25 Novembro 2021
"O Brasil não é mais o país do futuro, pois o padrão de vida dos brasileiros pode ficar estagnado pelos próximos 40 anos", constata José Eustáquio Diniz Alves, doutor em demografia e pesquisador de meio ambiente, em artigo publicado por EcoDebate, 22-11-2021.
Segundo ele, "a literatura econômica mostra que os países só conseguem enriquecer antes de envelhecer. Assim, o Brasil está perdendo um momento único".
"O Brasil - afirma o demógrafo - vive o seu melhor momento demográfico, cabe ressaltar, melhor momento de todos os tempos. Um instante singular, que só acontece uma única vez na história de qualquer país, que é quando a proporção de pessoas em idade ativa está em seu ponto máximo e a proporção de pessoas em idade não produtiva ou menos produtiva (crianças e idosos) está em seu ponto mínimo. Conhecido como “bônus demográfico” este acontecimento especial é aquele evento indispensável para a decolagem do desenvolvimento socioeconômico de qualquer país. Não existe nenhuma nação com altíssimo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) que não tenha aproveitado o seu “bônus demográfico”.
“O conceito de ‘Estagnação Secular’ – originalmente formulado pelo eminente economista da era da depressão, Alvin Hansen – se caracteriza por um período prolongado no qual o crescimento satisfatório só pode ser alcançado por condições financeiras insustentáveis e parece ser o desafio macroeconômico definidor de nossos tempos”
Larry Summers (2013)
O Brasil não é mais o país do futuro, pois o padrão de vida dos brasileiros pode ficar estagnado pelos próximos 40 anos. O PIB (Produto Interno Bruto) potencial per capita do Brasil não deve passar de 1,1% ao ano na década de 2020 a 2030 e ficar no máximo em 1,4% ao ano de 2030 a 2060. É o que diz o relatório: “The Long Game: Fiscal Outlooks to 2060 underline need for structural reform” da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), divulgado no dia 19 de outubro de 2021.
O problema não é somente brasileiro, pois o crescimento real do PIB dos países da OCDE e do G20 deve cair pela metade no países da OCDE: de cerca de 3% para 1,5% em 2060. Mas o Brasil deve ser um dos países com pior desempenho econômico até 2060 (só ganhando da Argentina que deve ter um desempenho ainda pior), conforme mostra a tabela abaixo.
Uma das explicações para o menor crescimento econômico é a mudança da estrutura etária, com a redução da população em idade ativa (PIA) e o processo de envelhecimento da população. Isto quer dizer que a taxa crescimento do emprego potencial deve ser negativa, afetando o percentual da população ocupada nos diversos países. Mas o caso brasileiro é agravado pela baixa produtividade do trabalho e pelo baixo crescimento do capital por trabalhador, já que o país tem baixíssimas taxas de poupança e de investimento.
Relatório do FMI para a América Latina e Caribe (ALC), divulgado 21/10/2021, mostra que os efeitos negativos da pandemia de covid-19 em termos econômicos e de produtividade, na região podem demorar muitos anos para serem revertidos. Embora a recuperação tenha se mantido em 2021, não foi suficiente para superar a recessão histórica de 2020 na região, que levou a uma contração do PIB de 7%, muito acima do -3,1% em nível mundial. O panorama atual mostra uma recuperação desigual do emprego, com maior impacto nos jovens, nos menos escolarizados e nas mulheres. O relatório do FMI alertou também sobre o impacto na região do aumento dos preços das matérias-primas e dos alimentos, das interrupções na cadeia de abastecimento e dos aumentos globais dos preços dos bens, que impulsionam a alta dos preços ao consumidor (IMF, 21/10/2021).
A literatura econômica mostra que os países só conseguem enriquecer antes de envelhecer. Assim, o Brasil está perdendo um momento único como mostrei em artigo para o boletim da ANPOCS (ALVES, 11/05/2020). O Brasil vive o seu melhor momento demográfico, cabe ressaltar, melhor momento de todos os tempos. Um instante singular, que só acontece uma única vez na história de qualquer país, que é quando a proporção de pessoas em idade ativa está em seu ponto máximo e a proporção de pessoas em idade não produtiva ou menos produtiva (crianças e idosos) está em seu ponto mínimo. Conhecido como “bônus demográfico” este acontecimento especial é aquele evento indispensável para a decolagem do desenvolvimento socioeconômico de qualquer país. Não existe nenhuma nação com altíssimo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) que não tenha aproveitado o seu “bônus demográfico”.
Pois bem, aproveitar a janela de oportunidade demográfica é essencial para o progresso social e isto só se torna possível com o investimento na empregabilidade da força de trabalho, com saúde e com alta qualificação educacional. Porém, não é o que o Brasil tem feito nos últimos 7 anos de altas taxas de desemprego e subemprego, de aumento da pobreza e da desigualdade e de desmontagem de qualquer perspectiva de um sistema de proteção social mais amplo.
O gráfico abaixo mostra que a renda per capita brasileira teve um grande crescimento médio entre 1900 e 1980. No final da ditadura militar e começo do governo Figueiredo o Brasil entrou em recessão e assistiu o surgimento da primeira década perdida. A economia se recuperou um pouco na década de 1990 e especialmente na primeira década do século XXI (mas sem voltar ao desempenho dos “anos dourados” do período 1950-1980). Quando parecia que o Brasil decolaria, surge uma nova década perdida e o período 2011-20 apresentou o pior desempenho da renda per capita brasileira, conforme mostra o gráfico abaixo.
Para tentar reduzir o impacto da “Estagnação Secular”, a OCDE considera a necessidade de mudanças estruturais nos sistemas de previdência e no mercado de trabalho. De fato, o mercado de trabalho é essencial, pois como disse Adam Smith, que na primeira frase do seu famoso livro, de 1776: “O trabalho anual de cada nação constitui o fundo que originalmente lhe fornece todos os bens necessários e os confortos materiais que consome anualmente”. Ou seja, o trabalho é a fonte de toda a riqueza, também como mostrou Karl Marx no século XIX.
Contudo, como mostrou a PNADC do IBGE, divulgada em 27/10, a população ocupada (PO) ficou em 90,2 milhões de pessoas em jun-jul-ago de 2021, acima das 81,7 milhões de 2020, mas abaixo das 93,6 milhões de pessoas ocupadas em 2019. O número de desocupados ficou em torno de 13,7 milhões em 2021 e 2020, acima de 12,6 milhões de 2019. A população subutilizada que estava abaixo de 30 milhões antes da pandemia, saltou para mais de 30 milhões em 2020 e 2021. O gráfico abaixo mostra que a taxa composta de subutilização da força de trabalho ficou em 27,4% no trimestre jun-jul-ago de 2021, o segundo maior valor da série.
Dados da PNAD Contínua, divulgados pelo IBGE, dia 19/11, mostram que o rendimento mensal médio real de todas as fontes no país passou de R$ 2.292 em 2019 para R$ 2.213 em 2020 – valor mais baixo desde 2013, sendo que metade dos mais pobres tem renda inferior a 1% dos mais ricos. O trabalho é a fonte da riqueza das nações, mas apenas 40% dos brasileiros possuem renda proveniente do trabalho. As políticas sociais estão cada vez mais dependentes das transferências de renda e o objetivo do “Pleno emprego e trabalho decente” é sempre procrastinado.
Para o Brasil vencer o atraso, a pobreza e a insegurança alimentar e evitar um agravamento da situação social decorrente da estrutural e quase inevitável “Estagnação Secular” só há uma solução: investir de maneira firme e conjunta no Trabalho, Educação e Saúde. Auxílios emergenciais são necessários, mas não substituem a geração de renda. Somente uma população com elevada taxa de ocupação e alto grau de produtividade do trabalho pode gerar riqueza e bem-estar social e ambiental.
ALVES, JED. O impacto mortal da covid-19 sobre a economia e a demografia brasileira, ANPOCS, 11/05/2020. Disponível aqui.
ALVES, JED. Brasil vive outra década perdida, Ecodebate, 25/09/2019. Disponível aqui.
OECD. The Long Game: Fiscal Outlooks to 2060 underline need for structural reform, 19/10/2021. Disponível aqui.
IMF. Outlook for Latin America and the Caribbean a long and winding road to recovery, 21/10/21. Disponível aqui.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Brasil preso na armadilha da estagnação secular no século XXI? Artigo de José Eustáquio Diniz Alves - Instituto Humanitas Unisinos - IHU