“A complexidade da história dos abusos sexuais pelo clero encerra questões vitais para a teologia: a importância da humildade, a necessidade de uma perspectiva plural, a necessidade da compaixão, a profundidade do discipulado cristão, a revisão da formação do clero”, escreve Marcel Uwineza, padre jesuíta de Ruanda, cuja principal área de interesse é a relação entre a Igreja Católica, direitos humanos, religião e a política internacional, em artigo publicado originalmente por La Civiltà Cattolica e reproduzido por Religión Digital, 23-10-2021. A tradução é do Cepat.
No último dia 5 de outubro, foram divulgados os resultados do Relatório da Comissão Independente sobre Abusos Sexuais na Igreja (CIASE) da França. O relatório foi solicitado pela Conferência Episcopal Francesa e agora está à sua disposição para um exame aprofundado, para que se possa dar um novo passo no âmbito da luta contra os abusos.
O documento contabiliza cerca de 3.000 sacerdotes e religiosos que cometeram abusos sexuais contra menores ou pessoas vulneráveis, em 70 anos. Atualmente, um total de 216.000 pessoas na Franca (com uma margem de erro de 50.000) foram abusadas por sacerdotes e religiosos católicos. Quando incluídas as agressões cometidas por leigos (sobretudo nas escolas), a estimativa aumenta para 330.000 pessoas. Mas isso é apenas uma peça de um quadro mais amplo.
A crise mundial dos abusos sexuais pelo clero infligiu feridas que levarão muitos anos para ser curadas. É necessário reconhecer que a negação dos abusos é ainda um problema. A terrível tragédia perpetrada contra crianças e adultos vulneráveis pelo clero, com suas consequências, deixa cicatrizes em todo o povo de Deus e torna necessária uma teologia que valorize o papel da memória.
Convencidos de que uma família sem a recordação está destinada a desaparecer, acreditamos que o problema da memória é um imperativo teológico. Mas que tipo de memória? Como as recordações são curadas? Conforme destacava Johann Baptist Metz a propósito do Holocausto judeu, os membros do povo de Deus “não devem se deixar bloquear por recordações não reconciliadas, nem mesmo no nível teológico, mas devem se valorizar com fé e falar com elas de Deus” [1].
Se é verdade que a memória constitui a matriz da história e da teologia, em um mundo violento, a teologia deve se posicionar a partir do lugar das feridas. Esse artigo oferece uma revisão da relação entre a humanidade e a Igreja de Deus, danificada pelos abusos sexuais do clero contra menores, mas também da autoridade da Igreja, hoje minada pela perda de credibilidade.
É necessário formular uma teologia capaz de orientar a reconciliação da memória e, ao mesmo tempo, reimaginar o valor da salvação em uma Igreja que se esforça para curar as feridas das pessoas. O objetivo, portanto, consiste em abordar os aspectos teológicos, antropológicos, eclesiais e morais da memória, ou seja, em avaliar a ambivalência da culpa, sopesar quais lembranças específicas devem ter prioridade sobre outras, confrontar-se com memórias coletivas e individuais não reconciliadas e com o significado vital do perdão.
“Recordações não reconciliadas” é a expressão precisa que utilizaremos, na continuidade, para nos referir ao contexto da pedofilia. Essas se contextualizam em muitos casos, nomeemos alguns:
1. A recordação não reconciliada se refere às inúmeras vítimas que sobreviveram à violência sexual de sacerdotes e que devem enfrentar o difícil caminho de ser deixadas sozinhas no relato de suas histórias, em um contexto de negação dos abusos ou de supressão da memória;
2. Refere-se à memória das crianças nascidas de um estupro;
3. Também abrange as muitas vítimas que decidiram se distanciar o máximo possível de quem as feriu;
4. As recordações não reconciliadas são próprias também dos autores dos abusos, dos que saíram da prisão e dos que estão em casas de repouso, porque foram proibidos de exercer qualquer ministério eclesial público ou porque foram reduzidos à condição de leigos. Devem encontrar uma forma de coexistir com as vítimas de seus abusos ou com o peso interior que provém de saber que, caso não tivessem violentado pessoas jovens e vulneráveis, a crise atual da Igreja não teria atingido suas dimensões atuais;
5. Teologicamente, as recordações não reconciliadas se referem ao lugar que Deus ocupa no mar de sofrimento provocado pelos abusos;
6. Por fim, muitas pessoas devem enfrentar as falhas institucionais da Igreja Católica, seus pecados institucionais, suas cumplicidades e a falta de reconhecimento de responsabilidade ainda presente. Yves Congar não poderia ter se expressado melhor: diante da Igreja, nossos contemporâneos, “mais do que com os pecados de seus membros, ficarão escandalizados por sua incompreensão, suas mesquinharias, suas demoras” [2].
