23 Julho 2021
Para a China, uma segunda investigação sobre as origens do Covid é "um ato de arrogância". A opinião do biólogo Giuseppe Montefalcone: "O erro humano explica várias incongruências que a hipótese de salto de espécie não explica".
A reportagem é de Marco Lupis, publicada por Huffington Post, 22-07-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
"Um ato de arrogância" que "ignora o bom senso e desafia a ciência". Com poucas palavras secas e definitivas a China devolveu ao remetente - a Organização Mundial da Saúde - sem muitos melindres, o pedido de uma nova investigação sobre a origem do vírus. Por enquanto, em suma, apesar das notícias que surgiram nas últimas horas - com base em fontes de inteligência - que falam de um acordo que está sendo elaborado entre Pequim e Washington para chegar a uma versão aceita e aceitável sobre as origens do Sars Cov-2, a perspectiva de uma admissão, mesmo que apenas parcial, de responsabilidade por parte do Dragão, ainda parece muito distante. Talvez estejamos diante de um novo "teatro diplomático" baseado na estratégia totalmente chinesa de "dois, três passos para frente e dois para trás", o que efetivamente levará a uma admissão de significado histórico no nascimento do Coronavírus, mas por enquanto é impossível saber. Ainda que a "cortina de fumaça" espalhada em torno do Laboratório Wuhan pareça, ao menos em parte, se dissipar no vento do "novo rumo" imposto por Biden, que pediu a seu serviço de inteligência, em tempos bem restritos, uma verdade definitiva sobre o nascimento da pandemia que colocou o mundo de joelhos.
É claro que agora se sabe que a atitude da OMS e de seu diretor-geral, o etíope Tedros Adhanom Ghebreyesus (que devia muito a Pequim por sua carreira fulminante no vértice do órgão da ONU) mudou radicalmente em relação a apenas alguns meses atrás. Talvez por causa da decisão de Biden de voltar a financiar a organização, depois que seu antecessor, Donald Trump, decidiu "fechar as torneiras" da participação financeira dos Estados Unidos, em polêmica justamente com Tedros. Ou talvez simplesmente porque nem mesmo uma OMS tão - até agora - pró-chinesa, como aquela até agora administrada por Tedros, poderia continuar a ignorar os sinais, as tantas evidências científicas e o acúmulo de provas que apontam na direção de uma hipótese de origem de laboratório - o de Wuhan - do vírus. Um argumento até ontem, tabu, censurado também pela própria imprensa ocidental e pelas redes sociais, que hoje ressurge com força.
A hipótese de pesadelo, de que o vírus que deixou o mundo de joelhos teria saído por erro do laboratório de pesquisa de "segurança máxima" de Wuhan, a cidade chinesa no epicentro da epidemia, parece muito mais do que uma hipótese arriscada ou digna de conspiração. As fontes estavam todas presentes, bastava não as ignorar, como tem sido feito até agora. Por exemplo, a conceituada revista científica "Nature" havia denunciado o risco de que isso pudesse acontecer já três anos atrás, em um artigo publicado em 2017. E, além disso, existe o forte envolvimento do Ocidente, e em particular da França, nos financiamentos, no planejamento e na cogestão do agora “famigerado” laboratório de Wuhan, para o qual justamente os franceses garantiram uma colaboração fundamental. O Instituto de Virologia de Wuhan abriga o Laboratório Nacional de Biossegurança de Wuhan, um dos poucos laboratórios do mundo classificado na categoria BSL-4, ou seja, apto a trabalhar com os patógenos mais perigosos e potencialmente letais do planeta, do vírus Ebola, ao Sars, até esse novo coronavírus, garantindo (em teoria) a máxima segurança através dos mais avançados protocolos de contenção. O laboratório é dirigido pelo Prof. Yuan Zhiming, um cientista com dezenas e dezenas de publicações científicas sobre o assunto, especializado, entre outras coisas, justamente em "Laboratory biorisk management and applied biosafety research - Gerenciamento de laboratório de biorriscos e pesquisa aplicada em biossegurança”, informa sua biografia apresentada no site do Wuhan Institute.
Os laboratórios de segurança máxima do tipo BSL-4 têm regras rígidas sobre a filtragem e tratamento de águas residuais antes de seu descarte, e todos os pesquisadores são obrigados a trocar de roupa e tomar banho antes e depois de usar as instalações. Mas o primeiro laboratório desse tipo construído no Japão, em 1981, foi atormentado por problemas recorrentes de segurança e alarmes sobre a não contenção e fuga de agentes patógenos muito perigosos. De acordo com o artigo da Nature, publicado em 23 de fevereiro de 2017 e assinado por David Cyranoski, correspondente para a área Ásia-Pacífico, com sede em Xangai, "O laboratório de Wuhan está autorizado a trabalhar com os patógenos mais perigosos do mundo". Sua construção faz parte de um plano que prevê a realização de cinco a sete laboratórios de biossegurança de nível 4 (BSL-4) no continente chinês até 2025 e, desde sua inauguração, tem gerado grande entusiasmo na comunidade científica internacional, mas também muitas preocupações.
Muitos pesquisadores do laboratório de Wuhan foram formados em um laboratório de segurança máxima do tipo BSL-4 semelhante em Lyon, França - uma circunstância que alguns cientistas consideram tranquilizadora. Mas eles também observam que a instalação francesa em Lyon realizou até agora testes usando apenas vírus de baixo risco de contágio, não com risco muito alto como é o caso do novo coronavírus.
Richard Ebright, um biólogo molecular estadunidense da Rutgers University de Piscataway, New Jersey, que questionou recentemente sobre a confiabilidade do laboratório Wuhan e mais em geral da rede de laboratórios BSL-4 chineses, havia expressado sérias preocupações, lembrando como "agora esteja claro que o vírus SARS original tenha escapado das estruturas de contenção de alto nível na China várias vezes". E, por sua vez, Tim Trevan, fundador da CHROME Biosafety and Biosecurity Consulting em Maryland, também lembrou como “uma cultura aberta e a possibilidade de realizar controles pela comunidade científica internacional e por organizações não governamentais externas, é fundamental para manter seguros os laboratórios BSL-4 "questionando quanto na China, onde o Governo é o único a exercer controle sobre essas estruturas altamente perigosas, é possível garantir a transparência e, portanto, a segurança de um laboratório como aquele da cidade epicentro do vírus.
O cenário da história do laboratório BSL-4 em Wuhan já parece suficientemente perturbador, abrindo - como se supõe - uma janela crível sobre a possibilidade de que a própria China seja responsável pela criação e disseminação do vírus daquela que agora tragicamente se tornou a maior emergência sanitária global de todos os tempos, depois da epidemia "espanhola" que no início do século passado causou mais de 50 milhões de mortes. Mas torna-se ainda mais apavorante, se for dado crédito às teses que agora circulam com insistência, segundo as quais o coronavírus não apenas foi criado no laboratório BSL-4 de Wuhan, mas faria parte de um programa secreto em Pequim gerido pelos militares para o desenvolvimento de armas biológicas. Teorias da conspiração e de uma "guerra final" com armas biológicas, que surgem regularmente a cada nova epidemia e a cada nova emergência sanitária global, portanto, devem ser tomadas com cautela.
Mas, fora isso, a possibilidade de um erro humano, dentro daquele laboratório, que possa ter levado à liberação acidental do patógeno, continua sendo a hipótese mais acreditada, também porque já aconteceu, e não só na China com a Sars, como vimos, mas também em outros laboratórios semelhantes no mundo, incluindo os Estados Unidos. Sobre este assunto, e sobre aquele mais geral das controversas pesquisas sobre vírus mais perigosos chamadas "Gain of Function", para os especialistas apenas "GoF", Giuseppe Montefalcone, Biólogo e PhD em Genética e Evolução Molecular, disse ao HuffPost: “a pesquisa GoF consiste em alterar o genoma de vírus e, em menor escala, de bactérias, com o objetivo de fazê-los ‘ganhar’ novas características. No âmbito viral, a pesquisa GoF visa criar vírus mais contagiosos ou letais. O objetivo é entender como esses vírus poderiam evoluir na natureza e permitir que pesquisadores testassem novas moléculas antivirais ou novas vacinas, não sendo pegos despreparados caso esses vírus realmente aparecessem”.
Um cenário que se afigura realmente preocupante, e sobre o qual o próprio Montefalcone - que tem a seu crédito mais de uma década de trabalho na Indústria Farmacêutica, e anteriormente trabalhou em pesquisa na área da Genética, em diversos países e, sobretudo, com organismos de todos os tipos (genética humana, animais, plantas, bactérias e vírus), expressa sérias dúvidas e preocupações: "A pesquisa GoF" continua Montefalcone, "é na minha opinião muito pouco útil, porque a genética viral permite milhões de mutações e, portanto, diferentes permutações e as possibilidades de criação exata da variante que se pretende é infinitesimal, mesmo que dezenas de variantes diferentes fossem criadas. Por outro lado, a periculosidade é muito elevada, porque são criados vírus muito perigosos que não existiam antes (e provavelmente nunca teriam existido) e o risco de que um erro de laboratório leve à sua dispersão no ambiente externo é concreto, como é conhecido por especialistas e como a história já mostrou (por exemplo a fuga de espécimes de H1N1 de 1977, de varíola em 1978, de SARS em 2004, de ebola em 2004, de brucelose em 2020, sem falar que literalmente todos os incidentes que causaram contágio nos laboratórios do CDC são confidenciais, então não devem ter sido isentos de consequências). Uma profecia e se realiza” insiste Montefalcone, “para citar o Dr. Martin Furmanski do Grupo de Estudo “Chemical and Biologic Weapons Center for Arms Control and Nonproliferation”.
Então, erros de laboratório, inclusive muito graves, podem acontecer e já aconteceram? “Certamente”, ele explica novamente ao HuffPost, “Você pode sofrer uma picada, um rasgo no macacão, pode não esterilizar completamente um macacão descartável. Quando trabalhei com genética viral, tipologias diferentes de modificações genéticas eram feitas em meu laboratório, com o objetivo de transformar vírus humanos (adenovírus ou vírus adeno-associados) em vetores para a terapia gênica, portanto na prática exatamente o oposto. Eu nunca teria trabalhado na pesquisa GoF (que estava começando a aparecer em alguns centros de pesquisa), justamente por medo de cometer um erro e causar um massacre. Isso sem falar da facilidade com que essas manticoras virais podem se tornar armas biológicas. Armas incontroláveis e decididamente mais destrutivas, acessíveis e econômicas do que a própria energia nuclear. Em alguns casos, ainda, conclui o biólogo, “investigações revelaram a falta de amostras em alguns depósitos”.
Uma reconstrução perturbadora, a de Montefalcone, que também reconhece, sem muitas reservas, o quanto seja fundada e verossímil a hipótese do nascimento do vírus em laboratório: “Com base no que expliquei”, observa, “o erro humano é uma hipótese muito sólida para justificar o surgimento do SarsCov-2, que explicaria toda uma série de coincidências e incongruências que a hipótese do salto de espécie não explica”. E quais são essas incongruências que refutam a tese de quem gostaria da origem natural do vírus justamente através do “salto de espécie”? “Em primeiro lugar”, explica Montefalcone, o paciente zero, que emergiu a pequena distância do mais importante laboratório em que se conduziam estudos GoF sobre coronavírus de morcego; depois, a existência de um único foco (quando, em vez disso, tendo que lidar - como os próprios defensores da hipótese do "spillover" – com um morcego presente em todo lugar, promíscuo e grande voador, deveríamos ter tido focos em vários lugares; finalmente, a maior letalidade em humanos em comparação ao morcego (explicada por pangolins, furões e outras hipóteses de intermediários, que no entanto comportariam um duplo salto de espécies em pouco tempo, cientificamente pouco credível e, sobretudo, até agora nunca demonstrado). Todas essas incongruências tornam a teoria do salto de espécie pouco convincente e - até agora - absolutamente não comprovada cientificamente.
“Colocar o mundo nas mãos da habilidade, precisão, honestidade e sanidade de pesquisadores individuais causa tremores”, conclui o professor, que acrescenta uma observação final de efeito: “Um famoso filme de 1995, ‘Os Doze Macacos’ analisou essa hipótese, ainda que de forma cinematográfica. Talvez seja necessário assisti-lo com mais atenção”.
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Volta o dinheiro dos EUA e a OMS reabre a questão do Wuhan Lab - Instituto Humanitas Unisinos - IHU