06 Mai 2021
"Teologicamente, ninguém é digno de receber a Comunhão. Todos nós somos pecadores, e são a bondade, o amor e a graça de Deus que nos convidam à mesa do Senhor. Nós não conquistamos o direito à Comunhão".
O comentário é do jesuíta estadunidense Thomas J. Reese, ex-editor-chefe da revista America, dos jesuítas dos Estados Unidos, de 1998 a 2005, e autor de “O Vaticano por dentro” (Ed. Edusc, 1998), em artigo publicado por Religion News Service, 05-05-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Recentemente, um punhado de bispos católicos estadunidenses emitiram declarações questionando se alguém que apoia o direito ao aborto deveria receber a Comunhão, e alguns jornalistas imediatamente aproveitaram para questionar: a Conferência dos Bispos dos EUA – queriam saber eles – negará a Comunhão ao presidente Joe Biden por causa da sua posição pró-escolha sobre o aborto?
Jornalistas, aqui está a resposta de vocês: esta é uma história estúpida por motivos canônicos, teológicos e políticos.
Em primeiro lugar, a Conferência dos Bispos dos EUA não tem a autoridade canônica para dizer a Biden que ele não pode receber a Comunhão.
Durante o papado de João Paulo II, o cardeal Joseph Ratzinger, então chefe da Congregação para a Doutrina da Fé, enfatizou a autoridade limitada das Conferências Episcopais. Quem pode ou não pode receber a Comunhão em uma diocese é algo que deve ser decidido pelo bispo local, não pela Conferência Episcopal. O máximo que a Conferência pode fazer é indicar recomendações aos bispos locais.
Se a Conferência Episcopal deseja ter a autoridade para decidir tais assuntos, será necessário solicitar uma exceção à lei da Igreja por parte de Roma. Tal pedido requer uma votação de dois terços dos bispos da Conferência e a aprovação de Roma. É altamente improvável que o papa aprove tal exceção. As probabilidades são de que o Vaticano sequer responderia ao pedido enquanto Biden estiver no cargo.
Como resultado, enquanto Biden residir em Washington e for à igreja lá, será o cardeal Wilton Gregory quem determinará se ele pode receber a Comunhão. Gregory disse que ele não vai impedir Biden de receber a Comunhão.
Quando Biden estiver em seu Estado natal, Delaware, caberá ao bispo local de lá. Delaware acaba de ganhar um novo bispo, e, embora seu antecessor tenha permitido que Biden recebesse a Comunhão, o novo bispo ainda não divulgou a sua posição.
Da mesma forma, quando Biden estiver viajando pelo país, será o bispo local, onde quer que ele vá à missa, quem decidirá se ele pode receber ou não a Comunhão.
Os assessores de Biden são espertos o suficiente para evitar colocar em sua agenda uma missa em uma diocese com um bispo hostil. Biden e sua equipe também têm sido inteligentes o suficiente para evitar serem arrastados para um debate sobre a dignidade dele para receber a Comunhão. Ele diz que essa é uma questão pessoal, e a sua equipe mantém afastadas as câmeras dos jornalistas quando ele vai à igreja.
Em segundo lugar, teologicamente, ninguém é digno de receber a Comunhão. Todos nós somos pecadores, e são a bondade, o amor e a graça de Deus que nos convidam à mesa do Senhor. Nós não conquistamos o direito à Comunhão.
Como diria o Papa Francisco, a Igreja é um hospital de campanha para os feridos. Não é um clube de campo para a elite. Essa atitude levou Francisco a facilitar mais o acesso à Comunhão dos católicos divorciados e recasados.
Todo católico é convidado a refletir sobre sua atitude ao se aproximar da Comunhão, mas é excepcional quando as autoridades da Igreja impedem que um indivíduo receba a Comunhão.
Alguns bispos acreditam que certas questões são tão graves que deveriam ser motivo para impedir alguém de receber a Comunhão. Deixando de lado o mérito do debate, existem problemas práticos. Por exemplo, quais questões deveriam estar na lista?
Alguns dizem que o aborto e as questões de gênero, mas é preciso notar que Biden nunca questionou a posição da Igreja sobre a moralidade do aborto. Ele acredita que ele deveria ser legal, posição de mais da metade dos católicos. Se Biden deveria ser banido da Comunhão, então o mesmo deveria ocorrer com mais da metade dos católicos estadunidenses.
Mas e quanto às outras questões? E os políticos que mentem sobre os resultados das eleições e encorajam seus seguidores a subverter a vontade do povo?
E os políticos que apoiam o racismo por meio de leis que suprimem eleitores?
E os políticos que lutam contra políticas para enfrentam o aquecimento global?
E os políticos que negam refúgio a quem foge da opressão e da necessidade, que não fazem nada para salvar quem morre no deserto ou se afoga no mar?
E os políticos que negam o Medicaid [programa de saúde] aos pobres?
Todo mundo tem a sua lista de pessoas às quais se deveria negar a Comunhão. A quem cabe decidir?
Quando era arcebispo de Chicago, o cardeal Francis George, que não era nenhum liberal, disse isso sucintamente quando afirmou que não queria que seus padres brincassem de policial durante a Comunhão. Devemos lembrar também que São João Paulo II deu a Comunhão a políticos pró-escolha, nomeadamente o ex-primeiro-ministro britânico Tony Blair (que sequer era católico na época) e o prefeito de Roma.
Tudo isso leva à minha terceira conclusão, que diz respeito à política, e não à Eucaristia.
Os bispos que estão falando sobre a possibilidade de a Conferência Episcopal, em sua reunião de junho, negar a Comunhão a Biden não são estúpidos. Eles conhecem o Direito Canônico. Eles sabem que a Conferência Episcopal não tem nenhuma autoridade para banir Biden da Comunhão. Os grupos pró-vida que fomentam essa pauta também sabem disso.
Então, o que está acontecendo? Política.
O Partido Democrata abandonou qualquer disposição de dar espaço aos oponentes ao aborto. Durante as primárias presidenciais de 2020, nenhum candidato democrata sério apoiou a Emenda Hyde, que proíbe gastos federais com o aborto. Biden, que apoiou a emenda durante toda sua carreira política, mudou de posição antes da campanha, embora a maioria dos estadunidenses se oponha aos fundos federais para os abortos.
Os oponentes do aborto não veem nenhuma alternativa ao Partido Republicano e estão dispostos a declarar guerra aos democratas de qualquer maneira. As guerras da Comunhão fazem parte dessa estratégia política, e não de qualquer estratégia espiritual. Os republicanos sabem que as guerras da Comunhão são um chamariz para os jornalistas, e os republicanos e seus aliados episcopais preferem essas histórias àquelas que descrevem os esforços de Biden contra a Covid-19 ou em relação a infraestrutura, mudanças climáticas e empregos.
As histórias de que a Conferência Episcopal pode negar a Comunhão a Biden são tão realistas quanto as histórias de que a Associação Nacional de Governadores pode “impichar” o presidente.
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Debates em torno da proibição da Comunhão a Biden são estúpidas. Artigo de Thomas Reese - Instituto Humanitas Unisinos - IHU