que sim".
“Eu não teria nada em contrário. Porém as reformas devem ter um fundamento estável. Se o papa agora de repente permitisse 'viri probati' e diáconas, haveria um grande perigo de cisma. Não existe apenas a situação na Alemanha, onde talvez apenas uma pequena parte se afastaria. Na África ou em países como a França, muitos bispos provavelmente não colaborariam”.
“Às vezes tenho a impressão de que os bispos alemães não compreendem o papa. O papa não é um liberal, é radical. É da natureza radical do Evangelho que vem a mudança. Compartilho a atitude de Thomas Halik. Não se pode falar apenas de reformas de estruturas, também a espiritualidade deve voltar a crescer. Se for apenas uma questão de reformas como resultado de um confronto, tudo pode voltar rapidamente para trás. Em tal caso tudo depende apenas da maior influência de um grupo ou de um outro. Assim não se sai do círculo vicioso”.
“Precisamos mudar a nossa forma de considerar a sexualidade. Até hoje tivemos uma visão bastante reprimida dela. Evidentemente não se trata de dizer às pessoas que elas podem fazer qualquer coisa ou de abolir a moral, mas acredito que devemos dizer que a sexualidade é um dom de Deus. Nós o sabemos, mas o dizemos? Não tenho certeza. Alguns atribuem a multiplicação dos abusos à revolução sexual. Penso exatamente o contrário: em minha opinião, os fatos mais horríveis aconteceram antes dos anos 1970”.
Homossexualidade
“As posições da Igreja sobre os relacionamentos homossexuais como pecaminosos estão erradas. Acredito que o fundamento sociológico e científico dessa doutrina não é mais correto. É hora de uma revisão fundamental do ensinamento da Igreja e a maneira como o Papa Francisco falou da homossexualidade pode levar a uma mudança na doutrina. Dessa forma, na nossa arquidiocese, em Luxemburgo, ninguém é despedido por ser homossexual, ou por ser divorciado e novamente casado. Eu não posso mandá-los embora, ficariam desempregados, e como algo assim pode ser cristão? Quanto aos padres homossexuais, há muitos, e seria bom que pudessem falar sobre isso com seu bispo sem que ele os condenasse”.
“Em Tóquio eu distribuía a comunhão a todos que vinham à missa. Nunca neguei a comunhão a ninguém. Eu dava como certo que um protestante, se vier para receber a comunhão, sabe o que os católicos entendem por comunhão, pelo menos tanto quanto os outros católicos que participam da missa. Mas eu não concelebraria com um pastor evangélico. Em Tóquio, aprendi a conhecer muito bem o protestantismo e a apreciá-lo. Mas certa vez eu estava presente em uma de suas ceias do Senhor e fiquei horrorizado quando o resto do vinho foi jogado fora, assim como as sobras do pão. Isso me chocou bastante, porque como católico acredito na presença real”.
“Gosto da Missa em latim, considero os textos muito bonitos, principalmente o primeiro cânon. Quando celebro a missa na capela de minha casa, às vezes escolho uma oração latina. Mas numa paróquia eu não faria isso. Eu sei que as pessoas ali não entendem o latim e não ganhariam nada. Pediram-me para celebrar em Antuérpia uma missa em latim com o rito atual. Farei isso, mas não celebrarei com o rito antigo. Isso não significa que outros não possam fazê-lo num bom sentido. Mas eu não posso. Em nossa língua e em nossa imaginação, o passado está atrás e o futuro à frente. No antigo Egito, as coisas eram exatamente o oposto. O passado era visto como algo que está à nossa frente, porque o conhecemos e o vemos, enquanto o futuro estava atrás, porque não se conhece. A Igreja Católica ainda me parece ter um toque egípcio. Mas não funciona mais. Deus abre para o futuro. Há quem diga que a missa era muito mais bonita antes. Mas a que forma eles se referem? Em geral se imagina um certo passado que é "estilizado" em uma tradição. E é neste ponto que a civilização egípcia no final fracassou. Não tinha mais a capacidade de se transformar".
