23 Março 2021
“Queiruga trata do tema da oração e, em particular, da oração de pergunta. Com perguntas angustiantes para nós: mas Deus vê a dor de suas criaturas? Ele se importa que soframos? Por que não nos escuta? Por que ele não intervém? Se esta for a nossa oração - afirma o teólogo espanhol - estamos perante 'uma monstruosidade religiosa', simplesmente porque nos esquecemos que Deus é Abbá, isto é, Pai”, escreve Bruno Scapin, sobre o novo livro do teólogo espanhol Andrés Torres Queiruga lançado na Itália, em comentário publicado por Settimana News, 20-03-2021. A tradução é de Luísa Rabolini.
Este texto do teólogo espanhol Andrés Torres Queiruga é curto, mas muito denso, completado pelo posfácio de outro teólogo, Kurt Appel, da Universidade de Viena.
Pelos títulos de alguns livros de Queiruga, mencionados na nota de Introdução assinada por Marco Dal Corso, poderíamos apelidá-lo de teólogo do "repensamento". Na verdade, é impressionante como essa palavra, em sua forma verbal, esteja presente nos títulos de suas obras. Vamos lembrá-las em sua língua original: Repensar la revelatión, Repensar la Cristología, Repensar la resurrección, Repensar el mal. "Repensar", por quê? Porque - esta é sua convicção - a apresentação clássica que a teologia faz desses argumentos utiliza conceitos e linguagens datados, muitas vezes repetidos acriticamente e, em todo caso, distantes da cultura da pós-modernidade.
La preghiera ai tempi del coronavirus. Ripensare la teodicea,
de André Torres Queiruga.
Pazzini Editore, 2021
Um desses temas, certamente aquele que apresenta o maior coeficiente de dificuldade, é a presença do mal no mundo. O autor não raciocina abstratamente, mas se questiona a partir do sofrimento presente no mundo por causa da pandemia.
Antes do segundo capítulo (“O problema atual da teodiceia”), Queiruga trata do tema da oração e, em particular, da oração de pergunta. Com perguntas angustiantes para nós: mas Deus vê a dor de suas criaturas? Ele se importa que soframos? Por que não nos escuta? Por que ele não intervém? Se esta for a nossa oração - afirma o teólogo espanhol - estamos perante “uma monstruosidade religiosa”, simplesmente porque nos esquecemos que Deus é Abbá, isto é, Pai.
Como se pode pensar que Deus Pai não fique preocupado com o sofrimento humano e permaneça indiferente ao mal que atormenta seu mundo? Tal oração imagina um Deus "distante e inativo" e esquece que "somos filhos e filhas infinitamente amados". Se isso for verdade, então também o problema humano do mal, a impotência diante do sofrimento, a perplexidade diante da maldade, recebem uma resposta: "aconteça o que acontecer, mesmo na angústia mais extrema e na situação mais injusta e incompreensível, é possível confiar em Deus”. Como prova, o autor lembra dois episódios: a oração do pai que tem o filho epiléptico ("Creio, Senhor, ajuda a minha incredulidade", Mc 9,24) e a oração de Jesus no Getsêmani ("não seja o que eu quero, mas sim o que tu queres", Mc 14,36).
Referindo-se à oração de pergunta, Queiruga recorda também o 27 de março do ano passado, quando, em plena epidemia de coronavírus, o Papa Francisco rezou na Praça de São Pedro deserta, centrando seu apelo, antes que na solidariedade com os irmãos, na confiança em Deus.
A oração na hora do sofrimento levanta inevitavelmente a questão da coexistência do mal presente no mundo e de um Deus todo-poderoso e infinitamente bom.
Aqui a teologia é chamada em causa, porque se não for respondido esse dilema, "a fé poderia resultar culturalmente impossível". Queiruga argumenta: “Enquanto permanecer o preconceito de que Deus poderia, se quisesse, acabar com todo o mal do mundo, ninguém pode acreditar em sua bondade sem ser obrigado a negar seu poder”.
Para sair do dilema - declara o teólogo espanhol - é preciso "infringi-lo e demonstrar que é falso", porque "esconde um preconceito pré-moderno". Qual? Que um mundo-sem-mal é possível. Essa forma de pensar (que envolve tanto crentes como ateus), segundo Queiruga, é completamente anacrônica, “porque um mundo-sem-mal só pode ser visto hoje como um 'fóssil’ cultural, uma relíquia mítica de paraísos religiosamente primitivos ou de fantasias freudianas infantis”. Ora, conclui o autor, "a ideia de um mundo-finito-sem-mal é tão impossível e contraditória quanto a de uma madeira de ferro ou de um círculo quadrado", como é evidente para os sociólogos "que uma sociedade perfeita é uma utopia” e para biólogos e cosmólogos “que não existe evolução sem conflitos e catástrofes”.
É preciso superar este equívoco: “que o mal representa, de forma direta e imediata, um problema religioso que, normalmente, pode acabar sendo usado como uma arma contra Deus”, e isso porque o mal é um problema comum para fiéis e não crentes. É um problema que nos diz respeito "como humanos". O que varia é apenas a resposta ao mal presente no mundo. Nesse sentido, a crise causada pelo coronavírus é uma lição dura, mas saudável, pois nos mostra que “enfrentar o mal é uma luta inevitável de seres finitos que vivenciam a liberdade finita”.
Mas uma teodiceia saudável fornece, especialmente para o fiel atormentado pelo problema, uma resposta muito mais tranquilizadora. Aqui está: ao criar por amor, Deus sabia (vamos usar um antropomorfismo) “que suas criaturas seriam expostas à mordida do mal inevitável. No entanto, ele as criou porque em sua onipotência infinita ele sabe que, apesar do mal, a existência tem seu valor" e que "em sua onipotência ressuscitadora ele é capaz de nos libertar para sempre e plenamente do mal na comunhão final, quando, livre das condições físicas da finitude, ele ‘será tudo em todos’”.
Queiruga convida mais uma vez a teologia a enfrentar problemas antigos com novos argumentos e novas linguagens que podem ser interceptados pela sensibilidade cultural de hoje.
As últimas dez páginas do texto são assinadas por Kurt Appel que, em poucas palavras, apresenta a teodiceia de Leibniz, Kant e Hegel.
Para o primeiro, o mundo atual é "o melhor de todos os mundos possíveis", porque foi assim que o amor de Deus o criou. O que deve ser ressaltado é a liberdade do homem. É esta liberdade que sugere o horizonte infinito de Deus, tanto que se pode afirmar que “como existe liberdade, então Deus é bom”. E o mal? Visto que o homem é livre e capaz de amar e de abertura para o outro, isso significa que o amor de Deus é maior do que todo o mal.
Para Kant, a teodiceia autêntica se expressa na lei moral, tanto que “bom ou mau não é o mundo empírico, bom é a liberdade”. Também em Kant, como em Leibniz, o problema da teodiceia conduz à questão da liberdade. Se em Leibniz ela se configura como abertura ao mundo, em Kant se torna autonomia e maturidade.
Mais complexa é a posição de Hegel, que considera sua filosofia da história como teodiceia. A influência da espiritualidade luterana no pensamento da "morte de Deus" é interessante. Não se trata da morte de Deus como tal (tal afirmação levaria ao ateísmo), mas de uma certa forma de conceber Deus. Olhando para Jesus na cruz, desaparece a ideia de um Deus Pantocrator intocável para deixar espaço para um Deus que permanece com sua própria criação. Desse modo, “a vida não está mais separada de Deus, mas em Deus até a mais íntima sensação física”. Em Hegel, a liberdade "está associada a um amor solidário" no estilo de Jesus.
A ênfase da liberdade em todos esses três filósofos - conclui Kurt Appel - desloca cada vez mais a atenção para o homem e sua grande responsabilidade pelo destino da criação.
No final desta resenha, é obrigatório recordar os tradutores do espanhol e do alemão, ou seja, dom Francesco Strazzari e pe. Antonio Dall’Osto e Maria Stefania Gianneschi que revisou a tradução.
Um pequeno livro que o convida a se abrir para amplos horizontes.
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A oração diante do mal - Instituto Humanitas Unisinos - IHU