Tendo presente essas memórias ou recordações não reconciliadas e irreconciliáveis, qual seria, então, o lugar da memória teológica? O conceito de memória provém do verbo hebraico zakar, que não significa apenas “recordar”, mas também “repetir”, no sentido de recontar, de dar testemunho [3].
Não é difícil compreender a importância de recordar crimes como os abusos sexuais do clero. Com efeito, “os crimes cometidos no passado não pertencem ao passado, mas são, ao contrário, totalmente atuais. Marcaram nossas sociedades [...], nas quais o trauma que imprimiram permanece muito presente” [4].
Essas afirmações podem parecer genéricas, no entanto, dão uma ideia de como o passado incide nas vidas e na comunidade. O chamado a recordar não é somente um convite a olhar para o passado, mas também um chamado a enfrentar o presente e o futuro. Permite-nos entender que, para muitas pessoas, o presente é doloroso.
Para muitas vítimas de abusos sexuais do clero, o passado não passou, portanto, “recordar significa estar presentes. Mas é também algo sobre o qual se pode agir, agir agora, hoje e amanhã, para construir uma sociedade em que ações monstruosas e criminosas como essas sejam simplesmente impensáveis” [5]. Recordar as vítimas dos ataques terroristas de Nova York, Nairóbi, Paris e Bruxelas tem esse objetivo.
A teologia cristã reconhece que, na perspectiva do ser humano diante de Deus, somos essencialmente pessoas caracterizadas pela memória. Os cristãos recordam o que Deus fez na vida, morte e ressurreição de Jesus, por meio dele. Recordam a presença viva do Espírito de Deus na Igreja. E celebram o convite de Jesus a partir do pão e a partilha do cálice de vinho em sua memória (cf. Lc 22,19; 1 Cor 11,24).
A teologia cristã assume um papel fundamental em sua relação com a memória e na definição da identidade das pessoas. “A inteligibilidade do cristianismo extrapola não somente em termos especulativos, mas também narrativos: cristianismo narrativo-prático” [6].
Dessa maneira, estabelece-se uma correlação fundamental entre a fé das pessoas e sua situação atual. A teologia tem uma dimensão relacional inescapável. Quando se faz teologia, é necessário estar submergido na vida do povo de Deus e ver como a mensagem de Jesus sobre o Reino de Deus pode orientar essa vida.
Em essência, a teologia é uma incessante resposta a Deus, que é o primeiro a permanecer em nós. Essa resposta, enraizada na fé, ajuda-nos a compreender algo sobre o mundo, sobre a vida humana orientada para o Senhor, sobre Deus que é, ao mesmo tempo, transcendência absoluta e realidade imanente, e sobre nós.
A teologia está enraizada na história e nas realidades política e econômica de nosso mundo, com frequência marcadas pela alegria, mas também pelo sofrimento do povo de Deus. Relaciona-se, inevitavelmente, com a experiência humana, a linguagem, as ideias e as ações. Esses são os meios através dos quais buscamos nos envolver em uma relação com Deus. Há, pois, um horizonte intelectual e experiencial que é constituído pela teologia como iniciativa humana, que recorda como Deus continua agindo na história.
A memória é fundamental para a formação da identidade humana. Para Paul Ricoeur, situa-se na dimensão afetiva: temos a capacidade de recordar porque o objeto recordado está ligado a um amor ou a um ódio (desgosto) específico [7]. Aristóteles propõe uma reflexão similar em Ética a Nicômaco, ao afirmar que o que somos é o resultado daqueles que nos precederam e fazem parte de nós, e reunimos suas recordações. Destaca que a memória nos permite respeitar os outros, recompensá-los como se deve. É uma questão de justiça.
Os teólogos contemporâneos estão de acordo. Por exemplo, Elizabeth Johnson escreve: “Recordar a grande multidão de amigos de Deus e de profetas abre uma possibilidade de futuro. Suas vidas expressam um programa inconcluso que agora está em nossas mãos. Sua recordação é um incentivo para a ação” [8].
Para Elie Wiesel, a memória reúne o passado e o presente: “Aproximo-me dos homens, meus irmãos, porque recordo nossa origem comum. Aproximo-me deles porque me nego a esquecer que seu futuro é tão importante quanto o meu [...]. O que seria do futuro do homem se não tivesse memória?” [9].
Se observamos as atormentadoras recordações não reconciliadas provocadas pelos abusos sexuais do clero, as expressões que lemos se tornam os pressupostos e a lógica sobre as quais podemos compreender o que significa explorar o “funcionamento da memória”, e indicam de que forma a teologia pode contribuir para libertar tanto as pessoas feridas como a Igreja.
A tarefa de transformar e (re)formar a memória das pessoas e sua identidade não pode ficar à margem da reflexão teológica sistemática, pois a teologia, à luz da comemoração da paixão, morte e ressurreição de Jesus, reserva um espaço particular à recordação da natureza do pecado e do sofrimento, ao papel das testemunhas e dos espectadores.
Flora Keshgegian, pastora da Igreja Episcopal, afirma que o ponto crucial não consiste em especificar o que a teologia poderia fazer após tanto sofrimento, nem em traçar uma reflexão sobre a história e a memória, mas antes mostrar a “situação do cristianismo, que muitas vezes se colocou em perigo por sua cumplicidade com regimes ditatoriais que perpetraram abusos, perseguições e violência” [10].
Não somos julgados apenas por Deus, mas também pela nossa solidariedade com o pecado e com o silêncio diante dos que sofrem. É possível que “ocorram momentos em que não temos o poder de prevenir a injustiça, mas nunca deve existir momentos em que paramos de protestar” [11].
Nessa perspectiva, a neutralidade não é admissível e devemos assumir posições. Como disse Elie Wiesel, “às vezes, temos que intervir. Quando as vidas humanas estão em perigo, quando a dignidade humana está em perigo, os limites nacionais se tornam irrelevantes” [12].
Os teólogos não somente deveriam refletir sobre as consequências do pecado humano, também deveriam levar em consideração o testemunho do passado e do presente, oferecendo esperanças para o futuro e fazendo justiça aos mortos e aos vivos. É preciso propor uma apologia da esperança e do caráter distintivo da esperança cristã [13] para ajudar as pessoas a entender que a memória tem um impacto sobre o que seremos, mas isso só pode acontecer quando uma memória construtiva molda a forma de olhar o passado, evitando assim um impacto destrutivo contínuo no presente.
O que significa “reconciliar a memória” em uma época de abusos sexuais do clero e de acobertamento? Em parte, significa desmascarar as mentiras do autor do mal, que se serve delas para perpetrar o ultraje. É um processo de libertação em relação ao poder do passado, que se alcança trabalhando com as recordações das feridas infligidas [14].
A vítima e o culpado – as crianças e os sacerdotes – estão ligados por uma relação de suspeita. Contudo, uma vez que aprendem de maneira construtiva do passado, podem trabalhar melhor para se libertar um do outro, e quem perdoa sempre realiza uma ação extraordinária.
A transformação da memória pode envolver um processo de caminhada junto às vítimas, tentando compreender o que aconteceu, assim como fez Jesus com os discípulos de Emaús (cf. Lc 24, 13-35). Ele os ajudou a entender que em sua caminhada para algo, na verdade, estavam fugindo de algo: da terrível crucificação de seu amigo Jesus.
Purificar a memória significa dizer não, empaticamente, a quem quer enclausurar o passado [15]. Significa afirmar que o futuro está no caminho, no esforço dinâmico para a libertação, ligado à criação de um espaço de reconciliação e, ao mesmo tempo, oferecer o dom divino do perdão a quem é “imperdoável”.
Trata-se de um ato ritual que proclama a possibilidade – para o sobrevivente e para o agressor – de ter um futuro diferente. Nesse sentido, afirmamos que a memória reconciliadora é um dever para os afligidos, as crianças violadas, e para os sacerdotes.
A complexidade da história dos abusos sexuais pelo clero encerra questões vitais para a teologia: a importância da humildade, a necessidade de uma perspectiva plural, a necessidade da compaixão, a profundidade do discipulado cristão, a revisão da formação do clero.
É indispensável escutar a exigente palavra de Deus, em uma época em que tantas pessoas foram feridas, e escutarmos uns aos outros. Karl Rahner afirmava que “quando já tivermos dito tudo o que é possível dizer sobre nós [...], não teremos dito nada sobre nós, caso não [...] acrescentemos que somos seres orientados para Deus, que é incompreensível” [16].
Diante dos abusos sexuais cometidos por expoentes do clero que arruinaram a vida de tantas crianças, devemos descobrir as implicações da realidade que Rahner chama de “existencial sobrenatural” e “poder obediencial”.
A primeira expressão se refere ao fato de que somos uma humanidade que recebeu a graça: tudo o que somos está ligado à nossa relação com Deus. “Não há nada do que somos como seres humanos que seja alheio à nossa relação com Deus [...]. Com uma capacidade de transcender qualquer coisa que controlamos [...], somos definidos por uma abertura que, em definitivo, só Deus pode satisfazer [...]. Não há natureza humana sem Deus”.
A segunda expressão – “poder obediencial” – se refere à nossa capacidade de escutar a palavra de Deus, faz referência “não apenas ao que fazemos com os nossos ouvidos [...], mas a estar abertos com toda a nossa humanidade à palavra de Deus, estar abertos à presença de Deus em todo o universo criado” [17].
Precisamos entender como Deus atua na história e reconhecer que as questões fundamentais da teologia brotam de nossa humanidade comum, quando juntos enfrentamos o desafio do destino humano. A tarefa da teologia consiste em formular perguntas fundamentais de sentido e de verdade sobre o modo como abordar o mistério de Deus e em fazer perguntas sobre a nossa existência como seres humanos, sociedade e toda a criação. E tudo isso com a fé, dando respostas rigorosas. As teologias nascem daqueles que pensam por si mesmos e com a fé buscam mostrar o mistério incompreensível de Deus e a forma como isto dá sentido à vida de seu povo.
No contexto das feridas dos abusos sexuais do clero, a teologia deve se libertar do fechamento de uma Igreja que foi moldada por sensibilidades burguesas e classistas e que esteve condicionada por sua preocupação pela respeitabilidade, o êxito material, o autoritarismo, uma concepção frágil ou fácil do Deus de Jesus Cristo e de um uso do Evangelho feito só de palavras. A Igreja, lamentavelmente, faltou com o seu dever de honrar as pessoas, pecando assim contra o Criador e renegando a si mesma.
Não pode haver uma autêntica teologia cristã se viramos as costas para as feridas daqueles que foram abusados por sacerdotes e bispos. Caso fizéssemos isso, faltaríamos com o dever de levar o passado a sério. Recordar as feridas da pedofilia nunca consiste em uma mera representação “factual” do passado enquanto passado.
Hannah Arendt nos oferece uma analogia adequada: “Descrever os campos de concentração sine ira não significa ser “objetivos”, significa absolvê-los” [18]. Mas, de onde vem nossa “ira”, nossa indignação? Para reimaginar o humano e a Igreja é essencial reconciliar a memória. Então, como podemos enfrentar efetivamente as recordações não reconciliadas?
Em primeiro lugar, a reconciliação da memória deve assumir que as “negações do abuso” ainda constituem um problema, e deve dar prioridade à verdade sobre o acontecimento, ao por que aconteceu e a quem fez o mal. A memória dos abusos sexuais do clero deve se tornar a base a partir da qual a realidade atual seja enfrentada, com o pedido de mudanças e os reconhecimentos de responsabilidade.
Ao escrever sobre a força da verdade, Santo Agostinho esclarece: “Preguemos, portanto, sempre a verdade, sobretudo quando as circunstâncias imperiosamente a exigem, e que a compreendam os que puderem, que não aconteça que por se calar, por causa dos que não a podem entender, não somente seja escamoteada aos que a conseguem entender e ainda se prevenir contra a falsidade, mas também sejam induzidos ao erro” [19].
Em segundo lugar, devemos apoiar as vítimas e reconhecer as responsabilidades dos ministros da Igreja. Essa é a teologia da memória. Ninguém está dizendo que isto será fácil. É um trabalho árduo, até impossível, se realizado sozinho. Contudo, com o perdão, obtemos a reconciliação da memória em nossa relação com Deus e entre nós, no contexto dos abusos sexuais do clero na Igreja.
Em terceiro lugar, no caminho para a reconciliação da memória, a Igreja faria bem em prestar atenção ao que afirma o jesuíta William O’Neill: “A memória nascida do testemunho deve atribuir as responsabilidades às distorções sistemáticas da ideologia supremacista, mas também deve se negar a 'essencializar' a vítima e o verdugo. As vítimas podem se tornar verdugos” [20]. Essa reconciliação da memória é, portanto, uma tarefa dirigida a todos os irmãos na fé.
Em quarto lugar, refletir sobre a tarefa da teologia em uma época de abusos sexuais do clero exige que se assuma um firme compromisso de escrever uma nova teologia com o sangue das vítimas. Isso significa tomar sérias medidas contra os abusadores, significa levar a sério o passado e o presente.
Refletindo sobre suas visitas aos túmulos de seus pais e amigos, Maggy Barankitse, uma senhora tutsi de Burundi, escreveu: “A razão que me estimula a retornar a esses túmulos não é reviver o trauma, mas conseguir ver o futuro de maneira mais clara” [21]. A memória deve antecipar e orientar as atitudes das vítimas diante da vida e, ao mesmo tempo, ajudar a elas e a toda a Igreja “a tomar consciência de que só é possível ver claramente o futuro caso recordemos o passado” [22].
Em quinto lugar, muitas pessoas se queixam de que no Vaticano e em outras instituições da Igreja se fala muito da cura, quando deveriam fortalecer as medidas para responsabilizar os bispos locais sobre o que está acontecendo. Ao mesmo tempo, as recordações dolorosas das vítimas devem ser escutadas e respeitadas.
Em sexto lugar, a reconciliação da memória deveria construir uma apologia da esperança que inspire uma nova teologia para uma Igreja renovada, de tal modo que seja possível escutar mais uma vez, não obstante nossas feridas eclesiais, essas palavras de Deus: “Conheço meus projetos para vocês - oráculo de Javé: são projetos de felicidade e não de sofrimento, para dar-lhes um futuro e uma esperança” (Jr 29,11). Esta é a esperança que nos permite imaginar o perdão do imperdoável.
Concluamos nossa argumentação com as palavras que o Papa Francisco usou ao final da Audiência Geral, do último dia 6 de outubro, para se referir ao relatório francês citado no início. Elas expressam, sob a forma de um chamado, as considerações que expomos nessas páginas:
“Desejo expressar às vítimas a minha tristeza, a minha dor pelo trauma que suportaram e, também, a minha vergonha, a nossa vergonha, pela grande incapacidade da Igreja de colocar as vítimas no centro das suas preocupações, assegurando a elas minha oração. E eu rezo e rezemos todos juntos: 'A Ti, Senhor, a glória; para nós, a vergonha'. Este é o momento de vergonha. Encorajo os bispos e a vocês, queridos irmãos, que vieram até aqui para compartilhar esse momento, encorajo os bispos e superiores religiosos a continuarem realizando todos os esforços para que tragédias semelhantes não voltem a se repetir. Expresso aos padres da França a minha proximidade e o meu apoio paternal nesta prova, que é dura, mas cura, e convido os católicos franceses a assumirem a responsabilidade para garantir que a Igreja seja um lar seguro para todos”.
[1] J. B. Metz, A Passion for God: The Mystical-Political Dimension of Chris¬tianity, New York, Paulist Press, 1998, 2.
[2] Y. Congar, Vera e falsa riforma nella Chiesa, Milano, Jaca Book, 2015, 58.
[3] Cf. C. Fournet, The Crime of Destruction and the Law of Genocide: Their Impact on Collective Memory, Burlington, Ashgate, 2007, XXX.
[4] Ibid.
[5] J. Chirac, «Discours prononcé lors de l’inauguration de la nouvelle exposition du pavillon d’Auschwitz», em Libération, 27 de janeiro de 2005.
[6] J. B. Metz, La fede, nella storia e nella società, Brescia, Queriniana, 1978, 162.
[7] Cf. P. Ricoeur, Memory, History, Forgetting, Chicago, University of Chicago Press, 2004, 17 (en es. La memoria, la historia, el olvido, Madrid, Trotta, 2003).
[8] E. A. Johnson, Friends of God and Prophets: A Feminist Theological Read¬ing of the Communion of Saints, New York, Continuum, 1998, 169.
[9] E. Wiesel, From the Kingdom of Memory. Reminiscences, New York, Schocken Books, 1990, 10.
[10] F. A. Keshgegian, Redeeming Memories: A Theology of Healing and Trans-formation, Nashville, Abingdon, 2000, 17.
[11] E. Wiesel, «Discorso di accettazione del Premio Nobel per la pace», 10 de dezembro de 1986.
[12] Ibid.
[13] Cfr M. Uwineza, «On Christian Hope: What makes it distinctive and credible?», em America, 4 de abril de 2016, 24.
[14] Entre aqueles que melhor demonstraram o que significa transformar recordações trágicas, podemos mencionar Nelson Mandela. Ficou preso por 27 anos, durante o regime do apartheid na África do Sul. Quando foi libertado, não esqueceu o calvário que tinha vivido, mas, ao contrário, transformou-o em uma oportunidade de benção para o seu país, buscando reunir todos em seu governo, em vez de marginalizar aqueles que o torturaram. Ao mostrar a seus ex-inimigos que o mundo era maior do que suas visões limitadas, Mandela revelou o fundamento do que significa ser humanos.
[15] Certamente, esse era o sonho de Martin Luther King e de outros ativistas de direitos civis, que souberam aprender dos horrores da escravidão e tentaram obter a liberdade para todos nos Estados Unidos.
[16] K. Rahner, «Theology and Anthropology», en Id., Theological Investiga¬tions, vol. 9, New York, Seabury, 1972, 216; cfr Id., «On the Theology of the Incar¬nation», en Id., Theological Investigations, vol. 4, ibid, 1982, 108.
[17] R. Lennan, Karl Rahner: Theologian of Grace, 12 Lectures on 5 CDs, North Bethesda, NYKM, 2015, CD 1, track 23-25. Cfr K. Rahner, Hearer of the Word, New York, Continuum, 1994.
[18] H. Arendt, «Una replica a Eric Voegelin», en S. Forti (ed.), Archivio Arendt 2. 1950-1954, Milano, Feltrinelli, 1994, 175.
[19] Agustín, s., El don de la perseverancia, 16, 40.
[20] W. O’Neill, «Saying “never again” again: Theology after the Genocide against the Tutsi in Rwanda», artigo de próxima publicação em America.
[21] E. Katongole, Born from Lament: The Theology and Politics of Hope in Africa, Grand Rapids, William B. Eerdmans, 2017, 260.
[22] Id., «“Memoria Passionis” as Social Reconciliation in Eastern Africa: Re¬membering the Future at Maison Shalom», en J. J. Carney – L. Johnston (edd.), The Surprise of Reconciliation in the Catholic Tradition, New York, Paulist Press, 2018, 277.