01 Julho 2021
"Analisando os dados dos censos demográficos, nota-se que a população ocupada masculina em relação à população total do país ficou praticamente constante, em torno de 27% entre 1950 e 2010. Já a população ocupada feminina em relação à população total cresceu de 4,7% em 1950 para 19,2% em 2010, mostrando que a inserção da mulher no mercado de trabalho foi o principal componente do bônus demográfico brasileiro. O conjunto dos ocupados (homens + mulheres) em relação à população total passou de 32% em 1950 para 31,7% em 1970 e para 45,3% em 2010, significando que, entre 1970 e 2010, houve um aproveitamento do bônus demográfico, pois a proporção de trabalhadores efetivos aumentou em relação aos consumidores efetivos", escreve José Eustáquio Diniz Alves, demógrafo e pesquisador em meio ambiente, em artigo publicado por EcoDebate, 30-06-2021.
A pandemia da covid-19 veio para excluir ainda mais as mulheres do mercado de trabalho e acirrar as desigualdades da divisão sexual do trabalho.
“O grau de emancipação das mulheres é o termômetro através do qual se mede a emancipação de toda a sociedade”. Charles Fourier (1772-1837)
As mulheres foram consideradas cidadãs de segunda classe na maior parte da história brasileira. Até o século XIX as mulheres estavam fora da escola e tinham as maiores taxas de analfabetismo, estavam fora do mercado de trabalho produtivo, sofriam com alta mortalidade materna e estavam excluídas da política.
Somente com o fim da República Velha (1889-1930) e o começo da construção de uma sociedade urbano-industrial as conquistas femininas avançaram e se ampliaram: elas obtiveram o direito de voto em 1932; passaram a ser maioria da população a partir da década de 1940; atingiram a maioria do eleitorado em 1998; reduziram as taxas de mortalidade, elevaram a esperança de vida e passaram a viver, em média, sete anos acima da média masculina; ultrapassaram os homens em todos os níveis educacionais; aumentaram as taxas de participação no mercado de trabalho, diminuíram os diferenciais salariais e são maioria da População Economicamente Ativa (PEA) com mais de 11 anos de estudo; conquistaram duas das três medalhas de ouro do Brasil nas Olimpíadas de Pequim (2008) e Londres (2012); são maioria dos beneficiários da previdência e dos programas de assistência social, conquistaram a igualdade legal de direitos na Constituição de 1988 e obtiveram diversas vitórias específicas na legislação nacional; por último e não menos importante, chegaram à presidência do Supremo Tribunal Federal (2006) e à presidência da República (2010).
Todavia, décadas de avanços femininos passaram a ser ameaçados a partir da crise econômica de 2014. Em dezembro de 2015, o Grupo de Trabalho Gênero da Abep e a Fundação Carlos Chagas organizaram o seminário “Até onde caminhou a revolução de gênero no Brasil? Implicações demográficas e questões sociais”, ocorrido em São Paulo. Os principais trabalhos do evento foram publicados em livro com o mesmo título (ITABORAI; RICOLDI, 2016).
Na ocasião, explicitei uma visão – reconhecidamente pessimista – de que a crise econômica brasileira estava interrompendo seis décadas de aumento da taxa de ocupação das mulheres, reduzindo, inclusive, o percentual daquelas com curso superior nas atividades produtivas. A conjuntura econômica estava revertendo o processo de inserção feminina no mercado de trabalho exatamente no momento em que a estrutura etária brasileira encontrava-se em seu momento mais favorável, pois a razão de dependência demográfica apresentava os valores mais baixos no quinquênio 2015-20. Dessa forma, chamei a atenção para a tendência de “desempoderamento das mulheres brasileiras” e o desperdício do bônus demográfico feminino (ALVES, 2016).
No mesmo seminário, apresentando uma visão otimista, Wajnman (2016) entendia que a crise econômica teria, de fato, um efeito desastroso no curto prazo, mas, no longo prazo, os efeitos de composição provocados pela maior escolaridade feminina deveriam elevar novamente as taxas de atividade das mulheres na força de trabalho, possibilitando que as tendências de maior inserção feminina, de longo prazo, fossem retomadas e as desigualdades na taxa de participação entre homens e mulheres pudessem ser reduzidas.
O que tentei argumentar nesse seminário da Abep/FCC foi que a crise econômica brasileira estava inviabilizando o aproveitamento da força de trabalho brasileira e provocando, artificialmente, o fim precoce do bônus demográfico, já que a baixa razão de dependência só se transforma, efetivamente, em ganhos econômicos e sociais se houver aproveitamento do potencial produtivo do capital humano. A pandemia da covid-19 veio para excluir ainda mais as mulheres do mercado de trabalho e acirrar as desigualdades da divisão sexual do trabalho.