"Conheço homens e mulheres, inclusive de esquerda, que se dizem cristãos convictos, que lutam contra as mudanças climáticas, mas no Parlamento Europeu votam para garantir que o aborto seja um direito fundamental e que seja limitada a liberdade de consciência dos médicos. Eles tendem a encerrar suas preferências religiosas na esfera privada. Mas se assim for, isso não é mais uma religião, mas uma convicção pessoal. A religião requer um espaço público para se expressar. Um exemplo: sou absolutamente contra o aborto. E como cristão, não posso ter uma posição diferente. Mas também entendo que há uma preocupação com a dignidade das mulheres, e que aquilo que defendemos no passado para nos opor à lei do aborto hoje não é mais viável. Neste ponto, que outra medida podemos tomar para defender a vida? Quando um discurso não é mais seguido, não devemos insistir de forma obstinada, mas procurar outros caminhos”.
Sobre outro ponto, a bênção litúrgica dos casais homossexuais, sobre a qual tanto se agitou o sínodo da Alemanha e o próprio Papa Francisco deu sinais de ceder, Hollerich é curto e claro: “Com as bênçãos nupciais não, não concordo, porque nós consideramos matrimônio apenas a união entre um homem e uma mulher".
Assim como há uma indubitável distância entre a visão que Hollerich tem da Igreja e aquela hiperdemocrática, que voltou a reiterar em uma recente entrevista o bispo de Limburg e presidente da conferência episcopal alemã Georg Bätzing: "Queremos que na Igreja o poder seja compartilhado, que seja controlado, que não fique mais nas mãos de um só, mas que seja compartilhado por muitos. Queremos que as mulheres possam ser aceitas nos ministérios e nos departamentos da Igreja. Que na Igreja sejam aplicadas a igualdade de direitos, a igualdade de dignidade de mulheres e homens. Queremos que na Igreja encontre aceitação a diferença de gênero, mas também a multiplicidade de gênero”.
No entanto, fica em aberto uma incógnita. Até onde resistirão as diretrizes reformistas de Hollerich, feitas de muitos sims, mas também de alguns nãos, quando as propostas explosivas do sínodo alemão se cruzarão, em Roma, com o sínodo de toda a Igreja sobre a sinodalidade?
Em 3 de fevereiro passado, em entrevista de imprensa, Bätzing informou que depois de um encontro no Luxemburgo entre ele, Hollerich e o cardeal maltês Mario Grech, secretário-geral do Sínodo dos Bispos, foi recebido em audiência pelo Papa Francisco, que teria encorajado a criação de um grupo de trabalho sobre como conciliar o sínodo alemão com aquele da Igreja universal.
Hollerich, como candidato reformista ao papado, parece prometer um percurso mais linear e coerente do que o atual pontificado flutuante e contraditório.
É um banal replicante de Bergoglio, porém, quando ele também começa a repetir esta ladainha tão cara ao papa reinante: “Até mesmo o pastor nem sempre conhece o caminho e sabe para onde ir. Às vezes, serão as ovelhas a encontrar o caminho e o pastor seguirá com dificuldade, passo a passo”.
Sem falar da temerária intimação, tal como o do Papa Francisco, do aristotélico princípio da não contradição, que também Hollerich não teme inverter em seu contrário, com a adição de um toque no estilo japonês:
"Sou um bispo que vem do Japão e acredito que aquelas experiências me ofereceram outro horizonte de pensamento e juízo. Os japoneses não pensam como na lógica europeia dos opostos. Se nós dizemos que algo é preto, significa que não é branco. Os japoneses, por seu lado, dizem: ‘É branco, mas talvez também preto. No Japão se podem combinar os opostos sem mudar o ponto de vista”.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Se o conclave quiser um segundo Francisco, eis o nome e o programa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU