02 Dezembro 2021
"O ponto decisivo é este: a tolerância é favorecida pela indiferença de uma linguagem 'neutra' ou pelo respeito adquirido pelas 'linguagens qualificadas'? Como se constrói a convivência pacífica? Eliminando as diferenças como ameaças à convivência pacífica ou fortalecendo o respeito pelas diferenças a serem entendidas como riquezas comuns?", escreve o teólogo italiano Andrea Grillo, professor do Pontifício Ateneu Santo Anselmo, em artigo publicado por Come Se Non, 30-11-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Como se pode não discriminar? A linguagem, mesmo com suas limitações, pode fazer muito. Uma sociedade orientada para a tolerância deve, em primeiro lugar, colocá-la nas palavras e nos pensamentos. Assim, pode exprimir uma experiência de acolhimento mais universal e assumir formas expressivas que estejam mais atentas ao modo como as palavras soam não só aos seus próprios ouvidos, mas também aos dos outros. Mas também há uma "usura da tolerância" (Ricoeur). A tolerância se "usura" quando perde as diferenças das quais nasce e começa a gerar indiferença. As diferenças podem causar muito mal, mas a indiferença pode ser o mal pior.
A pequena discussão que se abriu em torno do documento da Comissão para a Igualdade deve ser reconduzida à sua verdadeira dimensão. Que não pode ser deturpada com títulos exagerados e mentiras descaradas. Ninguém sonhou em "proibir" nem a palavra Natal nem o nome Maria. Em vez disso, seria a questão de substituir nomes "qualificados por uma diferença" por denominações mais "indiferentes".
Justamente aqui, no entanto, está o ponto. Eu entendo bem que, em determinadas circunstâncias, é preferível usar terminologias mais "neutras". Todos nós fazemos isso, dependendo dos contextos e das circunstâncias. Em vez disso, o que deveria ser discutido é o objetivo fundamental: como criar uma sociedade verdadeiramente pacificada e não discriminatória?
Aqui, existem duas estratégias: somos mais respeitosos e menos discriminatórios se eliminarmos da linguagem todas as diferenças? Ou se mantermos as diferenças, mas soubermos respeitá-las e honrá-las como um enriquecimento comum? Na verdade, as “festas” e os “nomes” nascem apenas de diferenças de história, de fundações, de mitos e ritos, dos quais vive a sociedade.
Quando as "festas religiosas" se tornam "festas civis" - Natal, Páscoa, Pentecostes (que por sua vez se tornaram festas religiosas de adaptações anteriores) - a terminologia com a qual são chamadas resulta inevitavelmente diferenciada. E as línguas elaboram essas experiências de forma por sua vez diferenciada. Chamamos de "Domingo” o que os ingleses chamam de "Sunday", mas eles chamam de "Christmas" o que nós chamamos de "Natal".
Assim, poder-se-ia abstratamente ter um problema com o "dia do Senhor", mas não com o "dia do Sol", com "Christmas", mas não com "Natal". As línguas são imprevisíveis pelo menos quanto os projetos dos seres humanos. As diferentes palavras podem ter um peso variável, impactando em outras sensibilidades e outras confissões. Mas o ponto decisivo é este: a tolerância é favorecida pela indiferença de uma linguagem "neutra" ou pelo respeito adquirido pelas "linguagens qualificadas"? Como se constrói a convivência pacífica? Eliminando as diferenças como ameaças à convivência pacífica ou fortalecendo o respeito pelas diferenças a serem entendidas como riquezas comuns?
Podemos dizer "buon Ferragosto" (feriado civil na Itália) ou "boa Assunção", mas não tenho certeza se o primeiro voto seja mais tolerante que o segundo. A ostentação de uma diferença que marginaliza continua problemática e deve ser sempre evitada. Mas a submissão a uma indiferença que não entende mais as razões da festa é igualmente questionável. A primeira pode gerar uma imposição violenta, mas a segunda pode dar vazão a uma indolência desorientada.
O tempo assume um sentido se for marcado por diferenças: coisas belas a serem lembradas e grandes eventos ainda a serem esperados. As “festas” todas têm essa lógica “diferente”, que irrompe e surpreende. Uma festa "programada" é uma festa sem fogo, sem luz, sem história, sem vida. Dizer "boas festas" é possível e nunca será um crime, mas apenas porque não diz quase nada. Mas se a festa estiver vazia, se for apenas “feriado”, se for adquirida apenas por diferença do trabalho, se for apenas “não trabalho”, é pouco demais. Para festejar é preciso um fogo vivo, uma promessa não quebrada, um perdão que se renova, uma libertação inesperada. E cada tradição tem seus eventos e suas narrativas. A sociedade tolerante, se não quiser usurar a tolerância e transformá-la em indiferença, deve guardar os diversos nomes próprios, e não os deixar cair num genérico neutro festivo.
Para dizer a igualdade totalmente, só podemos usar palavras da diferença. As fórmulas de saudação, como sabemos, podem variar. Muito correto e sem problemas é "Bom dia": expressão limpa e elegante, mas nada mais. Mas se quisermos desfrutar de uma boa proximidade, quebramos o equilíbrio paritário e dizemos "Ciao" (cumprimento informal italiano que tem origem na expressão “sou seu escravo”, ndt). Dizer "sou seu escravo" não é o máximo da igualdade, mas é a única maneira de realmente estar em um relacionamento sem discriminações. Eu me discrimino por você: que melhor igualdade? Entre a forma e a substância da linguagem inclusiva permanece sempre uma lacuna não antecipável, que cada língua elabora de maneira diferente, e que a vigilância puramente formal corre o risco de errar em seu alvo substancial: o de poder ser universalmente reconhecido em uma história particular, contingente, não necessária e, por isso, digna do máximo respeito.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Sem discriminações, mas não sem diferenças: um grande desafio. Artigo de Andrea Grillo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU