21 Junho 2021
"A imposição da vontade de uma maioria nem sempre é bom para a sociedade, porque hoje já não se governa mais em seu nome, mas no nome de uma parte que quer levar tudo para casa. Certamente não fará bem nenhum à Igreja dos Estados Unidos", escreve o teólogo e padre italiano Marcello Neri, professor da Universidade de Flensburg, na Alemanha, em artigo publicado em Settimana News, 19-06-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Nos últimos dias, aconteceram coisas importantes nos Estados Unidos em relação ao catolicismo. A decisão da Suprema Corte que declarou inconstitucional a decisão da administração municipal da Filadélfia de excluir os Serviços Sociais Católicos (SSC) da diocese local das associações que operam no âmbito da custódia temporária de menores que estão a cargo do sistema público - isso por causa da recusa do SSC em considerar os casais homossexuais como famílias com possibilidade de guarda.
A decisão foi unânime e redigida pelo presidente da Suprema Corte Roberts, acompanhada por algumas opiniões favoráveis de outros juízes da Corte. Provavelmente vai se retornar sobre ela, especialmente para não parar no juízo no nível do que lemos na imprensa italiana - tipo "a religião prevalece sobre os direitos LGBT".
Títulos cativantes, é claro, mas também simplistas - porque não se trata de prevalência, mas de exceção (aliás, já obrigatoriamente previstas pelos estatutos municipais para os contratos de associações com a cidade para operar no âmbito das guardas, não concedida quando solicitado pelo SSC) e de acomodação.
Entre outras coisas, na leitura midiática estritamente política feita do acórdão da Corte parece-me que tenha faltado, pelo menos em primeira instância, qualquer reflexão sobre a inversão da relação entre direitos fundamentais e direitos particulares que se generalizam através do instrumento legislativo (e cada vez mais frequentemente também através do jurídico das sentenças das cortes).
O outro momento importante foi a assembleia plenária dos bispos estadunidenses, realizada em streaming para atender as medidas de segurança ainda necessárias diante da pandemia. Aqui não só a informação, mas também a própria assembleia foi polarizada pela questão do documento doutrinal sobre a coerência eucarística - cuja redação foi depois aprovada em votação com cerca de três quartos dos votos a favor.
O que incidirá por muito tempo sobre a Conferência Episcopal não é tanto o eventual documento final que, como mostra um debate decididamente desarticulado e com tons muitas vezes agressivos, será um texto ad personam (Biden) inerente mais à esfera política do que àquela da doutrina - como destacaram observadores internos do mundo eclesial estadunidense.
A marca deixada por essa assembleia é antes a rejeição da colegialidade episcopal de uma Igreja local como lugar de diálogo voltado para a construção de uma unidade geral do catolicismo estadunidense. De fato, se renunciou a ser uma Igreja, liberando uma divisão evidente como a justa posição dos bispos não apenas na sociedade estadunidense, mas também (e talvez acima de tudo) em relação à Igreja Católica global (ou seja, o Papa Francisco).
Desta assembleia, a Conferência Episcopal emerge mundanizada, completamente homóloga à sociedade estadunidense e substancialmente antidemocrática (contra sua longa tradição que, pelo menos até o Vaticano II, a havia tornado suspeita a Roma). Estas não são duas boas notícias, muito pelo contrário.
A mundanização pode ser apreendido tanto no léxico que acompanhou um debate desordenado e atravessado por uma forte carga de agressividade, quanto na forma como se realizou - onde a presidência permitiu que se colocasse ao nível do questionamento as razões dos bispos que solicitavam um adiamento do tema para a próxima Assembleia a se realizar presencialmente, afastando-se assim tanto do tema objeto do debate (atitude que em épocas anteriores não era tolerada dentro da Conferência Episcopal).
O afastamento do código democrático pode ser apreendido na relutância de grande parte do corpo episcopal de pensar na Conferência como lugar de negociação, mediação e resolução das diferenças, com vistas a alcançar uma posição unitária dos bispos na vida das comunidades cristãs e da nação.
No passado, essa atitude democrática havia permitido à Conferência Episcopal estadunidense chegar a documentos que permanecerão na história - não apenas do país. Hoje, aqueles tempos não estão apenas a anos-luz de distância, mas parecem nunca ter existido. E não que naquela época reinasse a harmonia paradisíaca entre os bispos estadunidenses ou houvesse total homologação - muito pelo contrário. Deles, em todo caso, se perderam todos os vestígios.
No final da Assembleia, não só se acentuam as divergências internas dentro do corpo episcopal estadunidense, onde até os mais pacientes parecem não ter razões ou possibilidades reais de trabalhar por uma recomposição pelo menos decente do clima interno, mas também as tensões com o Vaticano - que havia pedido paciência e, acima de tudo, preservar pelo menos um mínimo de unidade visível (àquela real, creio, já havia se renunciado há tempo).
A imposição da vontade de uma maioria nem sempre é bom para a sociedade, porque hoje já não se governa mais em seu nome, mas no nome de uma parte que quer levar tudo para casa. Certamente não fará bem nenhum à Igreja dos Estados Unidos.
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Os bispos EUA e a coerência eucarística: prossiga-se - Instituto Humanitas Unisinos - IHU