Para avaliar a situação atual e revisitar o debate ocorrido em 2015, o quadro as Terças Demográficas (22/06/2021) reuniu novamente os demógrafos José Eustáquio Diniz Alves e Simone Wajnman (moderados por Alberto C. Almeida) para atualizar as análises e avaliar as perspectivas futuras do bônus demográfico feminino no Brasil.
Infelizmente, a realidade brasileira confirmou as previsões pessimistas e não as otimistas. Os dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) mostram que o estoque de emprego formal, que estava em 41,3 milhões de postos em novembro de 2014, caiu nos anos seguintes e chegou a apenas 38,6 milhões de postos de trabalho em março de 2020. Uma perda de 2,7 milhões de empregos formais no período de quase seis anos. Ou seja, houve redução do emprego formal, enquanto a população total crescia.
Analisando os dados dos censos demográficos, nota-se que a população ocupada masculina em relação à população total do país ficou praticamente constante, em torno de 27% entre 1950 e 2010. Já a população ocupada feminina em relação à população total cresceu de 4,7% em 1950 para 19,2% em 2010, mostrando que a inserção da mulher no mercado de trabalho foi o principal componente do bônus demográfico brasileiro. O conjunto dos ocupados (homens + mulheres) em relação à população total passou de 32% em 1950 para 31,7% em 1970 e para 45,3% em 2010, significando que, entre 1970 e 2010, houve um aproveitamento do bônus demográfico, pois a proporção de trabalhadores efetivos aumentou em relação aos consumidores efetivos.
Os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), também mostram que a relação entre a população ocupada e a população total estava aumentando entre 2001 e 2014 (2015 já teve uma pequena queda). Da mesma forma, os dados da PNAD Contínua (para o segundo trimestre do ano) mostram que a relação entre a população ocupada e a população total estava aumentando até 2014 e se reduziu nos anos seguintes que foram de profunda crise na economia brasileira. Mas entre 2015 e 2019 o nível de ocupação caiu e levou um tombo durante a pandemia.
Havia e ainda há a possibilidade de aumentar a taxa de ocupação no período 2020 a 2040 – quando a PIA estiver crescendo, mas em ritmo menor do que ao conjunto da população. Assim, ainda é possível aproveitar o bônus demográfico se o percentual da população ocupada (PO) em relação à população total (PT) continuar aumentando. O gráfico acima, mostra uma projeção do aumento da PO em relação à PT passando de 50% em 2020 para 52% em 2030 e 53% em 2040 (sendo 27% para 27,2% no caso dos homens e 23% para 25,8% no caso das mulheres). Esta projeção do aumento da proporção da população ocupada brasileira para o valor máximo de 53% pode até ser considerada conservadora, diante de experiências como as da China e do Vietnã que chegaram a ter cerca de 60% da população total ocupada.
Indubitavelmente, o que o gráfico acima indica é que o Brasil pode aproveitar o bônus demográfico até 2040 e ainda reduzir as desigualdades de gênero no mercado de trabalho, dando continuidade à maior inserção feminina nas atividades produtivas.
Portanto, conseguir “pleno emprego e trabalho decente” (bandeira da Organização Internacional do Trabalho – OIT), combinado a avanços na educação, podem fazer o Brasil dar um salto no seu índice de desenvolvimento (passando de renda média para renda alta) e aproveitar os 20 anos que restam para o fechamento da janela de oportunidade demográfica.
ALVES, J. E. D. Crise no mercado de trabalho, bônus demográfico e desempoderamento feminino. In: ITABORAI, N. R.; RICOLDI, A. M. (org.). Até onde caminhou a revolução de gênero no Brasil? Belo Horizonte: Abep, 2016. p. 21-44. ISBN 978-85-85543-31-0. Acesse clicando aqui.
WAJNMAN, S. “Quantidade” e “qualidade” da participação das mulheres na força de trabalho brasileira. In: ITABORAI, N. R.; RICOLDI, A. M. (org.). Até onde caminhou a revolução de gênero no Brasil? Belo Horizonte: Abep, 2016. p. 45-58. Acesse clicando aqui.
ALVES, JED, WAJNMAN, S. ALMEIDA, AC. Terças demográficas: o bônus demográfico feminino no Brasil, 22/06/2021:
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O bônus demográfico feminino e a crise do mercado de trabalho: um debate revisitado. Artigo de José Eustáquio Diniz Alves - Instituto Humanitas Unisinos - IHU