13 Abril 2021
“Talvez com a morte de Hans Küng possamos notar, acima de tudo, que a tensão intelectual entre os dois métodos teológicos provou ser uma bênção para a Igreja e a teologia. Küng e seus apoiadores trouxeram não apenas um novo método teológico em jogo, mas também compeliram seus oponentes a uma nova criatividade. Na verdade, Joseph Ratzinger/Bento XVI não poderia ter escrito sua famosa trilogia sobre Jesus de Nazaré, que publicou entre 2007-2012, sem as questões críticas dos teólogos “de baixo” que ele tanto contestou”, escreve Hendro Munstermann, pesquisador na Tilburg University e autor de textos sobre fé e religião para o jornal holandês Nederlands Dagblad, em artigo publicado por La Croix International, 12-04-2021. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Por décadas, Joseph Ratzinger e seu ex-colega Hans Küng foram simbolicamente colocados como opostos um do outro dentro da teologia católica romana.
Na mídia, o foco era sobre as ideias de Küng sobre reformas internas na Igreja e a oposição de Ratzinger a elas.
Mas as diferenças em suas “vias de abordagem” para falar significativamente sobre Jesus de Nazaré são muito mais substanciais.
Eles eram considerados os dois mais proeminentes teólogos católicos do século XX, todo dominado pela teologia alemã: Hans Küng e Joseph Ratzinger.
O primeiro morreu no último 06 de abril, aos 93 anos. O segundo completará 94 anos em 16 de abril.
Como jovens professores, ambos lecionaram juntos na prestigiosa faculdade teológica de Tübingen – a qual Ratzinger logo deixou para a menos tumultuosa Regensburg.
Ambos foram ativos e influentes como peritus (especialista teológico) logo cedo durante o Concílio Vaticano Segundo (1962-65) que atualizaria a doutrina católica e a organização da Igreja.
Seus caminhos divergiram logo depois. Küng e Ratzinger tornaram-se opostos.
Küng foi destituído de suas qualificações de ensino como um teólogo católico romano por João Paulo II em 1979 por serrar as pernas do dogma da infalibilidade papal em um de seus livros mais vendidos.
Ratzinger, que já havia sido elevado a arcebispo e cardeal por Paulo VI, seria então nomeado “guardião da doutrina” do Vaticano pelo mesmo João Paulo.
E, é claro, Ratzinger seria o sucessor do papa polonês como bispo de Roma.
Küng e Ratzinger provavelmente não foram os teólogos católicos mais criativos do mundo de língua alemã.
No final, suas contribuições teológicas ficaram para trás daqueles dois outros opostos, Karl Rahner e Hans Urs von Balthasar.
Mas Küng e Ratzinger conseguiram atrair muito mais atenção, graças ao fascínio da mídia pela luta dentro da Igreja da qual eram os principais símbolos.
O verdadeiro avanço de Küng ocorreu em 1974, quando ele publicou seu estudo cristológico, “Ser cristão” (lançado em inglês em 1977).
O título do livro é enganoso. O texto não é tanto sobre seguir Cristo, mas sobre quem Jesus realmente é em seu relacionamento com Deus e a humanidade.
Naquele mesmo ano, 1974, outros teólogos católicos – incluindo o dominicano holandês Edward Schillebeeckx – também publicaram obras cristológicas.
Eles sinalizaram um ponto de inflexão revolucionário na teologia católica. Além da tradicional “cristologia de cima”, esses teólogos desenvolveram uma “cristologia de baixo”.
O exegeta protestante alemão Ernst Käsemann havia chegado à conclusão em 1953 que, a partir da pesquisa histórica científica, era possível dizer algo significativo sobre o Jesus histórico. Isso desapontou muito seu professor Rudolf Bultmann, que havia afirmado o contrário durante toda a vida.
Käsemann, que ensinava escrituras em Tübingen, achava que era possível voltar atrás dos textos bíblicos, que foram escritos como proclamações de fé, para entender melhor seu contexto histórico.
Küng e outros teólogos captaram esses resultados e começaram a trabalhar com eles teologicamente.
A “Cristologia de cima” queria compreender Jesus de Nazaré a partir da confissão do Novo Testamento e do dogma cristológico, partindo do fiel pressuposto de que ele é o Filho de Deus e a segunda Pessoa da Trindade.
Esses novos “teólogos de baixo” queriam começar sua reflexão sobre quem é Jesus precisamente na história concreta.
Ratzinger e outros “teólogos de cima”, entretanto, temiam que essa forma de teologia produzisse apenas “cristologia minimalista”.
A preocupação era que, se um teólogo não partisse da certeza da fé de que Deus se revela na pessoa de Jesus de Nazaré, a humanidade de Cristo seria mais enfatizada do que a sua humanidade.
Küng e seus seguidores temiam exatamente o oposto.
Durante séculos, Jesus foi visto do ponto de vista de um credo que, a seu ver, havia se tornado muito rígido.
Eles disseram que o resultado foi que os aspectos novos e revolucionários de Jesus foram deixados de fora, assim como a natureza de Cristo como sendo totalmente humana, embora fosse parte do dogma cristológico.
Essas duas formas de teologizar permaneceram fortemente opostas por décadas e, de fato, ainda o fazem nos círculos católicos e protestantes.
Os defensores da “teologia de cima” não consideram “teologia de baixo” científica o suficiente, os últimos não consideram a primeira suficientemente direta. Desde então, todo teólogo deve escolher sua abordagem cristológica.
Mas talvez com a morte de Hans Küng possamos notar, acima de tudo, que a tensão intelectual entre os dois métodos teológicos provou ser uma bênção para a Igreja e a teologia.
Küng e seus apoiadores trouxeram não apenas um novo método teológico em jogo, mas também compeliram seus oponentes a uma nova criatividade.
Na verdade, Joseph Ratzinger/Bento XVI não poderia ter escrito sua famosa trilogia sobre Jesus de Nazaré, que publicou entre 2007-2012, sem as questões críticas dos teólogos “de baixo” que ele tanto contestou.
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Küng e Ratzinger: opostos, mas caminhos complementares para Jesus - Instituto Humanitas Unisinos - IHU